ANTT deve quebrar monopólios no transporte rodoviário, diz procurador do MPF
O procurador Fernando Martins, chefe do grupo de trabalho do Ministério Público Federal (MPF) sobre transportes, afirmou que a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) precisa quebrar monopólios no mercado interestadual de passageiros. A declaração foi dada em uma reunião no MPF no último dia 26. Um secretário do Ministério da Justiça e um servidor da própria ANTT também criticaram o marco regulatório do setor de ônibus, implementado há dois anos. Procurada, a agência não respondeu.
Martins afirmou que a agência deve “criar um mecanismo que realmente quebre esses duopólios ou monopólios existentes hoje”. “Para isso, é imprescindível a diminuição real das barreiras regulatórias por parte da agência”, disse o procurador.
“Os receios que a agência muitas vezes apresenta — da possibilidade de uma concorrência eventualmente predatória, ameaça à segurança, à pontualidade e à regularidade das linhas — nunca se concretizam”, completou.
Como mostrou a Coluna do Estadão, em outubro a ANTT abriu uma janela para a entrada de novas empresas de ônibus no mercado para combater o monopólio, mas deixou de fora pelo menos 220 rotas operadas por companhias com indícios de pertencerem a um mesmo dono. Esse cenário traz riscos de um “monopólio indireto”.
Secretário nacional do Consumidor: ‘Setor é muito fechado’
Após as críticas do procurador Fernando Martins à atuação da ANTT, o secretário nacional do Consumidor, Paulo Henrique Pereira, disse considerar que o setor de ônibus “ainda é muito fechado”.
“Na experiência internacional e nos espaços no Brasil em que a gente conseguiu abrir oportunidade de concorrência, o consumidor se beneficiou, com melhores rotas, melhores preços, com serviços de maior qualidade”, completou o secretário do Ministério da Justiça.
Pereira disse ainda que a Secretaria Nacional do Consumidor verificou que há Estados em que “as tarifas aumentaram severamente por regulações que a gente entende que acabaram prejudicando o espaço de concorrência”.
Regras da ANTT têm ‘erros grosseiros’, diz servidor
Servidor de carreira da ANTT atualmente cedido à Secretaria Nacional de Aviação Civil, Felipe Freire foi mais um a contestar o marco regulatório da agência. Segundo o especialista em regulação, de um total de 43 mil mercados — rotas entre duas cidades —, as regras da ANTT se aplicam a apenas três deles.
“Sou servidor da agência e isso me dói muito. A ANTT foi avisada desses erros na audiência pública pelos servidores que elaboraram a proposta e reconheceram esse erro, reconheceram formalmente no processo mas, infelizmente, a ANTT escolheu cometer esse erro. É um erro grosseiro, de uma perspectiva jurídica. É aquele erro que justifica a responsabilização do agente público que o cometeu”.
Freire defendeu ainda que o MPF abra um processo na Justiça para “apurar responsabilidades relativas ao dano ao consumidor, de forma a reverter os prejuízos que o marco regulatório tem causado”.

Superintendente da ANTT cita cortes de verba
O superintendente de Serviços de Transporte Rodoviário de Passageiros da ANTT, Juliano Samôr, mencionou cortes orçamentários “extremamente expressivos” nos últimos dois anos.
“A ANTT vem enfrentando, em 2024 e 2025, cortes orçamentários extremamente expressivos. Só a Supas (Superintendência de Serviços de Transporte Rodoviário de Passageiros) perdeu algo de 50% de seu quadro de pessoal”.
Ainda de acordo com o superintendente do órgão regulador, houve um cenário de “paralisia operacional”, com impacto em sistemas vitais para a abertura de mercados no setor de transporte interestadual de passageiros.
“Diversos sistemas indispensáveis ao processo coletivo da janela, especialmente aqueles responsáveis pela consolidação de dados operacionais, cálculos de índice, indicador de viabilidade, nível de concorrenciais, limites de participação de mercado, tiveram suas entregas postergadas ou sofreram de alguma maneira interrupções, ou seja, uma configuração concreta de paralisia operacional”.
MPF já apontou privilégio a empresas tradicionais de ônibus
No ano passado, quando o marco regulatório da ANTT começou a ser implementado, um parecer do MPF apontou que as novas regras davam “privilégio injustificado” a gigantes do transporte rodoviário.
