PL Antifacção: As novas ações na Câmara que podem afetar a Carbono Oculto e blindar a Refit e o PCC
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Dez dias após apresentar a primeira versão do projeto sobre o crime organizado, o deputado Guilherme Derrite ainda é obrigado a dar explicações. Por que sua versão do projeto de lei antifacção é mais branda do que o original quando trata de sufocar o patrimônio dos criminosos? Por que rejeitou o perdimento extraordinário dos bens, conforme previsto no projeto do governo? Por que exige que isso só ocorra após anos, com o trânsito em julgado de ações? Por que, depois de tentar limitar o poder da PF, querer enfraquecer a Receita Federal?
Essas alterações, segundo o promotor Lincoln Gakiya, só interessam ao crime organizado. Promotores, empresários e auditores fiscais querem saber quem ajudou Derrite a fazer seus textos. Outros se perguntam se a rapidez com que se pretendia aprovar o projeto não escondia justamente desejos inconfessáveis do Centrão? Por que, depois de quatro modificações, todas esses entraves ao combate ao crime permanecem em seu projeto? Afinal, qual o objetivo disso? O deputado continua a dizer que está aberto a sugestões e a novas mudanças no texto final.

Seus críticos apontam o dedo para os artigos 11 e 12. Os dois dificultam a perda de bens do crime organizado e retirariam da Receita a capacidade de aprender mercadorias e de declarar o perdimento de contrabandos, até mesmo inviabilizando um dos principais mecanismos usados pelos investigadores contra fraudes tributárias supostamente praticadas pela Refit ou pela máfia dos combustíveis, vinculada ao Primeiro Comando da Capital (PCC).
Os delegados, promotores e auditores fiscais consultados explicam que, no artigo 11, Derrite diz que a alienação de bens do crime organizado só pode ser feita após o trânsito em julgado de decisão judicial. O artigo 12 institui uma ação civil para que isso ocorra, cuja tramitação seria muito mais lenta do que as ações criminais. O projeto do governo fazia exatamente o contrário: apressava a perda dos bens, invertendo o ônus da prova e permitindo a venda deles de forma célere. Era o perdimento extraordinário de bens (artigo 144-B). É o que disse Gakiya.
Imagine-se o custo de armazenar bens de bandidos durante anos e até décadas. Pior. Quando um carro for leiloado, seu preço será muito menor, com prejuízo ao Estado. Certamente, não é bandido pé-de-chinelo e favelado que se vai proteger… Atualmente, a Receita, na sua área aduaneira, tem a prerrogativa de retenção de mercadorias, o que ocorre em procedimento de fiscalização. O trabalho iniciado com a retenção pode concluir que a mercadoria é contrafeita. A legislação atual permite à Receita, nesse caso, decretar o perdimento do bem.
O projeto de Derrite não prevê isso. Bandidos do CV e do PCC estão ligados ao contrabando de cigarros. Não teriam mais seus bens confiscados. E destruídos. Isso só aconteceria após o trânsito em julgado. Há ainda casos nos quais a acusação da fiscalização é de descaminho (mercadoria original, mas que não pagou corretamente os tributos), ou ainda de interposição fraudulenta na importação (quando a empresa importadora é de fachada e serve para ocultar o real importador). Esse seria o caso das joias das Arábias de Jair Bolsonaro, apreendidas pela Receita porque não foram declaradas por quem as trazia ao Brasil.

Mas, seja qual for a hipótese da fiscalização dentro do auto de infração, inicia-se o contencioso administrativo, ou seja, ocorre um processo administrativo, com ampla defesa, para que o importador possa comprovar que a importação não tem irregularidades. Esse processo passa por duas instâncias de decisão: a fiscalização e o Centro de Julgamento (CEJUL).
Só depois desse procedimento – e ainda só depois da ação civil criada pelo artigo 12 da proposta de Derrite – é que o deputado quer permitir que a União possa destinar a mercadoria para leilão. Eis por que, segundo auditores fiscais, promotores, delegados e empresários ligados ao Instituto do Combustível Legal (ICL), que combateu por anos a infiltração do PCC no setor, essa proposta favorece o crime e os criminosos.
Com as prerrogativas atuais, por exemplo, a Receita Federal conseguiu, por meio da Operação Cadeia de Carbono, reter combustível importado ilegalmente e, sendo um bem fungível, definir um depositário que “guarde” a mercadoria. Se a União ganhar, tudo vai à leilão e, quem ganhar leva a mercadoria: o depositário entrega a quem vence ou também pode adquirir no leilão, se der o maior lance. Isso vale hoje para qualquer organização criminosa, não só para as violentas. A Receita, no entanto, não é citada no texto de Derrite como órgão que possa executar essa ação.
Atualmente, com as prerrogativas de administração tributária e aduaneira, a Receita pode atuar para sufocar financeiramente “do porto ao posto”. Uma mudança legal na capacidade de retenção de mercadoria pode retirar dela a capacidade legal de o Estado de atuar no porto, quando a retenção se dá por interposição fraudulenta de empresas de fachada para esconder de onde vem o dinheiro que pagou pelo combustível descarregado, por exemplo, como seria o caso envolvendo a Refit na Operação Cadeia de Carbono.

