25 de novembro de 2025
Politica

O ‘Dies irae’ de quem traiu a Constituição e conspurcou a República

Há, na História política das nações, um traço inconfundível que singulariza a figura do tirano: a sua essencial mediocridade moral.

Os grandes demagogos — ainda que travestidos de falso heroísmo — revelam, cedo ou tarde, a pequenez de seu espírito, a incapacidade de compreender o valor da ordem constitucional e democrática e a renúncia deliberada à ética republicana.

O tirano, diferentemente do estadista, não edifica; corrompe. Não serve à pátria; serve-se dela. Não respeita a Constituição; profana-a, seja por atos diretos, seja por palavras que insuflam o desrespeito à legalidade democrática.

É nesse cenário que se torna impossível não recordar comportamentos indignos que o Brasil testemunhou em anos recentes: ofensas inaceitáveis, em tom sedicioso e em caráter recorrente, ao Supremo Tribunal Federal e a seus Juízes, com particular destaque aos injustos agravos perpetrados contra o eminente Ministro Alexandre de Moraes, ataques reiterados às instituições republicanas, agressões à imprensa, incitações criminosas contra o próprio processo eleitoral — pilar do constitucionalismo moderno — e a tentativa de solapar a confiança pública no sistema que legitima o poder político.

Tais atitudes não traduzem grandeza; revelam, ao contrário, a pequenez do espírito autoritário, que teme a liberdade e que despreza a democracia, porque não é capaz de compreender nenhuma das duas.

O grande historiador Plutarco, em sua obra “Vidas Paralelas” — particularmente sobre as vidas de “Dion” e de “Timoleonte” — ensinava que os tiranos “vivem cercados de temor, porque precisam destruí-lo nos outros para sobreviver”.

Platão, em sua reflexão sobre a degenerescência da alma tirânica, advertia, na “República”, que o tirano nasce da corrupção interior e se sustenta pela mentira e pela violência; Aristóteles, na “Política”, revelou que o poder tirânico se exerce sempre contra o bem comum, regido pelo medo e pelo capricho; Cícero, em “De Re Publica” e “De Legibus”, denunciou a tirania como o mais vil atentado contra a “res publica”, afirmando que nenhum poder é legítimo se dissociado das leis e da moralidade; e Tito Lívio, por sua vez, em sua monumental obra “Ab Urbe Condita” (cuja parte relativa a esse período conhecemos pelas “Periochae”), ao narrar uma das crises da República Romana, registrou — ainda que de modo preservado apenas em resumo — a violência, as proscrições e a ambição devastadora de figuras que submeteram Roma, como Lúcio Cornélio Sula, a um dos capítulos mais sombrios de sua história.

Todos esses autores, de tempos e tradições diversas, convergem na mesma lição perene: a tirania é a ruína moral do governante e a degradação política da comunidade que ele pretende dominar.

E foi assim, sob o signo dessa mediocridade clássica, que certas práticas políticas recentes em nosso País se afastaram da nobreza da vida republicana, expondo ao mundo um dirigente político, como Bolsonaro, que fez da retórica do ódio, da intolerância, da mentira e da desinformação um método de governo e um instrumento de poder.

A tradição da Humanidade — dos gregos e romanos a nossos dias — jamais se curvou diante dessas figuras sombrias. Não é por acaso que, ao longo dos séculos, o brado “Sic semper tyrannis” ecoou como grave advertência política e moral: assim sejam rejeitados pela consciência histórica os tiranos, assim se repudiem suas pretensões de subjugar povos livres e de violentar suas Constituições democráticas.

Essa sentença, longe de significar vingança, traduz um imperativo ético: o tirano — por sua própria conduta — termina vencido pela força histórica da liberdade, pela resistência das instituições e pela consciência moral do povo. Nenhum autocrata sobrevive quando tenta aprisionar a nação no estreito círculo de sua vaidade e de sua desmedida ambição pelo poder.

Também no Brasil, a República demonstrou — e continuará a demonstrar — que a Constituição de 1988 não se dobra às tentações e aos delírios autoritários. A democracia brasileira sofreu ataques, sim; mas resistiu, porque não há mediocridade tirânica capaz de suplantar a grandeza de um povo que defende o Estado Democrático de Direito.

O que se viu recentemente, portanto, não foi a ascensão de um grande líder, mas a tentativa falha de um político medíocre e menor que, ao desprezar em seu projeto autoritário de poder a ordem constitucional e democrática, revelou sua verdadeira dimensão: a baixeza política, a insuficiência moral e a incapacidade de compreender que, sem respeito incondicional à Constituição, à República e à Democracia, nenhum governo é legítimo.

