Para salvar pescoço de ministros do STF, Gilmar planta uma jaboticabeira nas regras de impeachment
O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, usou a caneta para mexer na lei do impeachment. A legislação é de 1950, mas parece que de uma hora para outra virou questão de honra deixar claro que as regras sobre o afastamento de ministros do STF caducaram.
A validade da lei foi questionada pelo Solidariedade e pela Associação dos Magistrados do Brasil. Ambos consideram essa legislação démodé. Ou, para repetir o jargão jurídico, essa lei, segundo os autores da ação remetida ao Supremo, não teria sido “recepcionada” pela Constituição de 1988 e parte de suas regras não deveriam valer mais.

A parte atacada da legislação do século passado trata do processo de impedimento de ministros do Supremo Tribunal Federal. O partido e a entidade de juízes pediram e Gilmar canetou.
De acordo com a decisão, o Senado não pode mais aprovar impeachment de ministro do STF com quorum baixo. A lei de 1950 fala em maioria simples (metade dos presentes + um). Gilmar defendeu quorum qualificado de 2/3 dos 81 senadores. Se antes qualquer cidadão poderia pedir impeachment de ministro do Supremo, agora esse poder é só do procurador-geral da República.
O ministro Gilmar Mendes é conhecido por mais abrir do que fechar portas. Foi ao STF pelas mãos de Fernando Henrique, já se deu com Fernando Collor, conversou com Lula e foi reunir-se com Bolsonaro em momentos de crise.
Mas, na qualidade de decano, o mais antigo da corte, coube a ele fazer o que ele mesmo sempre condenou: plantar uma jaboticabeira nas regras do impeachment. Gilmar costumava reclamar e escancarar que uma ou outra iniciativa tinha jeito de jaboticaba, uma invenção brasileira estranha as regras em vigor.
Ao propor um quorum qualificado para o afastamento de ministros do STF, o ministro propõe uma regra que hoje não existe. É como uma emenda Gilmar à lei do impeachment. A proposta tem até um paralelo que há justifique: se para aprovar um nome para o STF é preciso de maioria qualificada, para tirá-lo de lá a regra deveria ter o mesmo rigor.
As outras duas propostas da emenda Gilmar não parecem ter um paralelo de comparação. Primeiro, agora um cidadão qualquer está privado de peticionar pelo afastamento de ministro do STF. Segundo, só quem deve ter esse poder é o procurador-geral, aquele que nos intervalos da sessões no Supremo compartilha do café, suco, chás e frutas com os magistrados.
As duas propostas de Gilmar vão na direção de maior rigor para se retirar um magistrado do STF. Quer ele impedir que a politicagem que varia como vento sirva para ameaçar a independência da Corte e de seus juízes.
Ocorre que quando se erra a medida, a massa do bolo pode desandar. E pode ser que o ministro tenha produzido uma geleia de jaboticaba para salvar o pescoço dos colegas que possam vir a ser alvo de políticos descontentes com o tribunal e suas decisões.
Considerando que até hoje a lei de 1950 não foi usada para cassar ninguém no STF, pode haver no horizonte da política algo que que talvez Gilmar já tenha antevisto e que o levou a ir tão longe na sua decisão.
