24 de novembro de 2025
Politica

O novo batalhão de drones de ataque e as futuras companhias que o Exército prepara em silêncio

O Exército planeja criar duas unidades para operar drones de ataque e iniciar a transformação da Força Terrestre em razão da revolução do campo de batalha consolidada durante o conflito da Ucrânia. A primeira delas deve ser um batalhão que ficará no Comando Aviação da Força Terrestre, em Taubaté, e a segunda será uma companhia, localizada na 12.ª Brigada de Infantaria Leve (Aeromóvel), em Caçapava – ambas no vale do Paraíba, no interior paulista.

A iniciativa está dentro do planejamento estratégico para modernização do Exército, que incluiu até agora a transformação do 12.° Grupo de Artilharia de Campanha (12.º GAC) em artilharia antiaérea de média altura, em Jundiaí, a criação de uma companhia antitanque em Barueri, na Grande São Paulo, e outras unidades, segundo o conceito militar de antiacesso/negação de área. As unidades estão na área do Comando Militar do Sudeste (CMSE). A escolha da localização está ligada à facilidade de deslocamento rápido para qualquer ponto do País, como apoio às Forças de Emprego Estratégico da Força Terrestre.

Inauguração da 1ª Companhia Anticarro Mecanizada  do Exército: o comandante do Exército, general Tomás Miguel Miné Ribeiro Paiva, observa a transformação da companhia subordinada à 11ª Brigada de Infantaria Mecanizada, que serve de apoio às Forças de Emprego Estratégico do Exército
Inauguração da 1ª Companhia Anticarro Mecanizada do Exército: o comandante do Exército, general Tomás Miguel Miné Ribeiro Paiva, observa a transformação da companhia subordinada à 11ª Brigada de Infantaria Mecanizada, que serve de apoio às Forças de Emprego Estratégico do Exército

Por enquanto, o Exército dispõe de drones usados para ações de reconhecimento e inteligência, como os sistemas de aeronaves remotamente pilotadas Nauru 1000, que estão em uso desde agosto de 2024. Com peso máximo de decolagem de 180 quilos, o Nauru opera por até oito horas consecutivas a uma velocidade de 110 km/h e tem câmeras de alta resolução para monitoramento aéreo diurno e noturno. Com 8 motores movidos a baterias independentes, ele faz decolagens e pousos verticais automáticos, inclusive em ambientes críticos e confinados.

O sistema, segundo a 7.ª Subchefia do Estado-Maior do Exército, “é inovador e permite um grande avanço na aquisição de alvos”. Responsável por propiciar a integração e a sinergia entre os cenários futuros, desenvolvimento tecnológico e atualizações doutrinárias, ou seja, a modernização e transformação da Força, a 7.ª Subchefia participou no começo do mês na Polônia da Conferência do Exército do Futuro, com representantes de outros 58 países da Europa, África e Ásia – só Brasil e Chile, da América do Sul, estiveram presentes.

Foram três dias em que só se falou em drone. Os militares tiveram palestras com oficiais da Ucrânia sobre lições apreendidas nas batalhas e demonstrações de fabricantes e de exércitos europeus de soluções para os desafios da nova tecnologia. “A utilização dos drones para fins militares está sendo um divisor de águas. Ele está sendo aquilo que foi a metralhadora, que mudou o caráter da guerra, no final do século 19”, informou a 7ª Subchefia.

A palestra na Polônia no centro de treinamento de drones na Ucrânia relatada pelo general Gelson de Souza: aéreos e terrestres: uso do equipamento mudou o caráter da guerra
A palestra na Polônia no centro de treinamento de drones na Ucrânia relatada pelo general Gelson de Souza: aéreos e terrestres: uso do equipamento mudou o caráter da guerra

Para as novas unidades, o Exército pretende ter desde modelos MALE UCAV, como os TB2 turcos, de longo alcance e autonomia, bem como modelos mais simples, usados por pelotões e companhias, na linha de contato com o inimigo, lançando cargas explosivas, fazendo reconhecimento e cuidando até do abastecimento de tropas e da retirada de feridos, como os novos drones terrestres, robôs robôs que atuam no front assumindo tarefas dos soldados. Há ainda a busca por munições vagantes, os drones kamikazes.

Visita à Turquia

Pouco antes da ida da 7ª Subchefia à Polônia, o comandante do Exército, general Tomás Miguel Ribeiro Paiva, esteve na Turquia, onde visitou dois grande fabricantes de armas: a Otokar, responsável pelo carro de combate Tulpar, e a Baykar Technology, cujo drones Bayraktar TB2 já foram vendidos a 35 países. O Exército prospecta soluções ao redor do mundo e dentro da Base Industrial de Defesa do Brasil para enfrentar essa revolução no campo de batalha.

