8 de dezembro de 2025
Politica

Gestão Lula usa perfis do governo para defender bandeiras, pressionar Congresso e atacar adversários

A gestão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tem usado perfis institucionais do governo nas redes sociais para defender agendas do Palácio do Planalto, fazer contraponto a decisões do Congresso e criticar adversários.

Especialistas ouvidos pelo Estadão divergem sobre a legalidade da estratégia. Parte avalia que as publicações podem configurar propaganda pública irregular. Outros sustentam que não há vedação expressa na Constituição a manifestações políticas em perfis oficiais.

Procurada, a Secretaria de Comunicação Social (Secom) do governo federal, responsável pelas publicações nas redes, afirmou que elas observam estritamente o que determina a Constituição e negou que faça ataque ou crítica a adversários políticos. “A divergência entre Poderes faz parte da dinâmica democrática. Manifestar a posição institucional do Executivo — inclusive quando distinta da adotada por outros entes federativos ou pelo Legislativo — não constitui propaganda irregular, desde que não haja personalização, promoção política ou pedido de voto, o que não ocorre em nenhuma das peças citadas”, diz a Secom em nota. Veja a íntegra abaixo.

Um dos exemplo do tom adotado pelo governo Lula é um vídeo publicado um dia após a megaoperação policial no Rio de Janeiro. A peça critica a ação da gestão de Cláudio Castro (PL), afirma que operações como essa “colocam policiais, crianças e famílias inocentes em risco” e que a morte de mais de uma centena de pessoas “não adianta nada no combate ao crime”.

O presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva (PT)
O presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva (PT)

“Para combater o crime, precisa mirar na cabeça — mas não de pessoas. Tem que atacar o cérebro e o coração dos grupos criminosos, como o governo do Brasil fez em agosto, desmontando um esquema que ia da venda de drogas ao maior centro financeiro do País. Combate ao crime, para funcionar, precisa de mais inteligência e menos sangue”, diz o vídeo, que cita a PEC da Segurança Pública como solução. A peça somou 70,9 milhões de visualizações no Youtube, e dados da Meta mostram que o governo gastou mais de R$ 1 milhão para impulsionar o vídeo no Instagram.

Edvaldo Barreto Jr., advogado especializado em comunicação pública, explica que a publicidade oficial se divide em duas frentes: a de utilidade pública, com orientações diretas à população, como as campanhas de vacinação, e a institucional, voltada à prestação de contas. Ele lembra que atos da Secretaria de Comunicação Social determinam que esse tipo de conteúdo deve ter sempre um caráter informativo.

No vídeo sobre a megaoperação, há um trecho informativo, em que o governo apresenta ações que diz adotar contra o crime organizado, como a PEC da Segurança Pública e a Operação Carbono Oculto

“Na primeira parte do vídeo, porém, a postura do governo não foi de informar, mas de se posicionar sobre o que ocorreu no Rio de Janeiro, o que transborda os limites da publicidade governamental regular”, explica Barreto Jr..

A comunicação oficial também tem sido usada para defender bandeiras do governo e pressionar o Legislativo a aprovar suas pautas.

No dia da votação da proposta para zerar o Imposto de Renda de quem ganha até R$ 5 mil, o perfil institucional do governo afirmou haver “risco” de os deputados derrubarem a compensação financeira da medida para proteger os super-ricos. Segundo o post, isso prejudicaria “milhões de trabalhadores”, porque, sem a compensação, “vai faltar dinheiro para manter e melhorar programas sociais”. A publicação convoca os seguidores a fazerem “barulho nas redes” e dizerem “em alto e bom som para os deputados” que apoiam a isenção e a compensação.

Em outra publicação no mesmo dia, o governo resumiu a votação a uma escolha entre dois lados: apoiar a isenção do IR seria defender “investimentos em saúde e educação”; rejeitá-lo significaria defender “menos impostos para super-ricos”. “Essa escolha é fácil, mas parece que alguns deputados precisam de uma forcinha pra decidir. Bora fazer barulho nas redes?”, diz a legenda.

Uma terceira mensagem ainda condiciona o “merecimento” do voto do parlamentar ao apoio à proposta.

“Convocar seguidores a “fazer barulho nas redes” e pressionar os deputados não é comunicação pública, é mobilização política. Além disso, cria-se uma dicotomia moral (“quem apoia protege trabalhadores; quem é contra protege super-ricos”), algo totalmente incompatível com a neutralidade exigida de um órgão estatal”, Welington Arruda, mestre em direito pelo IDP e especialista em Gestão Pública.

Críticas ao Congresso

Em outros momentos, o governo adotou um tom ainda mais duro contra o Congresso, com quem entrou em rota de colisão recentemente. Na discussão sobre o PL Antifacção, postagens afirmam que o projeto foi criado pelo governo para “sufocar as facções criminosas”, enquanto os “relatórios apresentados na Câmara dos Deputados vão na direção contrária”.

“A quem interessa dificultar o combate às facções?”, questiona um dos vídeos, dizendo que o PL Antifacção não pode virar “PL anti-investigação”.

“As peças sugerem que relatórios apresentados na Câmara estariam na “direção contrária” e favoreceriam facções criminosas. Esse tipo de mensagem transforma um debate legislativo complexo em um embate político direto, colocando o Parlamento no papel de antagonista da “política correta” do Executivo. Não há caráter informativo, e sim retórica de confronto”, diz Arruda.

