Como a privatização da Sabesp foi de trunfo a dor de cabeça para Tarcísio em 2026
Pouco depois de assumir o governo de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos) já ouvia de aliados que a desestatização da Sabesp seria sua maior prova de fogo na Assembleia Legislativa paulista. E foi. A proposta enfrentou ampla resistência na Casa, inclusive dentro da própria base, e coube a Tarcísio e à secretária de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística, Natália Resende, conduzir um longo trabalho de articulação e convencimento junto aos deputados. Deu certo. Em 6 de dezembro de 2023, a PEC que autorizou a privatização da Sabesp foi aprovada com 62 votos, após sessão marcada por um confronto entre manifestantes e policiais militares. Em julho do ano seguinte, o governo concluiu a operação e levantou R$ 14,8 bilhões, na maior oferta de saneamento da história.
O que antes era tratado como uma das principais vitrines desta gestão virou motivo de dor de cabeça às vésperas do ano eleitoral, quando Tarcísio poderá disputar a reeleição ou a Presidência da República. Relatórios internos de redes sociais do governo de São Paulo aos quais o Estadão teve acesso citam a privatização da Sabesp como um dos focos de desgaste para o governador nos últimos meses.
Em nota, o governo paulista diz que os relatórios de monitoramento de redes são “meramente descritivos” e se limitam a compilar publicações coletadas em ferramentas que mapeiam a repercussão e engajamento de temas relacionados ao governo do Estado.
“Os documentos não contêm conclusão analítica sobre estes temas e nem indicadores reputacionais consolidados sobre as dezenas de assuntos destacados mensalmente. Ao contrário de pesquisas de opinião, que são dotadas de metodologia científica e lastro estatístico, o cenário das redes apresentado no documento citado não exibe mensuração completa e exata sobre o grau de satisfação do público acerca de diferentes temas, mas sim percepções e comentários específicos em um intervalo temporal limitado”, diz a gestão estadual.
A Sabesp, por sua vez, afirma que, de 2024 para 2025, houve melhora na percepção dos clientes sobre a atuação da empresa. Segundo a companhia, no período, o índice de satisfação passou de 82% para 83%, enquanto o NPS subiu de 44 para 48 — o indicador avalia a satisfação do cliente e mede a probabilidade de ele recomendar a empresa a outras pessoas.
Os relatórios, obtidos por Lei de Acesso à Informação (LAI), são feitos por uma empresa contratada pelo governo via licitação. Essa empresa avalia como assuntos relacionados à gestão estadual estão repercutindo nas redes sociais.

O monitoramento de junho traz a Sabesp como um dos temas mais espinhosos para a imagem de Tarcísio nas redes. Naquele mês, segundo o relatório, o governador recebeu críticas pela desestatização após a companhia lançar esgoto sem tratamento no Rio Tietê. A Sabesp afirmou, à época, que foi preciso realizar uma manobra emergencial para diagnóstico e reparo da rede subterrânea.

Dois meses depois, em agosto, o tom voltou a ser negativo, com novo relatório dizendo que o primeiro ano da desestatização da Sabesp foi recebido com “críticas em período de baixa nos reservatórios de água da Grande São Paulo e alegações de piora na prestação do serviço”.
Já o relatório de setembro seguiu na mesma toada: classificou a Sabesp como “tema controverso” e disse que as desestatizações passaram a ser alvo constante de críticas por internautas.
“Usuários questionam contratos, alegando que o serviço prestado pela Enel na Grande São Paulo não atende à população, e que o atendimento da Sabesp perdeu qualidade no último ano. Há demanda para que a gestão estadual pressione as concessionárias pela melhoria de serviços essenciais”, diz o documento.
A Enel é uma empresa privada que distribui energia a 24 municípios da Região Metropolitana, incluindo a capital. A fiscalização cabe à Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), e não ao governo estadual. Ainda assim, no Palácio dos Bandeirantes, há uma avaliação de que as crises recentes de falta de energia acabaram contaminando, de forma indireta, a imagem de empresas que assumiram serviços públicos.
Renato Dorgan, cientista político e CEO do Instituto Travessia, afirma que as queixas contra a Sabesp vão além das redes sociais e têm aparecido com força como fonte de insatisfação dos paulistas em pesquisas qualitativas realizadas ao longo deste ano.
“É um dos principais desgastes para Tarcísio no Estado. Na Grande São Paulo, o problema é a piora dos serviços, com relatos de cortes noturnos de água aparecendo em várias cidades. Já na capital, as reclamações se concentram no aumento da conta e no temor de que a privatização repita a experiência da Enel. O paulistano ficou traumatizado com a Enel, sobretudo depois do apagão que deixou casas sem luz por quatro ou cinco dias”, avalia Dorgan.
Como mostrou a Folha de S.Paulo, mesmo após a privatização, Tarcísio segue de olho na comunicação da Sabesp. Há cerca de três meses, ele se reuniu com o publicitário Nizan Guanaes, cuja empresa conduz o reposicionamento da identidade da Sabesp, e com o cientista político Felipe Nunes, dono do instituto de pesquisa Quaest, responsável por um monitoramento recente de reputação para a companhia.
Em nota, o governo disse que as reuniões com as as empresas concessionárias que atuam no Estado são importantes para o acompanhamento da prestação de serviços essenciais à população e tratam de temas do mais absoluto interesse público, inclusive relacionados às campanhas de utilidade pública e informação que são de obrigação da prestadora no contexto do contrato de concessão.
Na avaliação de uma fonte próxima ao governador, os problemas hoje enfrentados pela Sabesp já existiam antes da privatização e não há nenhuma nova crise instalada. O desafio para o governo é que a privatização foi ideologizada e a Sabesp passou a concentrar os “canhões da oposição”.
Em nota, a Sabesp nega piora nos serviços, em contraponto ao que relatou Renato Dorgan com base em pesquisas qualitativas, e afirma que o processo de desestatização levou a reduções tarifárias imediatas.
Segundo a Sabesp, a meta é investir R$ 70 bilhões até 2029 para garantir que todo cidadão em sua área de concessão tenha acesso à água de qualidade, assim como coleta e tratamento de esgoto — 66% desse montante já estaria contratado.
A Sabesp também afirma que, após a desestatização, houve avanços expressivos em expansão dos serviços, eficiência operacional e ampliação dos benefícios à população.
“Até outubro de 2025, mais de 1,6 milhão de pessoas passaram a ter acesso à água, 2 milhões de cidadãos receberam ligação de esgoto e 2,5 milhões passaram a ter esgoto tratado. A Sabesp começou também a atuar em áreas vulneráveis (ocupações informais) e rurais que antes não eram atendidas”, diz a empresa.
Reclamações contra a Sabesp bateram recorde após privatização
Dados da Agência Reguladora de Serviços Públicos do Estado de São Paulo (Arsesp) mostram que as queixas contra a Sabesp aumentaram após a privatização, em julho de 2024, e chegaram a 1.651 em outubro deste ano — o maior volume mensal desde pelo menos janeiro de 2022.
Levantamento do Estadão com base no Relatório do Serviço de Atendimento ao Usuário da agência indica que 2025, mesmo sem ter acabado, já é o ano com mais reclamações desde pelo menos 2011. Até setembro, foram registradas 8.266 queixas, superando o recorde anterior, de 2011, quando houve 8.140 reclamações contra a empresa.
O mau momento da companhia coincide com a crise de abastecimento, que fez o governo de São Paulo anunciar um plano de contingenciamento.
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