20 de novembro de 2025
Politica

PF mostra ‘dolce vita’ de empresário ligado à ex-nora de Lula: apartamentos de luxo, vinhos, carrões

O empresário André Gonçalves Mariano, apontado como líder de organização criminosa que desviava recursos da Educação, vivia uma rotina regada a vinhos finos, carros esportivos e imóveis de alto padrão – bens adquiridos com dinheiro supostamente desviado de licitações fraudadas para compra de materiais didáticos por prefeituras paulistas.

A ‘dolce vita’ de Mariano é detalhada pela Polícia Federal no extenso relatório da Operação Coffee Break, investigação que atinge a ex-nora do presidente Lula da Silva (PT), Carla Ariane Trindade, e Kalil Bitar, ex-sócio de Fábio Luís Lula da Silva, o Lulinha.

André Mariano (esq.) e Kalil Bittar (dir) usavam lobistas para intermediar contatos com o poder público
André Mariano (esq.) e Kalil Bittar (dir) usavam lobistas para intermediar contatos com o poder público

Segundo a PF, Mariano coordenava o pagamento de propinas vultosas a lobistas e servidores públicos em troca de acesso privilegiado a órgãos públicos em Brasília. O empresário, sócio da Life Tecnologia Educacional – companhia apontada pela PF como centro do esquema – foi preso preventivamente na última quarta-feira, 12, por ordem da Justiça Federal.

A defesa de Mariano informou que estuda a documentação produzida pelos investigadores e deve se manifestar nos próximos dias. O espaço está aberto.

Kalil Bitar, ex-sócio de Lulinha, e Carla Ariane Trindade, que foi casada com o enteado do presidente, Marcos Cláudio Lula da Silva, são citados na investigação como aliados do empresário.

Procurada pelo Estadão, a defesa de Carla informou que pediu acesso aos autos e “somente irá se manifestar após o conhecimento integral da investigação”. Kalil não respondeu contato da reportagem.

Puxadinho atrás do Jockey

Desde que entrou na mira dos federais, Mariano adquiriu quatro imóveis de alto padrão: um em Maringá (PR), avaliado em R$ 1,1 milhão; dois em Piracicaba (SP), somados em R$ 4,7 milhões; e um na capital paulista, no valor de R$ 10,7 milhões, no Jardim Everest, paralelo ao Jockey Club, área nobre da cidade.

A investigação frisa que, para além das aquisições imobiliárias, o empresário investiu pesado nas reformas dos apartamentos, com decorações luxuosas e finos projetos arquitetônicos.

No imóvel de Maringá (PR), onde residiria o filho de Mariano e a ex-mulher do empresário, a PF colheu indícios de que ele gastou mais de R$ 1,5 milhão com mobílias e eletrodomésticos de última geração.

Mariano teria desembolsado R$ 1,5 milhão na reforma do apartamento de Maringá (PR), diz PF
Mariano teria desembolsado R$ 1,5 milhão na reforma do apartamento de Maringá (PR), diz PF

Uma planilha apreendida pelos federais destrincham os custos da reforma em Maringá: R$ 370 mil com móveis planejados, R$ 118 mil com dispositivos residenciais e mais R$ 310 mil em cortinas e outros utensílios.

Empresário investiu pesado nas reformas dos apartamentos, aponta investigação
Empresário investiu pesado nas reformas dos apartamentos, aponta investigação

Quanto ao imóvel que serviria de residência para Mariano, localizado em um dos melhores bairros de Piracicaba, interior paulista, o empresário teria adquirido o apartamento por R$ 4,2 milhões, adicionando benfeitorias na ordem de R$ 3 milhões. “Dessa forma, o valor real do apartamento seria próximo de R$ 7,5 milhões”, avalia a PF.

A reforma de Piracicaba incluiu tapetes de alto padrão, mármores em abundância, televisores de grande porte e até uma adega particular climatizada, segundo a PF.

Fachada do condomínio em Piracicaba (SP), onde Mariano mantinha residência fixa
Fachada do condomínio em Piracicaba (SP), onde Mariano mantinha residência fixa

As diligências da Operação Coffee Break são conduzidas pelo delegado federal Guilherme Alves de Siqueira.

