Cúpula do Congresso entra em rota de colisão com Planalto
BRASÍLIA – A cúpula do Congresso está em rota de colisão com o governo Lula. Dias depois de o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), afirmar que será um “novo Davi” para o Palácio do Planalto, há uma nova crise na praça.
Alcolumbre manifestou revolta com a decisão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de indicar o ministro da Advocacia-Geral da União, Jorge Messias, para ocupar uma cadeira no Supremo Tribunal Federal (STF). O presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PI), tem dito, por sua vez, que está sendo desrespeitado pelo líder do PT na Câmara, Lindbergh Farias (RJ).

O imbróglio ocorre justamente no momento em que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) está preso preventivamente e seus apoiadores pressionam Motta a levar para o plenário o projeto de lei da anistia.
O relator do projeto, Paulo Pereira da Silva (Solidariedade-SP), transformou, porém, a anistia em redução de penas para todos os que participaram dos ataques golpistas do 8 de Janeiro. “Pautar esse projeto, seja com redução de pena ou com anistia, seria uma sandice”, avaliou Lindbergh.
O caldo entornou de vez depois de Motta declarar, nesta segunda-feira, 24, que não vai mais se relacionar com Lindbergh. O presidente da Câmara está furioso com o fato de líderes e dirigentes do PT irem às redes sociais para criticar a forma como ele conduz os trabalhos.
Na sua avaliação, Lindbergh estimula essa iniciativa para “esconder falhas na articulação política” do Planalto.
A gota d’água para Motta estourar, no entanto, foi a crítica feita pelo líder do PT e por integrantes do governo às mudanças no projeto de lei antifacção. A proposta foi enviada à Câmara pelo Ministério da Justiça e acabou aprovada com várias mudanças no texto original.
Lindbergh criticou o fato de Motta ter indicado o deputado Guilherme Derrite (PP-SP), secretário da Segurança Pública de São Paulo, para relatar o projeto antifacção. O texto foi rebatizado por Motta e Derrite como Marco Legal do Combate ao Crime Organizado.
A escolha de Derrite também foi vista pelo Planalto como um mau sinal porque o deputado é braço direito do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), cotado para desafiar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva nas eleições de 2026.
“Se há uma crise de confiança na relação entre o governo e o presidente da Câmara, isso tem mais a ver com as escolhas que o próprio Hugo Motta tem feito”, disse Lindberth, ao chamar o colega de imaturo. “Ele que assuma as responsabilidades por suas ações”.
Na outra ponta, Alcolumbre ainda não digeriu a indicação de Jorge Messias para o STF. “Vou mostrar ao governo o que é não ter o presidente do Senado como aliado”, afirmou ele, a portas fechadas, depois de saber que Lula confirmara a escolha do advogado-geral da União sem comunicá-lo antes. O presidente do Senado defendia a indicação de Rodrigo Pacheco (PSD-MG) para a Corte.
Alcolumbre foi duro com o líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), que é amigo de Messias. No seu diagnóstico, Wagner foi desleal com seus pares ao fazer “campanha” para Messias antes mesmo de sua indicação.
“Não me procure mais”, avisou Alcolumbre, irritado com o resultado da conversa entre Lula e Pacheco, na noite do dia 17. Lula tentou convencer Pacheco a ser candidato ao governo de Minas, mas o convidado foi categórico: disse que vai encerrar sua carreira política em janeiro de 2027.
De início, Wagner amenizou o mal-estar, mas, depois que Alcolumbre confirmou o rompimento, admitiu o problema. “Espero que esse mal-estar do Davi comigo termine logo porque queremos distensionar o ambiente”, argumentou o senador. “Acho que Lula vai chamá-lo para conversar”.
Logo depois do anúncio de Messias, o presidente do Senado começou a desengavetar projetos que aumentam os gastos públicos, além de propostas que incomodam Lula.
A pauta-bomba prevê mudanças no Orçamento para estabelecer um calendário obrigatório de pagamento das emendas parlamentares no primeiro semestre de 2026, ano eleitoral.
