Empresa contratada para telemarketing do INSS acompanhou licitação de dentro do ministério
BRASÍLIA – O dono de uma das empresas contratadas para fazer o serviço de atendimento por telemarketing a aposentados e pensionistas do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) acompanhou a licitação de dentro do Ministério da Previdência Social, pasta à qual a autarquia é ligada, e teve agenda com o então número dois do ministério, Wolney Queiroz, hoje ministro.
Contratada por R$ 117,7 milhões, a empresa pernambucana Provider, do recifense João Luiz Dias Perez, venceu um dos dois lotes da concorrência aberta em junho de 2023. O contrato consiste na operação da Central de Atendimento 135 para 13 Estados, a partir de Caruaru (PE), e tem vigência até janeiro de 2027.
Em nota, a pasta informou que a licitação era imune a influências externas e foi encerrada com deságio de 20,23% sobre o custo estimado. Mas destacou que, a partir das informações apresentadas pela reportagem do Estadão, o ministro Wolney Queiroz determinou a instauração de processo para “apuração da eventual presença” do dono da empresa em outras agendas dentro do ministério (leia mais abaixo).

A sessão de lances do pregão eletrônico para seleção das empresas foi aberto às 10 horas do dia 22 de junho de 2023 e só foi encerrado às 17h20. Diaz Perez passou a maior parte desse período dentro das dependências do governo.
Os registros de entrada e saída da portaria, no bloco F da Esplanada dos Ministérios, mostram que o empresário entrou no local às 10h14 e lá permaneceu até 17h32. Portanto, de 14 minutos após o início da sessão remota do pregão até 12 minutos depois de ela ser finalizada.
A agenda pública do então secretário-executivo da pasta, Wolney Queiroz, registra que ele recebeu o sócio da Provider nesse dia, entre 12 horas e 13 horas, enquanto os procedimentos da licitação estavam em andamento.
A parte do pregão destinada à oferta dos lances pelas empresas concorrentes foi encerrada às 12h20. Ou seja, enquanto o empresário estava no gabinete de Wolney Queiroz para a agenda tornada pública.
Ao longo da tarde, ocorreram negociações para redução do preço oferecido. No dia seguinte, a Provider foi convocada para apresentar a documentação necessária para que encaminhamento do contrato.
Procurado para falar sobre os compromissos no ministério, Perez disse que fez uma visita a um cliente e que não tem que dar satisfação de sua agenda.
O quórum da reunião de Wolney
Outras três pessoas participaram da reunião do dia 22 com Wolney Queiroz e João Perez, segundo os registros públicos: Thiago Magalhães, assessor da presidência do INSS, Geovani Spiecker, diretor de benefícios da autarquia, e Osório Chalegre, assessor jurídico do Instituto de Previdência dos Servidores de Gravatá (PE).
Conterrâneo e homem da confiança de Wolney Queiroz, Chalegre virou secretário-executivo adjunto do Ministério da Previdência um ano depois, em julho de 2024. Ambos aparecem em uma foto feita durante reunião da qual também participou o empresário Antônio Carlos Camilo Antunes, o Careca do INSS, personagem central do escândalo dos descontos associativos.
A imagem, de 12 de janeiro de 2023, quando Wolney era deputado federal pelo PDT de Pernambuco, foi exposta pela CPI do INSS. O ministério já se manifestou sobre a foto dizendo que ela foi feita em uma das várias reuniões de transição de governos para levantamentos sobre estrutura e ações do ministério.

Chalegre foi presidente do instituto de previdência dos servidores de Caruaru (PE) e procurador-geral do município quando o prefeito da cidade era José Queiroz, pai de Wolney.
Procurado para comentar a reunião com a Provider em 2023, Chalegre disse que daria retorno, mas não reapareceu.
A reportagem perguntou ao ministério o porquê de Osório Chalegre, que não tinha cargo no governo, ter participado da agenda de Wolney com o dono da Provider. A pasta disse que ele participou na condição de “colaborador eventual do órgão — condição prevista na legislação -, considerando seus 30 anos de experiência em direito previdenciário e conhecimento técnico na área”. Ele participou de outras reuniões na semana.
