23 de novembro de 2025
Politica

Comissário da OEA: Criticar Israel não é antissemitismo, e Brasil pode ser exemplo ante intolerância

O advogado Fernando Lottenberg foi reconduzido para mais dois anos no cargo de conselheiro da Organização dos Estados Americanos (OEA) para Monitoramento e Combate ao Antissemitismo. Em entrevista à Coluna do Estadão, ele ressaltou o crescimento da intolerância contra judeus, inclusive no Brasil, mas disse que pretende abrir um canal de diálogo com o governo Lula sobre o tema. Na avaliação dele, o País pode ser um exemplo contra o extremismo.

Ex-presidente da Confederação Israelita do Brasil (Conib), ele destacou que criticar o governo de Israel não é antissemitismo, mas que muitos usam medidas polêmicas do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu como desculpa para destilar ódio contra judeus de forma geral.

“São pessoas que têm a intenção de discriminar, de atacar e de ofender, que usam isso como pretexto para as suas ações. Então, a partir do momento em que não haja mais esse governo, em uma eleição ele seja substituído, ou que o conflito de fato seja reduzido ou não aconteça mais, esse pretexto não existirá mais”, declarou.

O conselheiro da OEA disse acreditar que conseguirá encontrar interlocutores no governo para dialogar sobre a saída do Brasil da Aliança Internacional para a Memória do Holocausto (IHRA), que ele considerou um equívoco. “A questão ficou muito presa na definição de antissemitismo da IHRA e não da própria organização. Então, eu espero também trabalhar com o governo brasileiro para que essa decisão possa ser revista e se leve às discordâncias na mesa de debate e não se retire da organização.

Lottenberg demonstrou preocupação também com episódios em universidades brasileiras como o rompimento da Unicamp com o Instituto de Tecnologia de Israel, no fim de setembro. A instituição educacional citou como justificativa para essa decisão o que chamou de “genocídio da população palestina”.

Veja os principais trechos da entrevista:

Motivos para o crescimento do antissemitismo no mundo

“Eu acho que tem uma nova fase que não dá para descolar do cenário geopolítico maior. As coisas não acontecem num vácuo e eu acho que essa onda de crescimento do antissemitismo está conectada com os acontecimentos no Oriente Médio. Os antissemitas se aproveitam dos conflitos no Oriente Médio para destilar o seu ódio e atacar judeus que vivem fora de Israel, responsabilizando-os pelo que acontece ali, por decisões de governos de turno de Israel. Por que isso está errado? Porque judeus que não moram em Israel não têm capacidade de influir nas decisões que são tomadas.”

“Se esse cessar-fogo de fato vingar e permanecer, e o conflito não retomar, e parece que tem alguma possibilidade disso acontecer, acho que é uma oportunidade boa para trabalhar essas questões, para explicar, para aumentar o conhecimento.”

Metas para segundo mandato como comissário da OEA

“Um dos eixos é estimular os países da região a terem legislação, como o Brasil tem, que proteja as pessoas judias da discriminação antissemita.”

“Acho que a saída do Brasil da IHRA, que é a Aliança Internacional para a Memória do Holocausto, foi uma decisão equivocada. Eu falei na época. Acho que a IHRA é uma organização que se dedica aos estudos sobre o Holocausto, evitando a sua negação, a sua trivialização, não só em relação aos judeus, também outros grupos.”

“A questão ficou muito presa na definição de antissemitismo da IHRA e não da própria organização. Então, eu espero também trabalhar com o governo brasileiro para que essa decisão possa ser revista e se leve às discordâncias na mesa de debate e não se retire da organização.”

“No plano da sociedade, a gente tem visto em algumas universidades atitudes que preocupam. Então, acho que tem um campo bastante amplo para se trabalhar e espero contar com a colaboração de vários setores da sociedade civil para que a gente possa voltar a ter uma situação mais estável.”

Impacto da retirada do Brasil da Aliança Internacional para a Memória do Holocausto

“Eu acho que manda um sinal negativo, porque é como se o Brasil não se dispusesse a participar dos esforços de combate ao antissemitismo. A IHRA, claro, não é o único caminho. Então, por exemplo, um dos eixos também da nossa atuação será procurar os países da região que ainda não têm, que elaborem estratégias nacionais de combate ao antissemitismo. Isso é razoavelmente comum em outros países europeus, o Canadá tem a sua, os Estados Unidos têm a sua.”

