Promotores pedem socorro ao Senado contra ‘retrocesso’ patrocinado por Motta na lei antifacção
Não adianta dizer que se trata de narrativa. Ou de que tudo é invenção do Planalto. Hugo Motta e os açodados deputados que votaram o projeto de lei antifacção e buscam impor o mesmo ritmo frenético aos senadores deveriam ler o artigo do procurador-geral de Justiça, Paulo Sérgio de Oliveira e Costa, e dos promotores Lincoln Gakiya e Aluísio Antonio Maciel Neto, do Ministério Público de São Paulo, publicado no Blog do Fausto Macedo.
Primeiro porque entre os autores estão alguns dos responsáveis pelas mais importantes ações contra o crime organizado no País. Não é à toa que Gakiya tem a cabeça a prêmio pelo PCC. Eles elogiam os avanços do projeto. Listam a ação civil autônoma de extinção de domínio, a criação do crime de domínio social estruturado, a repartição entre União e Estados dos bens apreendidos, o endurecimento da progressão de regime carcerário e os instrumentos de cooperação e inteligência. Só então abordam o retrocesso patrocinado por Motta.

Dizem: “A retirada de parte dos homicídios da competência do Tribunal do Júri para levá-los às Varas Criminais Colegiadas. Homicídios de organizações criminosas ultraviolentas, milícias ou grupos paramilitares, quando ligados ao domínio social estruturado, deixam de ser julgados pelo povo.” Fatia-se por lei ordinária, apesar da Constituição, a competência do júri.
E explicam por que isso ajudará os bandidos: “Pelo Tema 1.068 do STF, as condenações do júri admitem execução imediata. Nas mortes praticadas por organizações criminosas, isso significa resposta penal mais célere do que em grande parte dos processos decididos por juízes togados.” E prosseguem: “O projeto cria efeito colateral pouco discutido: abre-se espaço para que tribunais superiores se debrucem, por anos, sobre a valoração da prova travestida de discussão jurídica, em recursos sucessivos e protelatórios, empurrando o trânsito em julgado para muito adiante e permitindo, não raro, que penas só comecem a ser cumpridas décadas depois do crime (se cumpridas).”

Ou seja, em vez da resposta célere que hoje se obtém no júri, corre-se o risco de ampliar a impunidade. Os autores mostram a solução: “Se o problema é segurança, a solução já está ao alcance do legislador, sem necessidade de expulsar o povo do julgamento, com o uso de videoconferência, o anonimato dos jurados e o fortalecimento do desaforamento.” Citam o caso do chefão do PCC julgado e condenado pelo júri em 2025 em ambiente remoto. O que protegeu o processo não foi a retirada do júri, mas a tecnologia a serviço da Justiça. Concordar com os autores do artigo significa, em última análise, não fazer o jogo do crime organizado.
