Construtora repassou dinheiro desviado de emendas para irmão de deputado, diz relatório do COAF
Relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF) indica que recursos supostamente desviados de emendas de autoria do deputado Robério Monteiro (PDT-CE) para obras do DNOCS (Departamento Nacional de Obras Contra Secas) foram repassados pela Construmaster Construções e Locação de Máquinas Ltda a um irmão dele, Elizeu Monteiro, ex-prefeito de Itarema, no litoral do Ceará, a 204 quilômetros de Fortaleza. Parte do dinheiro teria sido ‘redirecionada’ ao próprio Robério, diz investigação da Polícia Federal.
A reportagem do Estadão pediu manifestação de Robério, da Construmaster, do DNOCS e busca contato com outros citados. O espaço está aberto.
A região é um velho reduto político de Robério. O próprio deputado foi prefeito de Itarema. No pleito municipal de 2024, ele elegeu o filho, Robério (PSB), prefeito de Itarema. Robério Filho substituiu o tio, Elizeu, na gestão municipal. A mulher do parlamentar, Ana Flávia Monteiro (PSB), foi eleita prefeita de Acaraú, também no litoral.

O relatório COAF foi encartado aos autos da Operação Fake Road, deflagrada pela Polícia Federal e Controladoria-Geral da União na sexta, 28, por ordem do ministro Flávo Dino, do Supremo Tribunal Federal.
O parlamentar não foi alvo da Operação, cujos agentes fizeram buscas em onze endereços dos suspeitos. Mas o nome dele é amplamente citado no inquérito.
As investigações, segundo Dino, ‘adicionalmente, apontam que parte das verbas do contrato para beneficiar municípios na Bahia foi redirecionada para atender dois municípios cearenses, geridos por familiares do deputado federal Robério Monteiro, a pedido deste’.
De acordo com a Controladoria-Geral da União, o proprietário da Construmaster, a principal empresa contratada, ‘realizou transferências financeiras a um irmão do mesmo deputado, parte dos quais para ele redirecionada’.

“As investigações, lastreadas em auditorias da Controladoria-Geral da União, sugerem fortes indícios de superfaturamento, execução parcial ou inexistente de serviços integralmente custeados, utilização de documentação forjada (aferições fictícias), medições replicadas, má qualidade dos serviços e falhas graves na fiscalização do DNOCS, a indicar o conluio de servidores públicos”, destaca o ministro.
Dino decretou a quebra dos sigilos bancário, fiscal, telemático e de dados telefônicos ‘das pessoas físicas e jurídicas investigadas, conforme rol apresentado pela autoridade policial’. “Todo esse contexto justifica o aprofundamento das investigações”, anotou o ministro.
Para ele, ‘o acesso a esses dados é crucial para rastrear o fluxo financeiro dos recursos desviados, identificar o destino dos valores e comprovar a titularidade dos bens adquiridos, correlacionando-os com as demais provas já existentes nos autos’.
Ao autorizar a incursão da PF aos endereços dos alvos da Operação Fake Road, o ministro enfatizou. “A busca e apreensão, por sua vez, é medida urgente e necessária para evitar a destruição ou ocultação de provas ainda não colhidas, sendo fundamental para a apreensão de documentos, eletrônicos, mídias digitais e outros objetos que possam conter informações relevantes para a elucidação dos fatos.”

A Operação Fake Road reúne dois inquéritos que tramitam sob a relatoria de Dino, ambos inaugurados a partir de informações encaminhadas pela Controladoria-Geral da União relativas a licitações, contratos do DNOCS e obras que receberam o aporte de emendas parlamentares.
Conluio
“As auditorias identificaram indícios de graves irregularidades na execução de contratos, atribuídos às empresas contratadas, mas com suntuosos indicativos de participação/associação de agentes públicos”, anota o ministro. “Apontaram indícios de superfaturamento, execução parcial ou inexistente de serviços, além de falhas na fiscalização contratual que indicaram haver algum tipo de conluio entre servidores do órgão e as empresas beneficiárias.”
O Relatório de Avaliação nº 1705860/2024 anexado aos autos da Operação Fake Road foi centrado na execução de obras no Ceará, municípios de Itarema e Aracaú, ‘os quais teriam sido originados em uma demanda parlamentar específica’, fato revelado pelo próprio DNOCS.

“A alocação de serviços nesses municípios decorreu de demanda parlamentar do deputado Robério Monteiro (PDT/CE)”, pontua o ministro. “Tal diagnóstico, é bom que se grife, decorre de uma análise intrincada dos documentos disponíveis nas plataformas de transparência e dos dados obtidos em pesquisas na internet. Todavia, ao mesmo tempo, a análise sintomatiza a ausência de transparência concreta do uso das emendas parlamentares e na destinação de recursos públicos.”
Um detalhe chamou a atenção do ministro do STF. “Ocorre que os recursos que contemplaram o contrato nº 49/2023 não mantêm vinculação com emendas parlamentares, ao menos de maneira formal e documentada nas notas de empenho veiculadas. O empenho de recursos de emenda parlamentar de comissão somente veio a ser formalizado a partir da Nota de Empenho 2023NE000457, que financiou o contrato nº 82/2023, publicado apenas em 23 de dezembro de 2023 e em valor superior aos R$ 8,5 milhões.”
Segundo a investigação, a demanda parlamentar deu ensejo a ‘uma manobra administrativa pouco usual’, que viabilizou a formatação do contrato nº 82/2023. “A CGU pontuou que a aparente ausência de um planejamento correto para realização do Pregão nº 19/2022, notadamente pela repactuação dos preços para o Estado do Ceará, implicou em maiores custos ao erário”, ressalta o ministro.
Loteamento
Técnicos da CGU estimam que os prejuízos bateram em R$ 6,84 milhões, ‘decorrentes de falhas no planejamento, medição de serviços em quantidades não realizadas e superfaturamento de serviços de imprimação’.
Segundo a Operação Fake Road, o DNOCS avalizou acréscimo de R$ 8,5 milhões aos serviços a partir de demanda de Robério Monteiro. Todavia, o contrato nº 49/2023, no valor de R$ 8,5 milhões, foi assinado antes da efetiva liberação da emenda parlamentar que previu R$ 15,8 milhões e que redundou no contrato nº 82/2023.

“O aparente ‘cruzamento’ de demandas financeiras e de serviços escancara a forma pouco clara e transparente pela qual são destinadas e utilizadas as emendas parlamentares”, assevera Flávio Dino. “Ao que tudo indica, os valores dedicados pelo deputado foram loteados a partir do direcionamento de uma emenda de Comissão (em valor superior); todavia, o valor atribuído ao trabalho do parlamentar coincide com o valor de um contrato anterior, que teoricamente não contou com recursos de emenda.”
“Aparentemente, portanto, houve um cruzamento de demandas e manipulação documental da destinação de recursos, que expõem aspectos inclinadamente espúrios na construção contratual realizada pelo DNOCS”, diz o ministro.

Segundo ele, ‘para atender a uma demanda de R$ 8,5 milhões do parlamentar, o DNOCS ampliou o objeto de contratação para o Estado do Ceará a partir do contrato nº 82/2023 (que previu quase o dobro desse valor em obras), o que, na prática, demonstra que não havia qualquer controle quanto ao que seria executado em cada contrato (afinal de contas, a empresa contratada era a mesma)’.
“Suplementarmente, é de se registrar a existência de indícios substanciais de que o deputado federal Robério Monteiro tenha participado, pelo menos, do processo de desvio depurado no inquérito 4992, notadamente a partir dos indícios de beneficiamento político a partir do direcionamento dos recursos encaminhados via emenda de comissão.”
