17 de novembro de 2025
Politica

Esquema ligado a ex-sócio de Lulinha usou operadores de cripto que lavaram dinheiro do PCC, diz PF

A Polícia Federal (PF) investiga se a Life Tecnologia Educacional, empresa de materiais didáticos de André Mariano, preso na Operação Coffee Break, usou empresas do esquema de evasão de divisas por meio de compra de criptoativos que lavou dinheiro do Primeiro Comando da Capital (PCC) e do Hezbollah em operações de câmbio ilegais mantidas em contas bancárias de cinco bancos investigados durante a Operação Colossus. Só uma das empresas que recebeu dinheiro da Life movimentou R$ 1,2 bilhão.

A reportagem do Estadão busca contato com a defesa de Mariano e de outros citados na Operação Coffee Break. O espaço está aberto para manifestações.

Kalil Bittar, ex-sócio de Lulinha, é um dos investigados no esquema de desvio de recursos da Educação
Kalil Bittar, ex-sócio de Lulinha, é um dos investigados no esquema de desvio de recursos da Educação

O esquema flagrado pela PF durante a Colossus movimentou R$ 61 bilhões e já provocou a condenação a 17 anos de prisão de um de seus principais operadores, o empresário Dante Felipini, conforme o Estadão revelou. A Life, do empresário Mariano, pagaria mesada para o empresário Kalil Bittar em esquema de tráfico de influência para assumir contratos públicos em ‘Estados do PT’ e no governo federal.

Bittar é ex-sócio de Fábio Luís Lula da Silva, o Lulinha, filho do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, tem uma relação de longa data com a família do petista. A Polícia Federal acredita que ele tenha vendido o acesso a pelo menos um empresário, André Gonçalves Mariano, interessado em expandir negócios por meio de contratos públicos.

Durante o inquérito sobre os desvios de verba da educação, o delegado Guilherme Alves de Siqueira, chefe da Divisão de Repressão a Crimes Financeiros da PF, pediu o rastreamento do fluxo de transações financeiras envolvendo a Life e a empresa APS Soluções Digitais.

‘Banco do crime’

No período em que recebeu dinheiro da Life, em 2022, a APS movimentou cifra bilionária, recursos enviados por dezenas de clientes. Os créditos em suas contas foram de R$ 1.214.612.374,29, distribuídos em 6.096 transações.

Ao todo, 32 clientes enviaram à APS mais de R$ 500 mil. Entre eles estavam não apenas empresas ligadas à Operação Colossus, mas também pessoas ligadas a outras operações da PF e “bancos do crime”, como o Cash Back Turismo, cujo dono é ex-diretor da fintech 2 Go Bank, outra instituição acusada de lavar dinheiro do PCC. Foi nessa lista que entrou a Life. Ela enviou R$ 1,1 milhão à APS em 2022, por meio de três transferências bancárias registradas, a primeira delas, em 25 de janeiro, quando R$ 449,9 mil foram enviados à APS.

Operação Coffee Break: federais apreenderam carros e dinheiro com os acusados de desvios na Educação
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“Nas mesma data, a APS efetuou duas transferências bancárias para a empresa ZM Consultoria e Gestão, cujo valor total se aproxima consideravelmente do montante recebido”, registrou a PF em relatório de análise. “Tal movimentação indica a possibilidade de que os recursos tenham sido repassados à referida empresa”, concluiu.

A ZM atuava no ramo de criptomoedas e tinha como sócio único o empresário Vinícius Zampieri Marinho, investigado na Colossus. Em 26 de julho de 2022, a APS recebeu R$ 300 mil da Life e, em seguida, realizou duas transferências para a ZM Consultoria, totalizando R$ 590.890,00. Posteriormente, recebeu um novo depósito da Life, no valor de R$ 300 mil. “A movimentação bancária observada sugere, portanto, uma possível tentativa de dissimular a origem e o destino dos recursos transferidos, ocultando a relação direta entre a Life e a ZM”, afirmam os federais.

Inocência

A defesa de Zampieri alega inocência de seu cliente. Ao Estadão, seu advogado, Rogério Cury, informou que o empresário “sempre pautou suas atividades pela transparência e que sempre esteve, e continua, à disposição das autoridades para prestar os esclarecimentos necessários, confiando que os fatos serão devidamente esclarecidos pelas autoridades competentes”.

Investigado pela Operação Colossus, da Polícia Federal, o operador de criptoativos Dante Felipini dispara um fuzil SAk-47 no vale do Bekaa, no Líbano, auxiliado por um integrante do Hezbollah: 'Que se foda Israel'
Investigado pela Operação Colossus, da Polícia Federal, o operador de criptoativos Dante Felipini dispara um fuzil SAk-47 no vale do Bekaa, no Líbano, auxiliado por um integrante do Hezbollah: ‘Que se foda Israel’

Chamou ainda atenção dos federais o fato de APS encontrar-se inapta para o exercício de suas atividades desde 15 de janeiro de 2024. A empresa tem como único sócio Paulo de matos Junior, investigado pela PF no Rio Grande do Sul em um inquérito sobre tráfico internacional de drogas, que deu origem à Operação Hinterland. Matos Junior também figura como sócio de diversas outras empresas atuantes nos ramos de intermediação e de câmbio, incluindo a VM Capital Serviços Administrativos, que também recebeu da Life R$ 499,9 mil.