Interior da residência de Mariano em Piracicaba (SP), segundo a PF
Interior da residência de Mariano em Piracicaba (SP), segundo a PF

Outros documentos obtidos pela investigação apontam que, em janeiro de 2025, Mariano adquiriu um imóvel na planta, localizado na Avenida Lineu de Paula Machado com Rua São Cassiano, no bairro Butantã, em São Paulo.

Cristais

Construído às margens do Jockey Club e próximo ao Shopping Cidade Jardim, “trata-se de empreendimento de alto luxo, o qual teria sido adquirido pelo montante de R$10.693.070,00”, assinala o relatório.

Antes de ser preso preventivamente na última quarta-feira, 12, Mariano teria repassado ao menos R$6.584.661,77 na compra do apartamento, segundo boletos localizados nos dados telemáticos do empresário.

Propaganda do empreendimento de alto padrão adquirido por Mariano no Butantã
Propaganda do empreendimento de alto padrão adquirido por Mariano no Butantã

A PF ainda encontrou orçamentos para a instalação de um lustre de cristais avaliado em R$ 165 mil para decorar o empreendimento de luxo. O apartamento, contudo, foi bloqueado pela juíza federal Raquel Coelho Dal Rio Silveira, da 1.ª Vara Federal de Campinas.

Lustre de cristais avaliado em R$ 165 mil foi orçado pelo empresário em 2024, pontua PF
Lustre de cristais avaliado em R$ 165 mil foi orçado pelo empresário em 2024, pontua PF

BMW, Lamborghini e Mercedes

A aquisição de carros de luxo e blindagens veiculares por André Mariano ultrapassou R$ 3 milhões nos últimos anos, segundo rastreamento da PF.

A Life Tecnologia Educacional ainda mantinha pelo menos cinco veículos, entre eles uma BMW X4 XDrive 30i, avaliada em R$ 412 mil, uma BMW X3 XDrive 30e, que custa R$ 397 mil, e uma Porsche 911 Carrera S de R$ 1 milhão.

Em abril de 2025, Mariano ampliou sua frota a partir da compra de uma Mercedes AMG GT 63 S por R$ 1,7 milhão.

Kalil Bittar, ex-sócio de Lulinha, teria recebido pagamentos diretos e “mesada” de André Mariano, além do modelo de luxo BMW 540i, ‘doado’ pelo empresário. Kalil foi alvo de busca e apreensão em Brasília na última quarta.

A PF apurou que, durante viagem aos Estados Unidos, em março de 2024, Mariano ainda teria alugado uma Lamborghini Huracan, avaliada em R$ 3,2 milhões.

O empresário enviou uma foto do carro para o ex-secretário municipal de Educação de Sumaré (SP), José Aparecido Marin – apontado como ‘homem forte’ de Mariano na cidade, responsável por direcionar licitações e liberar pagamentos em troca de propina.

“Caramba que maravilha”, respondeu Marin sobre o carro.

“Onde você está?”, quis saber Marin.

“Miami kkkk”, respondeu Mariano.

Lamborghini alugada por Mariano durante viagem a Miami despertou elogios de ex-secretário de Sumaré (SP)
Lamborghini alugada por Mariano durante viagem a Miami despertou elogios de ex-secretário de Sumaré (SP)

Presentinho

Entre uma reunião e outra para discutir repasses ilegais e captação de novas prefeituras, Mariano degustava vinhos de R$ 3 mil, com os quais também tinha o hábito de presentear generosamente ‘parceiros de negócios’ com os rótulos.

Em um diálogo relevante para a investigação, travado em outubro de 2023 entre Mariano e o secretário de Educação de Hortolândia (SP), Fernando Moraes – preso preventivamente na quarta – o empresário enviou uma foto do vinho argentino ‘Catena Zapata Estiba’, safra de 2017, avaliado em R$ 2.889,00, que seria entregue ao secretário.

Vinho argentino de R$ 2.889 foi enviado como presente ao secretário de Educação de Hortolândia (SP)
Vinho argentino de R$ 2.889 foi enviado como presente ao secretário de Educação de Hortolândia (SP)

“Bom dia, meu caro! Valeu, obrigado, viu! Obrigado mesmo, fico grato aí pela lembrança”, respondeu o secretário no dia seguinte ao envio da foto por Mariano.

