Congresso aprova sem alarde doação de dinheiro e benesses no meio da campanha eleitoral em 2026
BRASÍLIA — O Congresso Nacional aprovou nesta quinta-feira, 4, sem alarde, a possibilidade de doação de dinheiro e bens no meio da campanha eleitoral de 2026, contrariando a legislação eleitoral. A manobra foi aprovada no Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) junto com um calendário de repasse de emendas antes das eleições.
Na prática, a medida dá poder ao governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para efetuar doação de bens, valores e benefícios como cestas básicas, tratores, ambulâncias e outras benesses no meio da campanha. A mesma prática foi adotada no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) em 2022, como revelou o Estadão na época.
O dispositivo diz que as doações de bens e valores não configurarão descumprimento do chamado “defeso eleitoral” — que proíbe a transferência de recursos e doação de bens três meses antes da eleição. No entendimento de técnicos do Congresso, a medida alcança até mesmo o pagamento de projetos bancados com emendas parlamentares.

A única exigência é que haja uma contrapartida do município ou da entidade que vai receber o recurso, que muitas vezes é a disponibilização de um terreno ou uma contrapartida financeira mínima. Teoricamente, a lei eleitoral deve prevalecer em todas as eleições, mas a medida tenta driblar a legislação por meio da LDO, que define as regras para a execução do Orçamento da União em um ano específico.
O texto da LDO foi aprovado em acordo com o governo e acompanhamento de perto por caciques do Congresso. O presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), ficou nos bastidores e negociou os principais pontos com a ministra da Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República, Gleisi Hoffmann. O ex-presidente da Câmara Arthur Lira (PP-AL) foi ao plenário da Comissão Mista de Orçamento, na quarta-feira, 3, para acompanhar a votação no colegiado, antes do plenário — normalmente, Lira não participa dessas votações.
“É compra de voto disfarçada. Esse artigo é uma vergonha. Esse artigo depõe contra a administração pública”, afirmou a deputada Adriana Ventura (Novo-SP), criticando a medida. Os demais parlamentares não comentaram. “Querem comprar voto na cara dura, e com dinheiro público.
Acordo entre governo e Congresso envolve pagamento de até R$ 19 bi em emendas antes das eleições
Além da doação de dinheiro e bens no meio da campanha, o Congresso e o governo combinaram um calendário de pagamento de emendas antes do período eleitoral.
O acordo envolve o pagamento de até R$ 19 bilhões em emendas parlamentares no primeiro semestre de 2026, antes das eleições, com calendário pré-definido, para abastecer redutos eleitorais dos congressistas.
A cifra corresponde a um pagamento de emendas com menor controle após o Supremo Tribunal Federal (STF) ter exigido maior transparência, rastreabilidade e respeito às regras fiscais e ter em andamento uma série de investigações envolvendo deputados, senadores e emendas.
O calendário foi aprovado no projeto da LDO de 2026 de forma inédita. Pela proposta, o governo será obrigado a pagar 65% das emendas Pix e das emendas individuais e de bancada que transfiram recursos para fundos de saúde e assistência social, um total estimado em R$ 12,7 bilhões.
A cúpula do Congresso Nacional negociou também com o governo — sem colocar na lei — o pagamento de metade das emendas de comissão para saúde e assistência no mesmo período, o que deve garantir até R$ 6,1 bilhões antes da campanha eleitoral — o número final dependerá da parcela de recursos aprovada no Orçamento.
Com o acordo, os parlamentares receberam uma garantia do Executivo para o pagamento de emendas prioritárias antes das eleições. O valor final pode ser até maior, pois o governo também pode pagar outras emendas que já estejam prontas e aprovadas para serem transferidas e ainda recursos que ficaram pendentes de anos anteriores. Nas eleições de 2024, o valor pago antes das eleições chegou a R$ 30 bilhões.
Em troca do calendário, o Congresso permitiu que o Poder Executivo persiga o piso da meta fiscal em 2026, e não o centro, liberando na prática mais gastos e evitando um congelamento de despesas que poderia chegar a R$ 34 bilhões. Até combinar o cronograma, o Legislativa mantinha no relatório da LDO a obrigação de um ajuste maior, pelo centro da meta, pressionando o governo a concordar com o pagamento de emendas antes das eleições.
“O Congresso Nacional não queria impor o pagamento das emendas parlamentares, o Congresso Nacional queria apenas dialogar com o Executivo para ter um pequeno valor, que esse valor pudesse dar previsibilidade, planejamento aos gestores”, disse o relator do PLDO, deputado Gervásio Maia (PSB-PB), no plenário.
Além do calendário, os parlamentares aprovaram na PLDO outras regras que agilizam o pagamento de emendas e diminuem o controle sobre os recursos, como a possibilidade de liberação de verbas sem a aprovação de projetos de engenharia e o uso de emendas de bancada e comissão para pagamento de pessoal na área de saúde — contrariando a Constituição e um entendimento do Tribunal de Contas da União (TCU).