Uma publicação sobre vetos do governo ao PL do Licenciamento Ambiental dizia que o projeto foi aprovado no Congresso com “pontos que vão contra o interesse público e até ferem a Constituição brasileira”. Já em uma peça a favor do fim da escala 6×1, o governo sugere que quem defende esse modelo “acha que o lucro vem antes da vida” e “esquece que o corpo e a mente também cansam”.

Ao Estadão, por meio de sua assessoria, o presidente da Câmara, Hugo Motta, comentou o teor das mensagens do governo que miram o Congresso. Ele enfatizou a importância da comunicação institucional, mas também citou “desinformação premeditada” como um risco.

“A comunicação institucional pública é essencial para a manutenção do bem-estar social porque organiza fatos, tira dúvidas, cria pontes de confiança e fortalece a nossa democracia. Quando o Estado comunica com transparência, a população compreende decisões, participa das soluções e se sente parte do processo. O oposto disso — a desinformação premeditada — aprofunda tumultos, espalha insegurança e sabota o caminho de desenvolvimento do Brasil”, afirmou.

Barreto Jr. explica que o governo poderia, por exemplo, fazer uma peça esclarecendo o que é a escala 6×1 e qual o impacto dela na vida das pessoas. Esse tipo de conteúdo teria caráter informativo e, por isso, seria permitido. O que não pode, na avaliação dele, é adotar tom político.

“Tomar partido, dizendo ser contra ou a favor de determinada pauta, se torna uma manifestação política”, diz ele. Em relação às publicações que citam o Congresso, o advogado afirma que a comunicação pública deve ser utilizada com o objetivo de informar a população, e não dar indiretas a outros Poderes.

Arthur Rollo, advogado especialista em Direito Público e Eleitoral, afirma que as postagens violam o parágrafo primeiro do artigo 37 da Constituição por não terem caráter “educativo, informativo ou de orientação social”.

“O governo está usando a publicidade institucional, paga com dinheiro público, para massificar e doutrinar a população sobre suas ideias, e não para informar.”

A leitura de que as postagens são irregulares não é unânime. Para a professora de Direito Ana Laura Pereira Barbosa, da ESPM, a Constituição não proíbe manifestações políticas e nenhum governo é ideologicamente neutro.

Na avaliação dela, informar, pelas páginas oficiais, o andamento de propostas do Executivo no Congresso se enquadra no caráter educativo e informativo previsto no artigo 37, ainda que as publicações sejam parciais.

Ana Laura também contesta a interpretação do parágrafo primeiro do artigo 37: “O objetivo é impedir autopromoção de autoridades, não limitar a publicidade apenas a atos, programas, obras ou serviços. Ler o dispositivo dessa forma é uma distorção.”

Fernando Neisser, professor de Direito Eleitoral da FGV-SP, também não vê irregularidade. “O que se tem é o governo investindo em defender suas pautas encaminhadas ao Legislativo. Não acredito que isso, por si só, viole o artigo 37”, afirma. Ele lembra que o STF já admitiu gasto de publicidade institucional para apoiar propostas legislativas. “A comunicação dos parlamentares também é custeada com recursos públicos e está sujeita às mesmas limitações do governo.”

Veja a íntegra da nota da Secom:

“As publicações feitas nos perfis institucionais do Governo Federal observam estritamente o que determina o art. 37, §1º, da Constituição, que exige que a comunicação pública tenha caráter educativo, informativo ou de orientação social, vedada a promoção pessoal de autoridades.

A comunicação governamental tem o dever de prestar contas à sociedade, explicar políticas públicas, esclarecer impactos de decisões legislativas e administrativas e orientar a população sobre temas de interesse coletivo. Esse dever decorre dos princípios da publicidade, transparência, moralidade e eficiência, que norteiam toda a Administração Pública.

As peças mencionadas na consulta não fazem promoção pessoal de agentes públicos, não utilizam nomes, imagens ou slogans de autoridades. O conteúdo apresenta, de forma clara, posicionamentos oficiais do Governo Federal sobre políticas públicas, projetos de lei, vetos, dados orçamentários, impactos sociais e medidas de segurança, temas que são inerentes à atuação estatal e de alto interesse da sociedade.

Da mesma forma, não há qualquer ataque ou crítica a adversários políticos nas publicações mencionadas. As peças não utilizam nomes, imagens ou referências a opositores, nem fazem personalização ou promoção de agentes públicos. Todo o conteúdo é impessoal e institucional, conforme exigido pela Constituição.

É importante destacar que a Constituição e a legislação não proíbem que o governo explique suas posições institucionais. Ao contrário: a comunicação pública deve contextualizar decisões, apresentar argumentos técnicos e informar a população sobre consequências práticas de alternativas em discussão, especialmente quando envolvem políticas sociais, tributárias, ambientais ou de segurança pública.

A divergência entre Poderes faz parte da dinâmica democrática. Manifestar a posição institucional do Executivo — inclusive quando distinta da adotada por outros entes federativos ou pelo Legislativo — não constitui propaganda irregular, desde que não haja personalização, promoção política ou pedido de voto, o que não ocorre em nenhuma das peças citadas.

Portanto, todas as publicações citadas se inserem no exercício legítimo da comunicação pública, cumprem a finalidade constitucional de informar e orientar a sociedade e não configuram qualquer irregularidade.”

 

 

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