20 de novembro de 2025
Politica

Por que Lula precisa de um ministro ‘terrivelmente evangélico’ no STF

Não era só Jair Bolsonaro que precisava de um ministro “terrivelmente evangélico” no Supremo Tribunal Federal (STF). O ex-presidente anunciou esse critério de escolha ainda na campanha de 2018 e cumpriu a promessa em 2021, ao nomear André Mendonça para uma vaga na Corte. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva não fez esse compromisso público. Mas, empenhado para ser reeleito em 2026, achou prudente acenar para uma parcela da sociedade que pode ser decisiva nas urnas.

A última pesquisa Quaest indica que o presidente tem bom índice de aprovação entre mulheres e católicos. Entre evangélicos, a situação é diferente: 63% desaprovam o mandatário. Lula poderia ter escolhido o senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG) para ocupar a cadeira deixada por Luís Roberto Barroso. Teria, com isso, mais apoio no Congresso Nacional e na ala política do Supremo. Preferiu agradar os evangélicos.

Jorge Messias, ministro-chefe da AGU, e André Mendonça, ministro do STF
Jorge Messias, ministro-chefe da AGU, e André Mendonça, ministro do STF

Em 16 de outubro, Lula recebeu Jorge Messias, atual titular da Advocacia-Geral da União (AGU) e então favorito para a vaga no STF, junto com lideranças evangélicas de peso no Palácio do Planalto. Estavam no grupo o bispo Samuel Ferreira, da Assembleia de Deus de Madureira, e o deputado Cezinha de Madureira (PSD-SP).

Com o gesto, o presidente avisou que a opção por Messias não foi feita apenas pelos critérios de proximidade, confiança e afinidade ideológica que têm norteado as nomeações do terceiro mandato. Agora, entrou na equação o fator religioso. Ser evangélico, aliás, pode facilitar a aprovação do advogado na sabatina no Senado.

Assim como Mendonça, Messias costuma professar sua fé no Instagram. Em 12 de outubro, lembrou na rede social que era o mês da Reforma Protestante. “Que este mês nos inspire a aprofundar nossa leitura das Escrituras, viver pela fé, reconhecer a graça, confiar em Cristo e honrar Deus eu tudo”, anotou.

Cinco dias depois, postou o desejo de “um fim de semana de paz e esperança”. A música “Blowin in the Wind”, de Bob Dylan, acompanhava a mensagem. Escreveu no Instagram que a canção “nos chama à serenidade e à escuta interior, mas também a agir diante dos desafios coletivos de justiça e solidariedade”.

Na sexta-feira, 14, postou fotos em situações de trabalho com a legenda: “Porque Ele Vive, posso crer no amanhã”.

No Instagram, Mendonça, que também chefiou a AGU antes de chegar ao topo Judiciário, se apresenta como ministro do STF e pastor na Igreja Presbiteriana de Pinheiros, em São Paulo.

A atuação como liderança evangélica tinha sido suspensa por três anos, mas foi retomada no início deste ano, em um momento político delicado para Bolsonaro: ele já estava inelegível e, à época, tinha sido denunciado por tramar um golpe de Estado. Em setembro, foi condenado pelo Supremo a 27 anos e três meses de prisão.

Em março, três dias após Bolsonaro ser transformado em réu, o ministro postou uma pregação intitulada “Por que Deus tolera a injustiça?”. No vídeo, ele recomenda aos seguidores: “Tenha paciência, espera. Não é no nosso tempo, não é do nosso jeito”.

No STF, Mendonça tem se mantido fiel à linha ideológica de Bolsonaro em votações que vão desde as pautas de costumes até os processos da trama golpista.

Em 2024, o ministro integrou a maioria ao declarar que o STF não deveria julgar o processo de uma transexual que alegou ter sido impedida de usar o banheiro feminino em um shopping em Santa Catarina. Por outro lado, quando as ações sobre o golpe ainda eram examinadas em plenário, Mendonça manteve voz divergente às condenações defendidas pelo relator, Alexandre de Moraes.

A chegada de mais um evangélico no STF sepulta as esperanças de setores minoritários da sociedade e da ala progressista do tribunal em discussões sobre temas de costume no plenário.

Entre as ações desse tipo que aguardam julgamento, está o processo que pede a descriminalização do aborto antes da 12ª semana de gestação. Como último ato antes de se aposentar, Barroso votou a favor da causa, assim como tinha feito Rosa Weber.

Messias não vai participar do julgamento, porque ocupará a cadeira de Barroso. Gilmar Mendes interrompeu a votação e não há previsão de quando o plenário vai retomar a discussão.

A expectativa no meio político e no Supremo é que, uma vez empossado, Messias também atue de forma alinhada ideologicamente aos evangélicos nas questões de costume. Nas causas políticas e econômicas, deve continuar inserido no time de Lula.

Em julho de 2019, durante um culto evangélico realizado na Câmara dos Deputados, o então presidente Jair Bolsonaro enfatizou a importância de um evangélico no STF: “O Estado é laico, mas nós somos cristãos. Esse espírito deve estar presente em todos os Poderes”. Hoje, a frase não soaria estranha se viesse de Lula.

A prioridade para as nomeações mais recentes de Lula para o STF não inclui o progressismo em julgamentos de costumes. Tanto que escolheu para as duas primeiras vagas do mandato atual Flávio Dino e Cristiano Zanin, que se mostraram conservadores em debates desse tipo.

Lula prefere garantir a governabilidade na reta final do atual mandato e a pavimentação para uma nova temporada no Palácio do Planalto. À frente da AGU, Messias já provou que tem esse compromisso. Levantamento realizado pelo órgão no início do ano revelou que foi evitada a perda de R$ 1,9 trilhão para a União com vitórias e acordos judiciais realizados em dois anos.

 

 

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