Desde 2001, o Estado-Maior do Exército já considerava que os drones que atuavam em alta atitude, como o Predador, dos EUA, eram uma das capacidades prioritárias que precisavam ser incorporadas à Força Terrestre. Na Polônia, os instrutores ucranianos afirmaram aos colegas que ou se “adaptavam ou nós iríamos morrer”. O mesmo vale para qualquer Exército moderno.

Drone Nauru 1000C adquirido pelo Exército em operação
Drone Nauru 1000C adquirido pelo Exército em operação

O instrutor da Ucrânia relatou que a saída ali foi a adaptação de meios civis comuns, de baixo custo, para a defesa de um ataque em massa desencadeado pelos russos. Houve uma corrida e um engajamento de toda a tropa em busca de soluções, ainda que locais, no nível de pelotão ou companhia. Um processo semelhante se observa no Exército. Militares de diversas unidades começaram a experimentar como fazer drones em suas unidades.

O espírito de inovação e de adaptação está por traz de iniciativas como a de militares do 1.º Batalhão de Comunicações de Guerra Eletrônica de Selva, do Comando Militar da Amazônia, onde, em uma pequena sala, foi montada uma “fábrica” para experimentar a produção de aparelhos para o ambiente de selva, feitos por meio de impressoras 3D. São drones simples, usados para reconhecimento e vigilância e o lançamento de granadas, que revelam o espírito da corrida atrás desses equipamentos que se espalhou por todos os Exércitos.

Trata-se de equipamentos considerados prioritários na busca da chamada transparência do campo de batalha, mas também fundamental para o controle de fronteiras, onde se pode montar sistemas com dois ou três três drones que se revezam, cobrindo uma determinada área para obter informações, ampliando, com equipamentos das categorias 2 e 3 – equipamentos com peso de decolagem de até 250 quilos –, a capacidade de permanência e de vigilância de uma área e a qualidade de imagem de inteligência.

Na Polônia, os ucranianos explicaram que os drones podem desempenhar as seis as funções de combate. A primeira é a de inteligência, levantando imagens do terreno, das posições inimigas e deslocamento dos oponentes. A segunda é a de movimento e manobra. A terceira é a logística, com plataformas sobre lagartas que podem levar em seu centro desde metralhadoras e mísseis ou radares para identificação de drones e até bancadas para transportar feridos.

São eles que levam munição onde os caminhões da logística não conseguem chegar: os foxholes, os abrigos da infantaria. Os equipamentos ainda protegem a tropa por meio de sistemas terrestres com radares e drones aéreos para identificar ataques e interceptar equipamentos inimigos. Para tanto, usam dispositivos de guerra eletrônica, interferindo na comunicação dos drones russos para abatê-los, e caçadores de drones, que levam pequenas cargas explosivas. É assim que a Ucrânia estima pôr no chão 90% dos drones de Moscou.

Esses equipamentos executam também tarefas de comando e controle e de fogos. Segundo a 7ª Subchefia do Estado-Maior, “o drone é um repetidor: cria uma bolha de controle de Wi-Fi, onde, naquela bolha, todas as máquinas são controladas por um determinado operador”. Por fim, há os drones kamikases funcionam como um míssil que vaga pelo terreno, cujo lançamento pode ser abortado e o equipamento retraído para sua base.

Oficiais ucranianos mostraram aos participantes da conferência na Polônia como ficou a frente de batalha com o uso de drones; no mapa, os abrigos de infantaria (foxhloes) e a área crítica de uso letal de drones
Oficiais ucranianos mostraram aos participantes da conferência na Polônia como ficou a frente de batalha com o uso de drones; no mapa, os abrigos de infantaria (foxhloes) e a área crítica de uso letal de drones

Mas os kamikaes vagantes não são a única opção para ataques. É possível acoplar granadas explosivas ou um míssil anticarro em um drone controlado por fibra ótica para evitar interferências eletrônicas. O cabo pode estender-se por até 20 quilômetros, como os antigos equipamentos filoguiados. Na Ucrânia, cada tipo de equipamento é distribuído para um nível da tropa. Os pelotões têm os drones pequenos que voam em uma atitude menor com capacidade de vigilância e observação. Podem também levar explosivos para lançá-lo em cima de um alvo.

É possível que seja esse o tipo de equipamento que seria testado para a nova companhia da 12ª Brigada de Infantaria, onde um drone pode sinalizar, marcar o alvo, enquanto o outro ataca. Segundo a 7.ª Subchefia, “na linha de contato e até um quilômetro para cada lado da linha, criou-se uma zona de matar”. Tudo o que se movimenta ali vai ser destruído pelos drones, que vão identificar o que vai ser abatido.

1.ª Guerra Mundial

A situação se assemelha à terra de ninguém, entre as trincheiras da 1.ª Guerra Mundial (1914-1918), em uma frente imobilizada. No teatro de operações da Ucrânia, a área do front até cerca de dez quilômetros de profundidade está praticamente imóvel em virtude dos drones de menor capacidade. Para o Brasil, o Departamento de Ciência e Tecnologia (DCT) do Exército procura desenvolver drones, assim como a Diretoria de Fabricação da Força.

