22 de novembro de 2025
Politica

Transição energética: o Brasil não pode esperar o mundo decidir por ele

O Brasil está diante de uma encruzilhada histórica. De um lado, sustenta o discurso da sustentabilidade e da liderança ambiental, amparado na credibilidade conquistada desde o Acordo de Paris. De outro, amplia licenças e incentivos para a exploração de petróleo na Margem Equatorial — às portas da Amazônia, o bioma mais sensível do planeta.

Entre o que se proclama e o que se pratica, abre-se um vácuo: a ausência de um Plano Nacional de Transição Energética, capaz de orientar o país para o século XXI. A exploração de novos blocos petrolíferos é apresentada como solução para o desenvolvimento regional e para a segurança energética. É um argumento sedutor — especialmente em tempos de instabilidade econômica.

Mas o século XXI não comporta mais a expansão da fronteira fóssil como estratégia conservadora de crescimento. O que se impõe é a reconversão estrutural da matriz energética, não como idealismo ambiental, mas como imperativo jurídico, econômico e civilizatório.

A Constituição de 1988 consagrou o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e impôs ao Estado o dever de preservar os processos ecológicos essenciais. O Acordo de Paris reforçou esse compromisso em escala global. Não é uma escolha política — é uma obrigação constitucional e internacional.

Sem um plano nacional claro e coordenado, o país avança de forma errática. Cada órgão decide de maneira isolada; a transição, quando ocorre, é fruto da inércia de mercado, não de uma estratégia pública. Narrativas de curto prazo — como “precisamos explorar petróleo para financiar a transição” — servem apenas para adiar o inevitável. É o risco da “adição energética”: somamos fontes limpas sem retirar as sujas, perpetuando a dependência dos fósseis e agravando as consequências da mudança do clima. Nesse sentido, preconiza a auditoria operacional do TCU sobre a governança da política nacional de transição energética (ver Acórdão 2470/2024 – Pleno).

A Margem Equatorial tornou-se o símbolo dessa contradição. Enquanto o mundo discute o fim dos subsídios aos combustíveis fósseis, o Brasil cogita abrir uma nova fronteira exploratória próxima à foz do Amazonas — região de ecossistemas frágeis e comunidades tradicionais. O argumento do “potencial econômico” não pode eclipsar o princípio da precaução nem o direito à consulta prévia, assegurado pela Convenção 169 da OIT. Desenvolvimento que ignora o direito ambiental é subdesenvolvimento disfarçado de progresso.

A ausência de planejamento estratégico é tão grave que levou o Ministério Público Federal a ajuizar ação civil pública contra o avanço da exploração de petróleo e gás na Margem Equatorial. O motivo? As autorizações e licenças começaram a ser concedidas sem a realização de Avaliação Ambiental Estratégica (AAAS) da bacia sedimentar, sem consulta prévia, livre e informada às comunidades tradicionais — como determina a Convenção 169 da OIT — e sem estudo prévio de impacto climático e dos riscos associados no processo de licenciamento ambiental. Trata-se de uma violação direta aos princípios da precaução, da transparência e da justiça socioambiental. Quando o Estado ignora esses requisitos, não apenas compromete a legalidade do processo, mas também coloca em risco ecossistemas frágeis e populações vulneráveis.

Um dos argumentos mais recorrentes para justificar a expansão da produção de petróleo no Brasil é o de que o país responde por apenas 1% das emissões globais de gases de efeito estufa. Mas essa estatística, embora verdadeira, é enganosa quando usada para legitimar a inação. A responsabilidade climática não se mede apenas pela participação percentual nas emissões globais, mas pela coerência entre os compromissos assumidos e as políticas implementadas. O Brasil é a oitava maior economia do mundo, possui uma das matrizes energéticas mais limpas do planeta e detém a maior floresta tropical do globo. Isso lhe confere não apenas responsabilidades diferenciadas, mas também oportunidades únicas de liderar a transição energética. Além disso, o país está entre os mais vulneráveis aos impactos da mudança do clima — como eventos extremos, elevação do nível do mar, alterações no regime de chuvas e perda de biodiversidade — que decorrem das emissões totais, independentemente de sua origem. Usar a baixa participação relativa nas emissões como desculpa para ampliar a exploração fóssil é abdicar dessa liderança e ignorar os riscos que recaem diretamente sobre o território e a população brasileira.

Também é comum o argumento de que a exploração de petróleo e gás traria crescimento econômico para estados e municípios da Margem Equatorial. Mas essa promessa precisa ser confrontada com a realidade. A experiência brasileira e internacional mostra que a chamada “maldição dos recursos naturais” é um risco concreto: regiões que recebem grandes investimentos em atividades extrativas muitas vezes enfrentam aumento da desigualdade, dependência fiscal volátil, degradação ambiental e conflitos sociais. Sem planejamento territorial, mecanismos de redistribuição e garantias de proteção socioambiental, o crescimento prometido pode se transformar em vulnerabilidade estrutural. O desenvolvimento local não pode ser construído sobre a erosão dos direitos ambientais e da segurança climática — e muito menos sobre a exclusão das comunidades que vivem e protegem esses territórios.

Alguns sustentam que, diante das incertezas geopolíticas e da falta de consenso internacional, seria prudente esperar. Mas essa é uma falsa prudência. A incerteza não é motivo para adiar o plano — é razão para tê-lo. Um verdadeiro Plano Nacional de Transição Energética deve incluir análise de riscos, cenários e tendências. Planejar não é prever o futuro: é preparar o país para enfrentá-lo com racionalidade, transparência e soberania.

A transição não pode ser política de governo, mas projeto de Estado — com metas claras, instrumentos de financiamento verde e mecanismos de justiça social. Ela precisa gerar oportunidades, emprego e inclusão, especialmente nas regiões que hoje dependem de atividades intensivas em carbono. A transição energética será justa — ou não será sustentável.

Não há contradição entre prosperidade e sustentabilidade. Há, sim, uma escolha política sobre que tipo de prosperidade queremos construir. Continuar investindo na expansão do petróleo sem avaliar seriamente o fomento às energias limpas é apostar no passado. Planejar a transição é apostar no futuro — um futuro em que o Brasil possa liderar pela coerência entre o que proclama e o que realiza.

Belém vive a COP30 em 2025. No pós-evento, o país tem a oportunidade de confirmar que é capaz de conciliar desenvolvimento, justiça climática e responsabilidade ambiental. Mas isso exigirá mais do que discursos e coerência: exigirá planejamento, transparência e coragem política.

O futuro energético do Brasil não pode ser decidido nos gabinetes da indústria fóssil. Enquanto o país não tiver um Plano Nacional de Transição Energética, continuará oscilando entre a retórica da sustentabilidade e a prática da dependência fóssil.

E quem hesita diante da história, cedo ou tarde, é superado por ela.

 

 

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