Dos demais participantes da reunião de Wolney com o sócio da Provider no dia da licitação, Magalhães atuou na autarquia entre março e agosto de 2023, na transição da presidência de Guilherme Serrano para Alessandro Stefanutto.
Spiecker foi coordenador e diretor entre junho de 2023 e abril de 2025. Ele é um dos servidores afastados do INSS após a primeira fase da Operação Sem Desconto, da Polícia Federal, em abril de 2025.
O ex-assessor disse não se recordar da reunião. A reportagem não conseguiu contato com Spiecker.
A Provider ganhou o contrato para substituir um outro, dela mesma, que estava em vigor desde 2017 e sofreu 15 aditivos, alguns com prorrogações mensais. O último deles foi de dois meses, em 2023, quando a nova licitação foi lançada.
O INSS tem três centrais de teleatendimento, em Salvador (BA), Recife (PE) e Caruaru (PE). A licitação, para as de Salvador e Caruaru, em 2023, se deu na modalidade de pregão eletrônico, uma espécie de leilão ao contrário no qual a empresa selecionada é a que pede o menor valor pelo serviço.
O pregão foi autorizado em março de 2023 pelo então diretor de Orçamento, Finanças e Logística, Alessandro Stefanutto. Alçado a presidente do INSS um mês depois da licitação que teve um lote vencido pela Provider, Stefanutto está preso por envolvimento no esquema de descontos associativos ilegais e suspeitas de recebimento de propina.
Ex-deputado pelo PDT de Pernambuco, Wolney Queiroz assumiu o ministério depois da demissão de Carlos Lupi (PDT), pressionado a deixar o cargo depois da explosão do escândalo do INSS, em maio deste ano. Wolney tem base política em Caruaru, onde o pai dele, José Queiroz (PDT), foi prefeito.
A escolha do número 2 da pasta para a titularidade do ministério foi fortemente criticada pela oposição porque Wolney é da estrita confiança de Lupi e já estava no ministério quando os descontos ilegais ocorriam.
A Central de Atendimento 135, do INSS, é um canal de acesso aos serviços oferecidos pela autarquia. Por meio dela, os beneficiários podem fazer inscrição junto à Previdência Social, pedir orientações, requerer benefícios, agendar atendimento em uma agência, consultar resultado de perícia médica, consultar data de pagamento de benefício, fazer denúncia anônima, entre outros.
Ministério diz que licitação é blindada, mas vai apurar circulação de empresário
O Ministério da Previdência Social informou, em nota, que a reunião de 22 de junho de 2023 com o dono da Provider foi realizada para “para tratar da prestação de serviços” e “avaliar a implementação” de um projeto-piloto de “ligações ativas para confirmação de agendamentos de perícias médicas”.
Esse projeto foi lançado três semanas antes da reunião, em visita do então ministro, Carlos Lupi, e de Wolney Queiroz à Central 135 de Caruaru.
A pasta ressaltou que “não há qualquer indício de irregularidade no pregão” e que a licitação foi objeto de auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU), “que afastou a existência de qualquer irregularidade, tendo arquivado o processo”.
Também frisou que a licitação é “blindada”, de forma que uma interferência externa no processo não seria possível.
“Durante a fase de propostas e lances, o procedimento é integralmente automatizado e anônimo: as empresas são identificadas apenas por códigos gerados aleatoriamente, e os lances são criptografados e registrados de maneira automática. Nem mesmo o pregoeiro, que atua de forma independente e sem qualquer contato externo, tem a capacidade de interromper ou encerrar a disputa de preços, que segue aberta enquanto as empresas permanecerem apresentando lances”, informou.
A pasta também disse que o ministro Wolney Queiroz, a partir das informações apresentadas pelo Estadão, determinou a abertura de uma investigação interna “para apuração da eventual presença de Perez em outras agendas, naquela data, no bloco onde funcionam o Ministério da Previdência Social e o Ministério do Trabalho e Emprego”.
