9 de dezembro de 2025
Politica

Para além de efeito de remédios, a paranoia sempre orientou Bolsonaro politicamente

Desespero para escapar da aplicação da pena de 27 anos e três meses de prisão ou “uma certa paranoia” causada pela interação de medicamentos psiquiátricos? O que levou Jair Bolsonaro a tentar violar, com um ferro de solda, a tornozeleira eletrônica presa à sua canela?

O contexto aponta para a hipótese de risco de fuga: possibilidade iminente de ser enviado ao regime fechado, convocação de vigília de apoiadores em frente à sua casa (onde estava em prisão domiciliar) e o sucesso recente de outro condenado, o deputado Alexandre Ramagem, em escafeder-se do País. A versão do ex-presidente, porém, apresentada em audiência de custódia neste domingo, 23, antes de ser detido preventivamente, é a de que teve um surto, desencadeado pela alucinação de que havia uma escuta no aparelho de monitoramento.

Jair Bolsonaro ao se despedir de Michelle Bolsonaro na Superintendência da PF em Brasília
Jair Bolsonaro ao se despedir de Michelle Bolsonaro na Superintendência da PF em Brasília

O possível insight clínico (quando o paciente toma consciência da própria condição mental) de Bolsonaro transborda para o seu comportamento político. Seu governo foi marcado por um padrão de atitude paranoica que influenciou suas políticas públicas e suas relações com aliados e adversários. O então presidente orientava-se constantemente por uma miscelânea de teorias conspiratórias, desconfiança institucional generalizada, criação de inimigos imaginários e clima de suspeita permanente.

O efeito mais danoso desse traço de desconfiança persistente e irracional que Bolsonaro exibiu publicamente por meio de atos e declarações ocorreu, por óbvio, durante a pandemia de covid-19. A defesa de medicamentos sem eficácia e a resistência às vacinas se sustentavam em convicções sobre interesses ocultos e teorias tresloucadas, como a de que os imunizantes poderiam ser usados para “chipar” as pessoas ou mudar o seu DNA.

A paranoia guiou Bolsonaro em políticas públicas cruciais, mas também serviu de instrumento para galvanizar apoio popular. A estratégia populista de agregar seguidores e criar uma identidade política por meio do medo de um inimigo sorrateiro e invisível (mas organizado e com propósitos nefastos), por vezes chamado de “marxismo cultural”, apostava no pendor do seu eleitorado mais arraigado para a mania de perseguição.

A própria tentativa de golpe de Estado pela qual foi condenado era justificada por uma paranoia delirante em relação ao sistema eleitoral. De tanto ver conspiração em tudo, o ex-presidente acabou por engajar-se em sua própria conspiração. Na seara política, ele não poderia colocar a culpa na Pregabalina e na Sertralina.

 

 

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