3,7 milhões de vítimas de violência doméstica: a guerra que o Brasil perde entre quatro paredes
Neste 25 de novembro, Dia Internacional de Combate à Violência Contra a Mulher, não há o que comemorar. Há um número que nos assombra e deveria nos tirar o sono: 3,7 milhões. Isso não é uma estatística fria. São 3,7 milhões de mulheres que, no último ano, sentiram na pele a dor da violência dentro de seus próprios lares. Como advogada que atua na linha de frente dessa batalha, vejo todos os dias os rostos por trás desses dados, e posso garantir: a realidade é ainda mais cruel do que os números sugerem.
Pense no horror disso. Uma pesquisa recente do Mapa Nacional da Violência de Gênero nos joga na cara uma verdade inconveniente: a violência não acontece às escuras. Em 71% dos casos, a mulher é agredida na frente de outras pessoas. E o nó na garganta aperta quando descobrimos que, na maioria esmagadora dessas vezes, havia uma criança assistindo. Estamos falando de quase dois milhões de crianças que tiveram sua inocência roubada ao testemunharem o crime mais covarde. E o que nós, como sociedade, fazemos? Em 40% das vezes, absolutamente nada. As testemunhas se calam, viram o rosto, e o ciclo de dor se perpetua.
Diante desse cenário, por que tão poucas mulheres denunciam? A resposta é um soco no estômago: elas não se sentem seguras. Os dados mostram que a primeira porta que elas batem é a da família, dos amigos, da igreja. A delegacia e o Ligue 180 vêm muito depois, se é que vêm. Isso não é um demérito dessas mulheres, é um atestado do fracasso do nosso sistema em construir pontes de confiança. Elas buscam o afeto antes de buscar a lei, porque o acolhimento parece mais real e imediato que a promessa de justiça. E quem pode culpá-las?
O abismo se aprofunda quando percebemos que a principal ferramenta de proteção, a Lei Maria da Penha, ainda é uma desconhecida para muitas. Quase 70% das brasileiras a conhecem pouco, e o desconhecimento é brutalmente maior entre as mais pobres e com menos estudo. É uma lei que existe no papel, mas que não consegue chegar com força a quem vive na ponta mais frágil da corda. Se a mulher não conhece seus direitos, como pode lutar por eles?
Então, o que fazemos? Cruzamos os braços e lamentamos os números a cada ano? Não. A solução existe, mas exige coragem e ação coordenada. Precisamos ir além de inaugurar mais delegacias. É urgente fortalecer e divulgar toda a rede de apoio, como as Casas da Mulher Brasileira, que ainda são desconhecidas por grande parte da população. Precisamos capacitar líderes religiosos, amigos e familiares para que saibam como orientar uma vítima, em vez de dizer “tenha paciência” ou “pense nos seus filhos”.
A mudança verdadeira, contudo, começa na mente e no bolso. Precisamos de educação para desconstruir a cultura do machismo que ensina homens a serem violentos e mulheres a serem submissas. E, de forma pragmática, precisamos dar autonomia financeira a essas mulheres. Como uma mulher pode deixar um lar violento se não tem para onde ir ou como sustentar a si e a seus filhos? Programas de emprego e empreendedorismo não são gastos, são investimentos na vida.
A luta é árdua, mas não impossível. Cada mulher que consegue romper o silêncio, cada agressor que é responsabilizado, é uma vitória. Mas não podemos mais depender apenas da coragem individual das vítimas. Essa é uma responsabilidade de todos. A pergunta que fica neste 25 de novembro não é apenas o que o governo vai fazer, mas o que você vai fazer. O silêncio nos torna cúmplices. É hora de fazer barulho.