Dias depois, Fernando e Mariano viajaram a Brasília com passagens pagas pelo empresário. Eles tinham horário marcado na sede do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação para reuniões com autoridades no dia 19 de dezembro de 2023, incluindo a presidente do órgão, Fernanda Pacobahyba.

Em nota, o Fundo destacou que “todas as agendas realizadas pela presidência do FNDE são públicas e estão disponíveis para consulta no site do e-agendas”.

“Não houve qualquer desdobramento administrativo decorrente da agenda apontada no questionamento”, informou o FNDE.

Mariano na sede do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação, onde se reuniu com a presidente do órgão
Mariano na sede do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação, onde se reuniu com a presidente do órgão

Em mais um negócio regado a vinho, dessa vez no final de abril, Mariano disse a Kalil Bittar que viajaria para Portugal e pretendia encontrá-lo. O secretário municipal de Educação de Hortolândia (SP) também foi convidado, mas alegou que não conseguiria por problemas de agenda.‘Vinhos e papo bacana’

“Boa tarde, grande Kalil, meu amigo, tudo bem? Estou chegando aqui em Viracopos, daqui um pouco estou embarcando para Lisboa. Missão principal, brother. Dá um abraço em você e eu ver como você está e tentar corresponder com aquilo que você precisa, tá? Você sabe que você pode contar sempre com seu amigo aqui. E claro, numa sequência natural, tomamos nosso vinho e bacalhau e batemos algum tipo de papo aí bacana, de interesse nosso”, enviou Mariano pouco antes de embarcar.

“Kalil, cheguei agora no hotel, faz uns 15 minutos, 15, 20 minutos. Só estou tirando as coisas aqui, vou pegar um vinho na recepção e já vou aí”, afirmou o empresário já na capital portuguesa, enviando uma foto de ‘Pêra-Manca’, safra de 2021, avaliada em R$ 1.524.

Foto da garrafa Pêra-Manca, safra de 2021 e avaliada em R$ 1.524, enviada por Mariano a Kalil Bitar
Foto da garrafa Pêra-Manca, safra de 2021 e avaliada em R$ 1.524, enviada por Mariano a Kalil Bitar

Ainda nos primeiros dias de 2025, Mariano gastou R$ 115.280,30 com 22 garrafas de vinho na loja Altruísta Osteria, incluindo rótulos franceses e italianos de R$ 2.990,00.

A investigação aponta que a fixação de Mariano por vinho era tamanha que ele passou a usar a palavra “garrafas” como código para repasses em espécie.

Em conversas com o suposto operador financeiro do esquema, Mercilio Yamassita – responsável por converter transferências bancárias em dinheiro vivo para o empresário – Mariano faz um pedido de 1.500 garrafas de um vinho especial.

A Polícia Federal afirma que o pedido equivaleria a um repasse de R$ 1,5 milhão em dinheiro vivo, o que indica que cada garrafa usada no código representaria cerca de mil reais.

“Ô meu irmão quanto a isso é tranquilo de te mandar ae. Ae você tem que entrar só na nossa linha lá do vinho, botar a nossa credencial lá, eu organizo, a gente manda antes. Ae você paga os boletos dos vinhos da confraria, ae eu combino. A gente manda 500 garrafas, mais 500 e mais 500”, orientou Mercilio, que foi alvo de busca e apreensão pela PF.

A investigação crava que “o modus operandi permanece o mesmo durante todo o período analisado, sendo as entradas concentradas em órgãos públicos com saídas de capital para imóveis, carros e gastos aparentemente pessoais do sócio André Gonçalves Mariano”.

Ao decretar a prisão de Mariano, a Justiça considerou que, em liberdade, o empresário poderia dar continuidade ao esquema. Também apontou o risco de destruição de provas e obstrução do inquérito.

“A engenhosa atividade criminosa, que já opera há anos, aliada às influências econômicas e políticas dos investigados não deixa dúvidas do risco evidenciado para a ordem pública, econômica e social, além de haver necessidade de se preservar a instrução processual e a aplicação da lei penal”, anotou a juíza Raquel Coelho Dal Rio Silveira, da 1.ª Vara Federal de Campinas.

COM A PALAVRA, OS CITADOS

A reportagem do Estadão busca contato com as defesas de outros citados na investigação. O espaço está aberto para manifestação (rayssa.motta@estadao.com; fausto.macedo@estadao.com; felipe.paula@estadao.com)

 

 

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