Os militares ucranianos mostraram como os diversos tipos de drones são operados em cada estrutura militar, desde o pelotão até o comandante em chefe, segundo sua função e característica; Brasil busca modelo parecido
Os militares ucranianos mostraram como os diversos tipos de drones são operados em cada estrutura militar, desde o pelotão até o comandante em chefe, segundo sua função e característica; Brasil busca modelo parecido

O batalhão com aeronaves remotamente pilotadas, que será subordinado ao Comando da Aviação do Exército, deve concentrar os equipamentos usados no nível mais elevado do teatro de operações, com capacidade para operar em profundidade. Segundo a 7ª Subchefia, a formação dos operadores de drones vai ser toda feita no Comando de Aviação. “A partir dos conhecimentos adquiridos, a estrutura pode ser expandida a outras brigadas”, informou.

O objetivo é desenvolver uma tecnologia nacional, como fez a Marinha, que testou neste mês o primeiro drone de ataque do Corpo de Fuzileiros Navais. Exemplo dessa busca foi a demonstração feita em outubro à Diretoria de Fabricação do Exército, no Arsenal de Guerra, no Rio, de um drone lançador de granadas, o lançador múltiplo MQ-18 Arqus, desenvolvido pelas empresas Aero.ID e pela MacJee – o equipamento lançou dois simulacros de munições de morteiro 60 mm.

Trata-se de movimento casado ainda com as pesquisas para tecnologia embarcada de proteção antidrone das forças blindadas, tarefa cada vez mais urgente, até para as missões de paz da ONU, que estabeleceu recomendação para que os veículos dos capacetes azuis tenham essa capacidade.

O Sistema Antidrone SCE 0100, tecnologia integrada ao Projeto SAD/SISFRON para a proteção de tropas e infraestruturas críticas testado pelo Exército
O Sistema Antidrone SCE 0100, tecnologia integrada ao Projeto SAD/SISFRON para a proteção de tropas e infraestruturas críticas testado pelo Exército

O Exército hoje dispõe nos Batalhões de Guerra Eletrônica interceptores de drone. Mas, além do chamado jamming, a interferência no sinal que mantém o drone no ar, é preciso ter caçadores de drones para a proteção de seus meios. Entre os novos materiais testados pelo Exército para essa tarefa está o Sistema Antidrone SCE 0100, tecnologia integrada ao Projeto SAD/SISFRON para a proteção de tropas e infraestruturas críticas, testado em julho pelo Comando de Comunicações e Guerra Eletrônica do Exército (CCOMGEX).

Uma guerra entre robôs

Por tudo isso, o uso de drones deve se tornar um eixo de transformação do Exército e de seus homens. Dito de outra forma: como é que os militares devem se preparadas para encarar um conflito robotizado, um conflito em que alguém controla um robô a 10 km de distância, na retaguarda? Qual será a ética do engajamento? A preocupação será igual à que existiria caso o militar estivesse lá na frente, na posição?

Essa preparação dos homens para o novo tipo de conflito que se desenha é considerada fundamental pelo Exército. Na Ucrânia, ela transformou a organização dos batalhões, tornando-os completamente diferente dos que ainda existem n Brasil. O soldado deixou de ser combatente de infantaria e passou a operar drone; quem era da logística, agora trabalha com drones terrestres para fazer o suprimento, além de alterar equipes de manutenção. E tudo exigindo novo tipo de treinamento e doutrina.

O primeiro drone tático de ataque da Marinha foi testado durante a Operação Atlas pelo Batalhão de Combate Aéreo, que já usava modelos específicos para missões de inteligência, vigilância e reconhecimento. Equipamento tem 1,64 metro de envergadura, 65 cm de comprimento de fuselagem, autonomia de até 25 minutos e alcance de até 5 km e leva carga explosiva capaz de neutralizar veículos e aeronave
O primeiro drone tático de ataque da Marinha foi testado durante a Operação Atlas pelo Batalhão de Combate Aéreo, que já usava modelos específicos para missões de inteligência, vigilância e reconhecimento. Equipamento tem 1,64 metro de envergadura, 65 cm de comprimento de fuselagem, autonomia de até 25 minutos e alcance de até 5 km e leva carga explosiva capaz de neutralizar veículos e aeronave

É um caminho sem volta. Militares sabem o significado de combater a guerra do passado. O Exército terá de passar pela revolução dos drones, ajustar seus meios e recursos Enquanto o Exército trabalha no desenho da Força até 2040, a França já projeta como deve ser a primeira primeira linha. Nela, haverá apenas drones. Em uma segunda linha, homens e drones atuando de forma colaborativa para, só então, em uma terceira linha, aparecer os homens efetivamente controlando todo esse dispositivo na frente de batalha. Esse é o processo de transformação.

 

 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *