Um é pouco, dois é bom, três é bigamia
Há alguns anos, chegou ao Brasil uma minissérie que gerou grande polêmica nos Estados Unidos. Produzida por Tom Hanks para a HBO, Big Love — aqui exibida com o título Amor Imenso — mostrava a vida de Bill, um homem casado com três mulheres, com quem teve sete filhos. A história despertou muita curiosidade na época e ainda hoje serve como ponto de partida para entender o que aconteceria, do ponto de vista legal, se uma situação semelhante ocorresse no Brasil.
No enredo, Bill pertence a uma tradição religiosa que admite múltiplos casamentos. Mas, juridicamente, isso não faz diferença. Regras religiosas não podem se sobrepor à lei brasileira, que continua sendo clara e rígida: bigamia é crime. O Código Penal define bigamia como o ato de alguém contrair novo casamento civil sabendo que seu casamento anterior ainda é válido. A pena permanece a mesma: de dois a seis anos de prisão. Já a poligamia — quando alguém se casa civilmente com três ou mais pessoas — é tratada da mesma forma.
E não é só o bígamo ou o polígamo que pode ser punido. Se a segunda — e também a terceira, quarta etc. — pessoa sabia que havia outro casamento em vigor, ela também pode responder criminalmente, com pena de um a três anos de detenção. Além disso, somente o primeiro casamento é válido. Todos os demais são nulos e não produzem efeitos jurídicos.
Por outro lado, bigamia e poligamia só existem quando os casamentos são formalizados no cartório. Se houver apenas cerimônias religiosas, sem registro civil, então, do ponto de vista jurídico, não há casamento algum — portanto, não há bigamia nem poligamia. Isso colocaria as três mulheres de Bill em uma posição extremamente frágil perante a lei brasileira. Nessa hipótese, elas não seriam esposas nem companheiras em união estável, porque a união estável é necessariamente monogâmica. Se um homem mantém vida em comum com três mulheres ao mesmo tempo, não está em união estável com nenhuma delas.
E o que isso significaria, na prática, para essas mulheres? Muita coisa. Como não existe previsão legal para uma relação simultânea desse tipo, nenhuma delas teria direito à herança, a pensão alimentícia, a meação de bens ou a benefícios previdenciários, ainda que tivessem convivido com ele por anos. A lei simplesmente não reconhece — nem protege — uniões paralelas, simultâneas ou poliafetivas.
A única exceção recairia sobre os filhos dessa relação. Estes, sim, teriam seus direitos preservados integralmente, pois a lei brasileira garante proteção e igualdade aos filhos independentemente da forma de relacionamento dos pais.
