Para além de efeito de remédios, a paranoia sempre orientou Bolsonaro politicamente
Desespero para escapar da aplicação da pena de 27 anos e três meses de prisão ou “uma certa paranoia” causada pela interação de medicamentos psiquiátricos? O que levou Jair Bolsonaro a tentar violar, com um ferro de solda, a tornozeleira eletrônica presa à sua canela?
O contexto aponta para a hipótese de risco de fuga: possibilidade iminente de ser enviado ao regime fechado, convocação de vigília de apoiadores em frente à sua casa (onde estava em prisão domiciliar) e o sucesso recente de outro condenado, o deputado Alexandre Ramagem, em escafeder-se do País. A versão do ex-presidente, porém, apresentada em audiência de custódia neste domingo, 23, antes de ser detido preventivamente, é a de que teve um surto, desencadeado pela alucinação de que havia uma escuta no aparelho de monitoramento.

O possível insight clínico (quando o paciente toma consciência da própria condição mental) de Bolsonaro transborda para o seu comportamento político. Seu governo foi marcado por um padrão de atitude paranoica que influenciou suas políticas públicas e suas relações com aliados e adversários. O então presidente orientava-se constantemente por uma miscelânea de teorias conspiratórias, desconfiança institucional generalizada, criação de inimigos imaginários e clima de suspeita permanente.
O efeito mais danoso desse traço de desconfiança persistente e irracional que Bolsonaro exibiu publicamente por meio de atos e declarações ocorreu, por óbvio, durante a pandemia de covid-19. A defesa de medicamentos sem eficácia e a resistência às vacinas se sustentavam em convicções sobre interesses ocultos e teorias tresloucadas, como a de que os imunizantes poderiam ser usados para “chipar” as pessoas ou mudar o seu DNA.
A paranoia guiou Bolsonaro em políticas públicas cruciais, mas também serviu de instrumento para galvanizar apoio popular. A estratégia populista de agregar seguidores e criar uma identidade política por meio do medo de um inimigo sorrateiro e invisível (mas organizado e com propósitos nefastos), por vezes chamado de “marxismo cultural”, apostava no pendor do seu eleitorado mais arraigado para a mania de perseguição.
A própria tentativa de golpe de Estado pela qual foi condenado era justificada por uma paranoia delirante em relação ao sistema eleitoral. De tanto ver conspiração em tudo, o ex-presidente acabou por engajar-se em sua própria conspiração. Na seara política, ele não poderia colocar a culpa na Pregabalina e na Sertralina.
