Mensagens manuscritas
Sou do tempo em que as meninas tinham álbuns de recordações, nos quais as pessoas queridas escreviam mensagens. Tempos idos e vividos, que não voltam mais. Hoje é tudo whatsApp, quando é. Era de mojis, com figuras exprimindo aquilo que a perda cognitiva já não consegue exprimir em linguagem inteligível.
Também era comum que houvesse um registro de visitantes ilustres a lugares que mereciam observação encomiástica de quem tivesse a honra de frequentá-los. Tive o privilégio de frequentar a Fazenda “Campo Verde”, de Dulce e Victor Geraldo Simonsen, que recebiam celebridades e todas elas eram convidadas a deixar suas impressões no livro de visitas da herdade. Onde foi parar esse livro?
Também havia naquela magnífica experiência de mecenato e proteção à natureza, o “Pavilhão da Música”, onde artistas deleitavam os convivas com especialíssimos e exclusivos concertos. A porta do lavabo era o lugar onde esses famosos deixavam suas assinaturas. Ali havia virtuoses brasileiras como Guiomar Novaes, Anna Stella Schic, Yara Bernet, Antonieta Rudge, mas também nomes como Susan Hayward, Jeff Chandler, Anita Eckberg, Joan Crawford e outros consagrados astros e atrizes do cinema de Hollywood.
A Fazenda “Campo Verde” era um cartão de visitas para autoridades que passassem por Jundiaí. No primeiro mandato de Walmor Barbosa Martins, Dulce encarregou-se de fazer o Encontro Jundiaiense de Artes e recebia jurados e artistas em sua fazenda, sem nada exigir da Prefeitura. Ao contrário, quantas vezes, diante da escassez hídrica, o Prefeito não foi solicitar que Victor liberasse um pouco d’água de sua represa para atender às necessidades jundiaienses.
Nunca mais existirá uma experiência assim. Nos Carnavais e Reveillons, o casal chegava a receber mais de 500 pessoas. Todas acomodadas, bem servidas e até abastecidas de combustível para seus carros. Quando haverá alguém com tamanha disponibilidade e desprendimento? Tudo praticado pelo prazer no exercício da arte de bem receber. Sem qualquer interesse, sem nada pedir em troca. Algo extraordinário e hoje inexistente.
Lembra o livro de visitas da fazenda “Santa Genebra”, repositório precioso de assinaturas, juízos, opiniões e autógrafos sem similar no Brasil. A filha mais velha do Barão Geraldo de Resende, Amélia de Resende Martins, viúva de João de Assis Lopes Martins, publicou um livro com dados minuciosos sobre a nobre figura de seu pai: “Um idealista realizador”, editado em 1939. Nele reproduziu mais de uma centena de assinaturas, escolhidas no mais de um milhar contidas no livro.
De 1884 a outubro de 1907, data em que o Barão faleceu, não fez outra coisa aquele fidalgo de alta linhagem e senhoril aspecto, senão embelezar sua fazenda e nela acolher gente ilustre, de dentro e de fora do País. A melhor propaganda que um governo poderia fazer.
Assim é que ali se encontram os autógrafos do Conde d’Eu, em novembro de 1884, o do Contre-Amiral Fournier, da Marinha de Guerra francesa, Comte de Lalain, Ministro de Sua Majestade o rei dos belgas, W. T. Townes, Cônsul americano no Rio, ministros da Alemanha, Inglaterra, França, Bélgica, Rússia, Itália, Argentina, Repúblicas de toda a América, Japão, Espanha, Portugal. Em suma, todos os países do mundo tiveram representantes que vieram conhecer a Fazenda “Santa Genebra”, em Campinas, assim como se perdeu a memória de quantas pessoas visitaram a Fazenda “Campo Verde”, no limite entre Jundiaí e Jarinu.
O livro de Santa Genebra terminou com a assinatura dos colonos que ali viviam, depois de carregar o esquife do patrão, o Barão Geraldo de Resende, em 1º de outubro de 1907. Também estiveram na missa de sétimo dia, celebrada na Matriz Velha de Campinas, pelo então vigário, Francisco de Campos Barreto, que assumiria o bispado em 1920, após a morte do primeiro bispo, Dom João Batista Correia Neri.
Os garranchos dos rústicos agricultores sucederam as assinaturas do Visconde do Rio Preto, Rui Barbosa, Campos Sales, Antonio Prado e tantos outros brasileiros ilustres.
A filha do barão, D. Amélia, ao encerrar a biografia do pai, selecionou uma expressão do Padre Antônio Vieira: “Se servistes vossa pátria e ela vos foi ingrata, fizestes o que devíeis, e ela o que costuma…”. Algo que serve também para o casal de mecenas Dulce e Victor Geraldo Simonsen.