Em nota, o Instituto Combustível Legal destacou a importância de a “nova legislação não retroceder em avanços já conquistados, como o perdimento administrativo atualmente utilizado pela Receita Federal em casos de contrabando, descaminho ou sonegação”. Para os empresários que lutaram contra a presença do PCC no setor de combustíveis, “a sugestão de condicionar a ação administrativa ao trânsito em julgado de uma decisão judicial, que pode chegar a décadas, significa abrir mão da estratégia de asfixia financeira do crime organizado”.
Para eles, essa mudança “inviabilizaria operações e ações estruturantes nas quais a pena de perdimento aplicada pela Receita Federal é essencial para interromper ciclos de lavagem de dinheiro, evasão de divisas e sonegação bilionária”. Trata-se de um negócio bilionário. Só as fraudes no setor de combustível com a participação do PCC movimentariam R$ 62 bilhões por ano, quatro vezes mais do que o tráfico de drogas e alimentariam as gavetas de políticos corruptos, independentemente de partido ou orientação política.
“Hoje em dia, mais do que nunca, a ação da Receita Federal é um importante pilar na estrutura de segurança pública nacional”, informou a direção do Instituto. “A recente e exitosa Operação Cadeia de Carbono, que apreendeu navios com carga irregular avaliada em R$ 240 milhões, só foi possível porque a legislação atual permite o perdimento administrativo imediato.”
Durante a operação, a Receita constatou que havia navio trazendo combustível pronto para a refinaria como se ele precisasse ser refinado, pois o produto já refinado paga imposto maior. Outros navios “passeavam” por Maceió, onde se fazia o desembaraço, porque lá o ICMS é menor, e só descarregavam no Rio de Janeiro ou em São Paulo. Para os fiscais, a alteração intentada por Derrite vai impedir que o Estado possa lidar com organizações criminosas.

Ou seja, do jeito que está, o projeto do deputado protegeria a Refit, do empresário Ricardo Magro e até os negócios de Mohamad Hussein Mourad, o Primo, e de Roberto Augusto Leme da Silva, o Beto Loco. Os dois últimos estão foragidos desde 28 de agosto, quando tiveram a prisão decretada na Carbono Oculto.
Derrite diz que sua intenção é endurecer as penas. Parece, no entanto, que a pressa em roubar a pauta da segurança do governo federal se transformou em uma enrascada. Nenhuma crítica veio em razão do endurecimento das condenações, como talvez, o deputado esperasse. E até poderiam ser feitas, em razão da desproporcionalidade delas, punindo pés-de-chinelo com o mesmo rigor que líderes de facções, como apontou Gakiya, dispersando recursos e esforços, em vez de concentrar o combate a quem realmente importa.
O projeto, que parecia endurecer com bandidos, igualando-os a terroristas, caminhava para fazer exatamente o contrário, pois ia impedir a PF de combater as facções e abriria a possibilidade de tornar nulas centenas de ações contra o crime organizado, em razão do conflito de competência que criaria na justiça. Toda vez que a ideologia é colocada acima da razão, há um desastre. Derrite recuou. É o que empresários, promotores e auditores fiscais esperam que ele faça também em relação à Receita Federal.
O ataque contra as regras do BC para as criptomoedas
Na mesma terça-feira em que o deputado buscava aprovar a toque de caixa seu projeto, outro parlamentar apresentou um projeto de decreto legislativo para cancelar as três resoluções do Banco Central que disciplinaram o mercado de criptoativos no País, obrigando os operadores a obedecer às mesmas regras de prevenção à lavagem de dinheiro sujo e de análise de riscos previstas para as operações de câmbio feitas pelos bancos.

As resoluções 519, 520 e 521 do BC foram publicadas no dia 10 de novembro. Bastou um dia para que o deputado Rodrigo Valadares (União-SE) apresentasse seu projeto para sustá-las. As três resoluções foram o resultado de consultas feitas aos bancos, aos operadores e até mesmo aos órgãos de fiscalização e controle. Entre as pessoas ouvidas neste processo está o delegado Guilherme Alves Siqueira, chefe da Divisão de Repressão a Crimes Financeiros da PF.
Guilherme foi o responsável pela Operação Tai Pan, que surpreendeu um dos maiores esquemas montados no País de evasão de divisas por meio de operações com criptoativos, que teria movimentado R$ 119 bilhões, e teria entre seus operadores o capitão da PM de São Paulo Diogo Costa Cangerana, que trabalhou na segurança do governadores Rodrigo Garcia e Tarcísio de Freitas. Foi ainda responsável pela Operação Coffee Break, que surpreendeu a ex-nora de Lula em um suposto esquema de tráfico de interesses para o desvio de verbas da Educação.
Na rapidez de seus argumentos, o deputado Valadares alega que o BC estaria prejudicando o setor no Brasil, que seria obrigado a seguir regras que supostamente não existem no exterior ou ainda “criando tributos disfarçados por via infralegal”. É a mesma ladainha que levou no passado a Receita a ser obrigada a recuar da regulamentação das fintechs, o que levou à bancarização do crime organizado, conforme revelado na Operação Carbono Oculto.
É preciso lembrar que na Tai Pan e na Operação Colossus (R$ 61 bilhões lavados pela fraude cambial com criptomoedas) o dinheiro de sonegadores e de corruptos estava misturado ao do PCC e até do Hezbollah? Será que o deputado desconhece isso? O fato é que a tentativa de se manter a baderna nos criptomoedas, as idas e vindas de Derrite e até a ideia do impeachment de um diretor do Banco Central são ideias que surgiram após a Operação Carbono Oculto.

A Carbono Oculto apreendeu dezenas de terabytes de informações sobre a lavagem de dinheiro na Faria Lima, atingindo empresários próximos a dirigentes partidários. Seria coincidência tudo isso ocorrer justamente quando surgem informações sobre uma possível delação de dois personagens importantes envolvidos na Carbono Oculto? Não se sabe. Resta ao eleitor torcer para que o Senado mais uma vez enterre qualquer nova lambança da Câmara dos Deputados.
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