A História registrará, com lúcida severidade, que aqueles que intentam degradar a República terminam por degradar apenas a si mesmos. E a Nação aprenderá, mais uma vez, que a democracia vive da palavra, mas pode morrer pela palavra irresponsável e criminosa —, razão pela qual devemos reafirmá-la, diariamente, com coragem, com firmeza e com a serenidade que distingue as grandes nações.

A condenação criminal imposta a Jair Bolsonato pelo Supremo Tribunal Federal — 27 anos e 3 meses de reclusão em regime fechado — não constitui apenas um legítimo pronunciamento jurisdicional, mas uma proclamação moral da República, a afirmar, com voz firme e inquebrantável, que a democracia não tolera a profanação de seus princípios nem a afronta ao veredicto soberano das urnas.

Ao reconhecer que Jair Bolsonaro atentou contra a ordem democrática, intentou usurpar o poder e buscou submeter a Nação ao arbítrio de sua vontade pessoal, a 1ª Turma do STF reafirmou o postulado que sustenta as grandes democracias: ninguém está acima da autoridade da Constituição e das leis da República!

Tal condenação, alcançada por expressiva maioria, em julgamento que garantiu a Bolsonaro o amplo exercício das prerrogativas inerentes ao “devido processo legal”, não traduz vindita, mas a reafirmação da majestade da Justiça, que se ergue serena, imparcial e altiva para proteger o Estado Democrático de Direito contra seus adversários mais internos e mais perigosos.

A iminente execução da pena — expressão necessária da autoridade do Direito — não humilha o condenado; humilha, sim, o abuso que ele praticou, o desprezo que demonstrou pela legalidade republicana, a deslealdade com que feriu o voto popular. Pois é próprio das democracias maduras reafirmar, nos momentos mais críticos, que a liberdade só subsiste quando a responsabilidade prevalece, e que o poder, quando transfigurado em despotismo, reclama, com urgência, a reação inflexível das instituições.

É sob essa luz que resplende, com força simbólica incomparável, a antiga expressão “Dies irae”. A tradição moral da Humanidade jamais a invocou como o dia da cólera, mas como o dia do juízo, o instante decisivo em que a verdade histórica se impõe e em que nenhuma evasiva subsiste.

Para aquele que violou a Constituição, o Dies irae não é o nome de uma ameaça: é o nome da verdade, o momento em que a República exige contas, em que as máscaras caem, em que a justiça — imparcial, serena, majestosa — recolhe o tributo que lhe é devido.

Para Bolsonaro, o Dies irae assinala a hora em que o Estado Democrático de Direito revela a definitiva falência moral do projeto golpista e consagra a supremacia da Constituição sobre a tirania. É o dia em que a democracia, com grandeza e dignidade, pronuncia a palavra que libertará o país da sombra que o ameaçou.

E é precisamente diante dessas lições da História, do Direito e da razão republicana que se impõe recordar, como advertência perene aos que pretendem subjugar a Nação pela força ou pelo engano, a sentença imortal de Cícero, formulada em sua obra mais nobre sobre a ética pública: “Cedant arma togae.” — “Cedam e submetam-se as armas à toga.” (“De Officiis”, I, 77).

Essa expressão, que atravessou pouco mais de vinte séculos, não é apenas um enunciado literário: é a própria essência do governo civil, o axioma que consagra a primazia da lei sobre a violência, do poder civil sobre o poder militar, da República sobre o caudilhismo, da Constituição sobre qualquer projeto pessoal de poder.

Com ela, o grande Advogado, tribuno e pensador romano ensinou que a força do Estado não reside nas armas, mas no Direito; que a verdadeira autoridade não se impõe pelo medo, mas pela legitimidade; que nenhuma nação é digna de si mesma enquanto admitir que a espada se sobreponha à Justiça.

Ao invocar, neste grave momento histórico, o antigo preceito de Cícero, reafirmo a convicção mais profunda do constitucionalismo democrático: a toga — símbolo da razão, da juridicidade, da legitimidade constitucional e da liberdade — deve sempre prevalecer sobre as armas, sobre a turbulência e sobre a tirania.

Assim se conclui, com a solenidade que a República exige, a lição final deste grave capítulo histórico de nosso País, protagonizado, entre outros, por Jair Bolsonaro: a Constituição triunfa, a Justiça permanece, e a tirania — qualquer tirania — se dissolve diante da força moral da lei!

 

 

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