O bode na sala e a chegada do Messias
Antes de qualquer coisa, é preciso tirar o bode da sala. Há uma frustração justificada e legítima diante de mais um processo em que nenhuma mulher foi sequer cogitada para a vaga aberta no STF. Depois de décadas de discussão sobre representatividade no Judiciário, e da adoção de ações efetivas para que os tribunais do país passem a ter uma composição mais próxima da paridade de gênero, uma Suprema Corte integrada por uma única Ministra caracteriza angustiante retrocesso. O país dispõe de juristas mulheres com competência e trajetórias amplamente reconhecidas; o que falta é decisão política para corrigir essa distorção.
Mas fato é que Jorge Messias não escolheu a si mesmo, não podendo recair sobre ele o peso dessa frustração. Tirando esse “pequeno detalhe” —sua condição masculina—, o ministro da AGU apresenta credenciais mais do que sólidas para integrar a Corte. Aos 45 anos de idade, Jorge Messias acumula rara vivência em instituições públicas, tendo exercido funções estratégicas em diferentes áreas do Executivo. Seu percurso admirável, com passagem em três Ministérios, lhe conferiu capacidade de articulação singular e treinada, além de amplo domínio das questões estruturais da administração pública. Difícil imaginar outra pessoa que tenha hoje uma compreensão tão refinada sobre o funcionamento real do Estado brasileiro. E que saiba comunicar, com clareza e simpatia, o notável saber jurídico que de fato possui.
À frente da AGU, Messias consolidou uma gestão marcada por resultados mensuráveis e impacto direto sobre a eficiência estatal. A partir de 2023, a instituição recuperou mais de R$ 200 bilhões para os cofres públicos. Também firmou uma parceria com o Superior Tribunal de Justiça que evitou ou encerrou quase 4 milhões de processos. Sob sua batuta, e com a atuação dedicada de procuradoras do mais alto gabarito, a AGU conduziu acordos que conciliaram direitos, reparação, desenvolvimento e proteção ambiental – entre eles negociações complexas envolvendo o novo marco regulatório do hidrogênio e áreas estratégicas de infraestrutura e energia. Não é pouca coisa.
Nos momentos de maior tensão institucional, Messias agiu com firmeza na formulação de ações voltadas à preservação das competências constitucionais e à defesa do funcionamento das instituições democráticas. Criou a Procuradoria Nacional da Defesa da Democracia, cuidou da memória e das marcas da Ditadura em nossa sociedade e, mais recentemente, colocou a instituição na defesa das autoridades absurdamente atingidas pelas sanções dos EUA. Sua contribuição não se deu no terreno retórico, mas em posições jurídicas firmes e responsáveis, capazes de oferecer estabilidade em períodos de incerteza.
Messias tornou-se igualmente conhecido pela capacidade de diálogo com o Congresso, o Judiciário, órgãos de controle e governos estaduais. O ministro tem um quê de diplomata. Em um tribunal colegiado e conflituoso como o STF, essa habilidade é crucial: decisões de impacto exigem sensibilidade política, construção de consensos e compreensão das consequências institucionais de cada voto.
Por fim, mas não menos importante, enxergar na religiosidade de Messias apenas uma aposta eleitoral do Presidente é algo injusto. Que ele empregue na sua interpretação do texto constitucional o amor ao próximo, a tolerância, e a consciência de que vivemos em um país laico e desigual é muito mais relevante do que sua religião em si.
Os próximos anos vão impor à Corte desafios intensos, que envolvem judicialização de políticas públicas, disputas federativas, regulação tecnológica, questões ambientais, economia verde, responsabilidade fiscal e a proteção permanente da democracia. A trajetória de Jorge Messias demonstra preparo técnico e maturidade institucional para enfrentar esse cenário difícil, mesmo que ele não seja uma mulher.
