8 de dezembro de 2025
Politica

Gilmar Mendes e o STF estão descontrolados

Gilmar Mendes, ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), está descontrolado. Não só ele. Outros integrantes da corte máxima do país também estão. Não se trata aqui de descontrole emocional, psicológico ou comportamental. O problema não é individual, mas, sim, institucional. O STF está fora de controle, e não é de agora.

A gota d’água foi a liminar concedida por Mendes, na quarta-feira passada, que revogou regras para pedidos de impeachment de ministros do Supremo previstas em lei há 75 anos. Com uma canetada, apenas o procurador-geral da República poderá apresentar uma denúncia para que se inicie o processo de afastamento de um ministro do STF.

O corporativismo da decisão foi escancarado em fala de outro ministro, Flávio Dino. Numa tentativa de justificar o ato do colega, Dino afirmou que há um número exagerado de pedidos de impeachment contra ministros do STF no Senado, mais precisamente 81, e que isso exigia uma revisão da lei, pois nenhum outro país do mundo enfrenta algo semelhante. E mais: que isso servisse para o Congresso Nacional se mobilizar para mudar a lei — como fica óbvio na fala de Dino, em prol da blindagem dos magistrados.

Numa tentativa de justificar o ato de Gilmar Mendes, Flávio Dino afirmou que há um número exagerado de pedidos de impeachment contra ministros do STF no Senado
Numa tentativa de justificar o ato de Gilmar Mendes, Flávio Dino afirmou que há um número exagerado de pedidos de impeachment contra ministros do STF no Senado

Curioso que a canetada de Mendes, defendida por Dino, não tenha mudado também as regras para pedidos de impeachment de presidentes da República. Ora, Jair Bolsonaro acumulou mais de 180 pedidos para ser apeado do cargo presidencial. Não seria um exagero, também? Vale lembrar que cabe ao presidente da Câmara dos Deputados, no caso de presidentes, e do Senado, no caso do STF, dar andamento aos processos de impeachment. Isso não aconteceu com Bolsonaro e nunca, em toda a história, com ministros do Supremo.

Há muitas razões para o descontrole institucional do STF. Uma delas foi gerada pela própria corte. Mudanças no regimento interno — ou interpretações criativas de suas regras — foram com o tempo aumentando o poder dos magistrados. Hoje, não se tem um Supremo, mas onze: são tantas as decisões monocráticas, aquelas feitas individualmente, sem passar pelo crivo do colegiado, que cada ministro torna-se um Supremo em si.

Não são decisões banais. Muitas vezes, elas têm implicações profundas para toda a sociedade ou para a política. Isso é um problemão, pois, no sistema jurídico brasileiro, o STF tem a palavra final, o que significa que, quando erra, não há nenhuma instância acima dele para consertar. O STF tem o direito de errar por último, e por isso mesmo as decisões deveriam ser conjuntas, para que o equívoco ou abuso de um ministro possa ser modulado pelo crivo dos outros. Errar sozinho é que não dá.

A decisão de Mendes sobre a Lei de Impeachment vai ser submetida à apreciação dos pares no plenário virtual. Isso não é suficiente para proteger os brasileiros do erro que está sendo cometido nesse caso. No plenário virtual não há deliberação entre os ministros, não se discute o contraditório. Cada um apenas deposita seus votos virtualmente.

O descontrole institucional do STF também é fruto da inércia do Senado, que deveria exercer a função de fiscalização e controle da corte máxima, mas não o faz. Entre os motivos para isso, está o bizarro poder do STF como tribunal penal para políticos. Mesmo quando um processo não tem relação direta com uma pessoa com foro por prerrogativa de função, um ministro pode “puxá-lo” para si, como fez na semana passada Dias Toffoli com a investigação sobre os crimes financeiros de Daniel Vorcaro, dono do Banco Master, apenas porque ele mantinha negócios com um deputado federal.

A reação dos senadores, que deveriam exercer o controle do STF, à liminar de Gilmar Mendes é inócua. Algumas propostas para mudar a forma de indicação dos ministros ou para limitar seus mandatos voltaram a emergir, mas qualquer lei que venha a ser aprovada nesse sentido poderá, vejam só, ser derrubada pelo próprio STF se forem consideradas inconstitucionais.

O presidente do Senado, Davi Alcolumbre, por sua vez, enrolou-se em contradições. Disse que a liminar de Mendes “usurpa as prerrogativas do Poder Legislativo” — o que é verdade, pois não cabe a juízes modificar as leis. O curioso é que poucas semanas atrás o próprio Alcolumbre se dedicou a usurpar prerrogativas de outro Poder, no caso o Executivo, no episódio em que fez birra porque o seu preferido para ocupar uma vaga no STF não foi indicado pelo presidente Lula.

A diferença é que, quando um integrante do Legislativo invade atribuições de outro Poder ou extrapola limites constitucionais, a questão muitas vezes vai parar no STF. O inverso não acontece. Ministros do STF tomam decisões indevidas porque têm poder para isso e nada que possa contê-los. Mesmo em democracias, a inoperância de mecanismos de controle entre os poderes pode resultar em medidas autoritárias e arbitrárias. Não dá para confiar na possibilidade de que indivíduos vão impor limites ao próprio poder.

 

 

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