23 de novembro de 2025
Politica

Quem é o evangélico comunista que foi à vigília de Bolsonaro: ‘A gente resiste muito e ataca nada’

O carioca Ismael Lopes, de 34 anos, virou assunto nas redes sociais na noite desse sábado, 22, após surpreender bolsonaristas com um discurso crítico a Jair Bolsonaro (PL) durante a vigília em frente ao condomínio do ex-presidente, em Brasília. Com o microfone em mãos, autorizado pelo senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), Ismael disse que o ex-presidente deveria pagar por ter aberto 700 mil covas na pandemia. Minutos depois, foi agredido por apoiadores do político.

Em entrevista ao Estadão, Ismael contou que não havia premeditado o discurso, pois tinha a intenção só de gravar um vídeo no local, diz. Mas as circunstâncias levaram ao improviso, segundo relata.

“A dinâmica foi muito favorável para a ação. Eles tinham um pastor listado que não foi (à vigília), o que deixou um vácuo na programação. Então pedi a fala — primeiro, a uma pessoa da equipe de segurança; depois, ao próprio Flávio. Eu disse a ele que fazia parte de um movimento evangélico e tinha uma mensagem para compartilhar. Ele logo abriu espaço para mim”, conta Ismael.

O religioso – que é conhecido nas redes como “irmão Isma”, se denomina comunista e faz parte de um conselho do governo federal – diz que ficou apreensivo com a demora para que alguém o interrompesse. “Minha fala estava se estendendo e eu só pensava: ‘Meu Deus do céu, não é possível que ninguém vá me interromper. Quero sair daqui logo.’”

Ismael acredita que os bolsonaristas — incluindo Flávio — foram pegos de surpresa pela intervenção e ficaram, por alguns momentos, apáticos, sem saber como agir. Para ele, a surpresa mostra uma crença do bolsonarismo de que há uma totalidade de evangélicos à direita.

Ismael Lopes foi agredido por apoiador de Bolsonaro após discursar durante vigília
Ismael Lopes foi agredido por apoiador de Bolsonaro após discursar durante vigília

“A repercussão da minha fala é positiva nesse sentido, para mostrar que não existe essa homogeneidade entre os evangélicos”, diz ele, que continua. “Eles (apoiadores de Bolsonaro) trabalham com a dinâmica do medo. E, de fato, fiquei com medo. Mas citando uma teórica marxista: ‘medo a gente tem, mas não usa’. Essa dinâmica precisa ser interrompida. A gente resiste muito e ataca nada.”

Como mostrou o Estadão, Flávio Bolsonaro fez sinal para que os apoiadores do pai não avançassem sobre Ismael. Ainda assim, o religioso teve o microfone arrancado das mãos e acabou empurrado para fora da aglomeração bolsonarista. Enquanto era afastado, levou pontapés, até que policiais conseguiram conter a confusão.

Ismael afirma que, dali, seguiu para a delegacia e, depois, fez exame de corpo de delito no Instituto Médico-Legal (IML).

Comunista, evangélico e integrante de Conselho do governo

Autodenominado “comunista” e “radical de esquerda”, Ismael faz parte do Conselho de Participação Social da Presidência da República, órgão criado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para reunir representantes da sociedade civil e movimentos sociais em um espaço de interlocução direta com a Presidência. Na época de sua criação, Lula disse que o colegiado era “uma obra e uma ideia” da primeira-dama, Janja da Silva.

Em portaria da Secretaria-Geral da Presidência publicada no Diário Oficial da União em 17 de julho deste ano, Ismael aparece no conselho como representante da Frente de Evangélicos pelo Estado de Direito, movimento religioso que se aproximou de Janja em julho e, desde então, articulou ao menos seis encontros da primeira-dama com mulheres do segmento evangélico.

A Frente existe desde 2016 e foi criada em meio ao processo de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT). O grupo rejeita se definir como de esquerda ou progressista e diz reunir evangélicos de diferentes linhas ideológicas, desde que comprometidos com a defesa da democracia. Em nota, a Frente afirmou que o ato de Ismael teve caráter “individual e pessoal”.

Hoje integrante do Conselho de Participação Social, Ismael já ocupou um cargo no governo Lula como coordenador do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo, no Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, entre agosto de 2023 e janeiro de 2024.

Formado em Teologia, ele é ligado a parlamentares de esquerda e transita entre ministros e deputados em Brasília. Em abril, divulgou em seu perfil no Instagram, onde reunia 74 mil seguidores até o início da tarde deste domingo, que acampou na Câmara ao lado do deputado federal Glauber Braga (PSOL-RJ) enquanto o parlamentar enfrentava um processo de cassação.

No passado, o militante conta que participou de campanhas de nomes da esquerda, como o próprio Glauber e Marcelo Freixo, que disputou o governo do Rio pelo PSOL. Hoje, faz parte do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR). “Sou de esquerda — do que a gente chama de radical de esquerda, não extrema. Radical no sentido de buscar a solução na raiz dos problemas”, afirma.

Nascido no Rio de Janeiro, Ismael se mudou para Brasília há três anos por conta de sua militância em diferentes movimentos sociais. Além da Frente de Evangélicos, diz ser membro da União Nacional por Moradia Popular e do Movimento Nacional da População em Situação de Rua. Paralelamente à militância, trabalha na elaboração de projetos e na captação de recursos.

Como representante da Frente de Evangélicos pelo Estado de Direito, Ismael foi recebido, em agosto deste ano, no gabinete do então ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Márcio Macêdo (PT-SE). O encontro também teve a participação do Movimento Nacional da População em Situação de Rua, do qual faz parte.

Em publicação nas redes sociais, o movimento afirma que a reunião discutiu políticas para a população em situação de rua e ações de aproximação com os evangélicos.

Há também registros de encontros de Ismael e do mesmo movimento com a ministra Gleisi Hoffmann (PT), da Secretaria de Relações Institucionais, e com a ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco (PT).

Evangélico, Ismael costuma publicar no Instagram reflexões sobre política e fé, muitas vezes acompanhadas de leituras de passagens bíblicas. Ele diz que é de esquerda “por causa da fé”.

O evangélico foi crítico da megaoperação policial que deixou 122 mortos no Rio e chegou a chamar o governador Cláudio Castro (PL) de “assassino de Cristo”, em vídeo com 1,6 mil curtidas.

Para ele, o episódio de sábado surge para a esquerda como uma oportunidade de mobilizar evangélicos simpáticos ao campo.

 

 

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