Como resolver os problemas com antissemitismo nas universidades

“As universidades têm a sua autonomia. Então, por exemplo, criando códigos de ética e conduta, que possam avaliar essas questões quando elas ocorrem. Eu estive na São Francisco, na palestra, e o diretor da faculdade estava lá e teve uma postura muito firme no sentido de dizer que o debate pode ocorrer, que as pessoas podem ter visões diversas, mas você não pode impedir uma pessoa de falar.”

Ambiente brasileiro para enfrentamento ao antissemitismo

“Eu acho que o Brasil tem todas as condições de ser um exemplo nessa área. Pela nossa própria formação, um país formado por imigração, por ondas de imigrantes que vieram de países, seja por questões econômicas, seja por questões de perseguição, e aqui encontraram um ambiente muito propício, muito fértil para a sua integração, para o seu crescimento, para o seu desenvolvimento. Então, não é da nossa história não discriminar pessoas por sua origem.”

“Segundo, temos legislação robusta para combater a discriminação, seja em relação a mulheres, a negros, a LGBT, existe uma lei, com várias modificações, que tem sido aplicada de forma efetiva.”

“Em terceiro, não temos aqui algumas questões que são muito presentes em países do Hemisfério Norte, como na França, na Inglaterra, às vezes, até mesmo nos Estados Unidos, de você ter um componente racista instalado em determinados grupos da população. Isso não é uma realidade entre nós.”

O que está acontecendo com o ambiente acadêmico

“Tem várias questões. Eu acho que uma delas é a cultura do cancelamento, de você não se dispor a ouvir a outra parte com a qual você não concorda. E existe também uma onda, um movimento, que também vem principalmente das universidades americanas, que coloca Israel e as comunidades judaicas como parte de uma bolha, um círculo, que eles chamam de colonialista. Existe o tal do pensamento decolonial.”

“Não tem nada de colonial no movimento sionista. Ao contrário. Foi fundado como um movimento de libertação nacional contra o Império Otomano, depois contra o Império Britânico, voltando à sua terra ancestral.”

“É muito espantoso que, 80 anos depois do final da Segunda Guerra, da derrota do nazismo, onde os judeus eram a última escala na suposta hierarquia facial do pensamento nazista, eles passem a ser privilegiados, ricos, poderosos, opressores, colonialistas. Existe uma inversão de valores que, infelizmente, tomou um lugar na universidade bastante importante.”

Influência de críticas a Netanyahu no aumento do antissemitismo

“Acho que o que acontece são pessoas que têm a intenção de discriminar, de atacar e de ofender, que usam isso como pretexto para as suas ações. Então, a partir do momento em que não haja mais esse governo em uma eleição, ele seja substituído, ou que o conflito de fato seja reduzido ou não aconteça mais, esse pretexto não existirá mais. Agora, a crítica é livre. Ele está sujeito tem acusações graves que vão ser julgadas, se serão acolhidas ou não.

“Vai ter provavelmente uma comissão de inquérito dentro de Israel mesmo para avaliar as falhas que ocorreram no dia 7 de outubro e na condução da guerra de Gaza, e mais adiante a gente vai poder ter um quadro mais claro sobre as responsabilidades de cada um. Não acho que vai ficar por isso mesmo.”

Declaração de Lula sobre o governo brasileiro não ter problema com Israel, mas com Netanyahu

“Eu vi como algo positivo. Ou seja, eu vi até como uma inflexão e um aceno de que existe uma posição… De novo, você pode não gostar de um primeiro-ministro, de um determinado governo, a população que colocou ele lá, ele foi eleito democraticamente e poderá permanecer ou ser substituído por outro. Agora, no momento em que o presidente diz que ele não tem um problema com o país, eu acho que você abre aí caminho, como eu mencionei antes, para avançar na interlocução.”

Fernando Lottenberg, comissário da OEA
Fernando Lottenberg, comissário da OEA

 

 

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