Impeachment, golpe e democracia: a caducidade da Lei 1.079 e o alerta do STF
O Brasil viveu, em 2016, um dos momentos mais delicados de sua história recente, o processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff. O debate reacendeu velhas questões sobre a legitimidade da Lei 1.079, de 1950, que disciplina os crimes de responsabilidade.
Essa lei nasceu sob a Constituição democrática de 1946, mas foi atravessada por uma ruptura institucional profunda – o golpe militar de 1964. Durante o regime de exceção, não havia espaço para responsabilizar presidentes militares por crimes de responsabilidade. O Congresso podia ser fechado a qualquer tempo, partidos cassados, direitos fundamentais suspensos. A Lei 1.079, embora formalmente existente, estava de fato expurgada do sistema jurídico.
Com a redemocratização e a Constituição de 1988, o impeachment voltou ao cenário político, como ocorreu em 1992 com Fernando Collor. Mas a questão central permaneceu, seria legítimo aplicar uma lei concebida em outro contexto histórico, sem atualização para a nova ordem constitucional?
A resposta começa a ser dada agora pelo Supremo Tribunal Federal. Em decisão recente, o ministro Gilmar Mendes reconheceu que a Lei 1.079 “caducou” em vários de seus dispositivos, não tendo sido integralmente recepcionada pela Constituição de 1988. Entre os pontos mais relevantes, o ministro restringiu a legitimidade ativa para propor impeachment à Procuradoria-Geral da República, afastando a previsão de que qualquer cidadão pudesse fazê-lo.
Esse posicionamento reforça uma crítica que há muito se fazia: aplicar a Lei 1.079 sem considerar o golpe de 1964 e a Constituição de 1988 é suprimir da história a ruptura institucional e legitimar, por via indireta, um período autoritário como se fosse democrático.
O impeachment é um instrumento grave, que só pode ser utilizado com base em normas claras, atuais e compatíveis com a ordem constitucional vigente. Usar uma lei caduca, sem revisão legislativa, é correr o risco de transformar o processo em arma política, em vez de mecanismo de defesa da democracia.
O alerta do STF é claro. É hora de o Congresso Nacional assumir sua responsabilidade e atualizar a legislação sobre crimes de responsabilidade, para que o país não continue a viver sob a sombra de uma lei que já não dialoga com a realidade constitucional brasileira.