Alcolumbre também vai criar dificuldades para o governo na CPI do INSS e tirou da prateleira o projeto de lei complementar que regulamenta a aposentadoria especial dos agentes comunitários de saúde e de combate às endemias.
A proposta foi aprovada pela Câmara em outubro, mas repousava no Senado, a pedido da equipe econômica, porque seu impacto fiscal ultrapassa os R$ 20 bilhões em 10 anos.
Agora, Alcolumbre afirmou que vai pautar essa votação para esta terça-feira, 25. Já na quinta, 27, está marcada uma sessão do Congresso para apreciar mais de 50 vetos de Lula a projetos que passaram pelo crivo do Legislativo, entre eles o que afrouxa normas do licenciamento ambiental.
O governo já espera derrotas nos dois casos, mas pretende recorrer ao STF quando o texto aprovado trouxer impacto fiscal, a exemplo do que fez em julho, após o Congresso derrubar o decreto que aumentava o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF).
Na tentativa de acalmar os ânimos, Jorge Messias divulgou ontem uma nota com vários elogios a Alcolumbre. O advogado-geral da União disse que pretende conversar com cada um dos senadores para “ouvir atentamente suas preocupações” com a Justiça.
“Iniciada a primeira semana após a minha indicação, sinto-me no dever de me dirigir ao Presidente do Senado Federal, senador Davi Alcolumbre, para oferecer-me ao seu escrutínio constitucional”, escreveu Messias na nota. “O faço também por reconhecer e louvar o relevante papel que o presidente Alcolumbre tem cumprido como integrante da Casa, que agora preside pela segunda vez, atuando como autêntico líder do Congresso Nacional, atento a elevados processos decisórios, em favor de nosso País”.
Sem citar o nome de Messias, Alcolumbre respondeu com outra nota, bem mais enxuta e em tom protocolar. No texto, ele destacou que o Senado cumprirá, “no momento oportuno”, a prerrogativa que lhe confere a Constituição de conduzir a sabatina sobre a indicação feita pelo presidente da República para o STF.
“Cada Poder da República atua dentro de suas próprias atribuições, preservando o equilíbrio institucional e o respeito aos ritos constitucionais”, assinalou Alcolumbre.
Diante do ambiente de conflagração no Congresso, Jaques Wagner admite que é melhor deixar a sabatina de Messias para o ano que vem. Para ser nomeado, o advogado-geral da União precisa ter o nome aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado e, depois, passar pelo crivo do plenário.
Pelos cálculos de Alcolumbre, se a votação fosse hoje, Messias não conseguiria mais do que 31 votos, quando necessita do apoio de, no mínimo, 41 dos 81 senadores.
Nos bastidores, ministros afirmam, porém, que o presidente do Senado está agora usando a indicação de Messias como pretexto para obter vantagens.
Sob reserva, dois auxiliares de Lula disseram ao Estadão que o escândalo do Banco Master envolve expoentes do Centrão e integrantes do grupo político de Alcolumbre.
A operação da Polícia Federal que prendeu o banqueiro Daniel Vorcaro, na esteira da liquidação do Master, acendeu um sinal de alerta no Congresso.
O fundo de pensão Amapá Previdência (Amprev), por exemplo, investiu R$ 400 milhões no Master. Foram quatro aportes em letras financeiras do banco e, embora a instituição afirme que os pagamentos aos servidores e aposentados estão assegurados, esse tipo de investimento não tem cobertura do Fundo Garantidor de Crédito.
O diretor-presidente da Amprev, Jocildo Lemos, foi indicado por Alcolumbre para o cargo. O advogado Alberto Alcolumbre, por sua vez, é irmão do presidente do Senado e conselheiro fiscal da entidade.
Em conversas com aliados, o senador disse que os fatos foram divulgados de forma “distorcida”, com o objetivo de desgastar sua imagem e associá-lo à corrupção. Alcolumbre alega, ainda, que o Banco Central avalizou todos os investimento da Amapá Previdência no Banco Master.