De acordo com os federais, a ampla maioria das transações da APS teve como destino contas vinculadas às instituições Acesso Soluções de Pagamentos SA e o Banco Topázio S.A.. A Acesso é uma instituição que atua no modelo Banking as a Service (BaaS), oferecendo infraestrutura para que outras empresas disponibilizem serviços bancários. “Atualmente, é investigada por Crimes Contra O Sistema Financeiro Nacional em inquérito da Delecor/DRPJ/SR/PF/SP”, dizem os federais. Delecor é a Delegacia de Repressão a Corrupção e Crimes Financeiros, da PF.

Ainda segundo os federais, o Banco Topázio, também oferece soluções BaaS, “bem como operações de câmbio facilitadas, permitindo remessas e recebimentos internacionais com liquidação em até dois dias úteis, segundo informações disponíveis em seu site institucional”. Ele ofereceria aquisição de criptoativos com liquidação no mesmo dia (D+0)2. “Somadas, essas duas instituições concentraram R$ 222.135.626,18, o que representa 98,19% do total de R$ 226.226.975,99 transferido por meio de operações de mesma titularidade.”

Antônio Vinicius Gritzbach, o delator do PCC, denunciou a ação do 2 Go Bank e do InvBank; acabou fuzilado no aeroporto de Guarulhos
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A suspeita da PF é que a APS destinava a maior parte de seus recursos a operações de câmbio que podiam estar sendo utilizadas para a compra de criptoativos, como o USDT, ou mesmo para a evasão de divisas. Ao todo, a APS destinou à ZM a quantia total de R$ 301.269.493,22 por meio de 574 transações, entre os dias 12 de janeiro de 2022 a 21 de setembro de 2022, dia anterior à deflagração da Operação Colossus, que teve a ZM como um dos alvos.

De acordo com os federais, 98,87% dos R$ 301,2 milhões enviados pela APS à ZM foram direcionados a contas no Banco BMP Sociedade de Crédito (Money Plus) e no Banco Topázio. Outra empresa que negociava com criptoativos, a Revo Capital Investimentos Ltda recebeu da APS R$ 254.915.248,25 por meio de 509 transações, entre os dias 03 janeiro de 2022 a 30 de dezembro de 2022.

Delator

Entre os destinatários dos recursos da APS também estaria a OWS Brasil participações, empresa que tem como sócio majoritário, com 99,9% do capital social, a empresa One World Services LLC, com sede em Miami, Estados Unidos, que atua no ramo de intermediação de negócios e corretagem de criptoativos. A OWS estava no centro das investigações sobre evasão de divisas e lavagem de dinheiro do crime organizado e do terrorismo investigados pela Operação Colossus. Só ela teria movimentado R$ 13 bilhões no esquema de fraudes cambiais.

A lista da PF sobre o destino do dinheiro que passou pela APS traz ainda a Mozzatto Consultoria e Intermediação Ltda, que recebeu da APS R$ 4.044.809,51 por meio de 9 transações, entre os dias 26 de janeiro de 2022 e 02 junho de 2022 A Mozzatto tinha como sócio proprietário, com 99,99% do capital social, a empresa Flix PaymentsLTD, uma holding sediada nas Ilhas Virgens Britânicas (BVI), um conhecido paraíso fiscal, e Thiago Favoretto Mozzatto.

Trecho da decisão judicial sobre a Cash Back no qual o magistrado analisa a propriedade da empresa
Trecho da decisão judicial sobre a Cash Back no qual o magistrado analisa a propriedade da empresa

Mozzatto foi diretor financeiro do 2 Go Bank, fintech denunciada pelo empresário Antonio Vinicius Gritzbach, o delator do PCC, de ser uma instrumento de lavagem de dinheiro da facção. Gritzbach foi fuzilado no aeroporto de Guarulhos há um ano a mando da facção. A empresa de Mozzatto era o principal destino dos recursos de outras empresa: a Cash Back Turismo, que tinha como proprietário Lucas de Souza Teixeira, um homem que mora em um barraco na Favela Heliópolis, uma das maiores de São Paulo, na zona sul da cidade.

Em dois anos, “a empresa de Teixeira” movimentou R$ 10 bilhões, recursos que pertenceriam, segundo as investigações a personagens como Francisley Valdevino da Silva, o Sheik dos Bitcoins. Ele foi investigado pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das Pirâmides Financeiras e pela PF sob a acusação de estar por trás fraudes de R$ 4 bilhões. OU seja, a

O relatório de abril de 2025 feito pela PF conclui que “essas movimentações sugerem que a APS Soluções estaria facilitando o trânsito de valores para operadores finais envolvidos na conversão para criptoativos com fins de operações internacionais e reinserção de valores provenientes de atividades ilegais”. E faz uma advertência: muito mais pode ser ainda descoberto na sequências das investigações:

“A presente análise teve como base os dados obtidos a partir da quebra de sigilo bancário da empresa APS Soluções Digitais, referente ao período de 01 janeiro de 2022 a 31 de dezembro de 2022. Entretanto, até a data de conclusão desta análise, em 16 de abril de 2025, o processamento integral das informações no sistema SIMBA ainda não havia sido finalizado.” A conclusão é uma só, segundo a PF: conforme o crime organizado cresceu, seu dinheiro passou a circular pelos mesmos caminhos que lavam os recursos da sonegação e da corrupção.

A reportagem não conseguiu contrato com a defesa da APS Soluções, da OWS, de Mozzatto e da Revo capital. foi preso preventivamente na Coffee Break, na quarta-feira, 12. Sua defesa também não foi localizada – o espaço segue aberto. O advogado Roberto Bertholdo, que representa Kalil, disse que ele está à disposição para colaborar com as investigações, “na certeza de que comprovará a improcedência de quaisquer acusações”.

 

 

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