A LDO 2026 e o desafio de transformar diretrizes em resultados reais
A aprovação da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2026 pelo Congresso Nacional, concluída na noite de 4 de dezembro, não se limitou ao cumprimento de um ritual legislativo anual. Representou, na prática, o esforço de definir um rumo fiscal para um país que chega ao novo ciclo pressionado por demandas sociais crescentes, limitações financeiras persistentes e uma agenda de investimentos represada pela falta de espaço orçamentário. A LDO organiza prioridades, orienta escolhas e prepara o terreno para o Orçamento do ano seguinte, mas, neste ano, também expôs a tensão permanente entre responsabilidade fiscal, agenda social e governabilidade.
O texto aprovado manteve a meta de superávit primário de 0,25% do PIB, equivalente a R$ 34,3 bilhões, com permissão para que o Executivo utilize o limite inferior da banda fiscal, o que significa a possibilidade concreta de um cenário de déficit zero caso as condições econômicas imponham cortes adicionais. A flexibilidade concedida atende às incertezas macroeconômicas, mas acende um alerta: a repetição de contingenciamentos severos pode comprometer políticas essenciais, sobretudo no primeiro semestre, quando a execução orçamentária costuma ser mais sensível ao cumprimento das metas fiscais.
Ao mesmo tempo, a atualização do salário mínimo para R$ 1.627 em janeiro de 2026 simboliza uma conquista social relevante e continuidade da política de valorização, mas aumenta responsabilidades fiscais que precisam ser absorvidas com planejamento. O risco é que o crescimento de despesas obrigatórias reduza ainda mais o espaço já restrito para investimentos, especialmente nas áreas em que a presença estatal é essencial: infraestrutura, saúde, educação e saneamento.
A definição do limite global de despesas primárias do Executivo, fixado em R$ 2,43 trilhões, reforça a percepção de que o espaço fiscal permanece estreito. A rigidez das obrigações legais e constitucionais, combinada com o aumento vegetativo da máquina pública, impede que a LDO avance em programas estruturantes sem que haja um esforço consistente de revisão de despesas, melhoria de eficiência e racionalização administrativa. A peça aprovada também preservou um dos elementos mais sensíveis do cenário fiscal: a estimativa de R$ 2,6 trilhões em riscos decorrentes de demandas judiciais contra a União. Trata-se de um passivo potencial que paira sobre o planejamento e evidencia a incapacidade histórica do Estado brasileiro de formular políticas com estabilidade jurídica e desenho adequado.
Esse contexto federal se reflete diretamente em estados e municípios, que dependem do ambiente fiscal nacional para organizar repasses, convênios e investimentos. Em um país marcado por profundas desigualdades federativas, a restrição fiscal no topo da pirâmide recai, inevitavelmente, sobre as administrações locais, justamente aquelas que estão mais próximas das demandas reais da população. Municípios com baixa capacidade de arrecadação ou estrutura técnica limitada enfrentam ainda mais dificuldade para transformar diretrizes em resultados concretos. É nas cidades que os efeitos da LDO se tornam tangíveis: no transporte que não avança, na unidade de saúde que não se amplia, no projeto de saneamento que não sai do papel.
A verdade, conhecida por quem vive a gestão pública, é que a LDO é apenas o mapa. Ela orienta, mas não garante resultados. A distância entre diretrizes e execução depende de governança qualificada, articulação entre esferas de governo, eficiência administrativa, transparência e, sobretudo, clareza de prioridades. Sem capacidade de gestão, a melhor das leis se transforma em formalidade burocrática. E sem cooperação federativa, políticas públicas fragmentam-se e perdem impacto.
Por isso, a LDO 2026 precisa ser vista como mais do que uma peça técnica: deve funcionar como um pacto nacional de responsabilidade compartilhada. O Brasil não pode continuar convivendo com diretrizes bem escritas e entregas insuficientes. A responsabilidade fiscal não deve ser inimiga das políticas sociais; ao contrário, deve ser o alicerce para que elas se sustentem no longo prazo. O país precisa encontrar o equilíbrio entre o compromisso com as contas públicas e o dever constitucional de garantir serviços de qualidade. A responsabilidade social, por sua vez, deve andar lado a lado com a responsabilidade administrativa — sem planejamento, não há política pública que sobreviva; sem execução competente, não há desenvolvimento que se realize; sem coordenação federativa, não há efetividade possível.
A aprovação da LDO abre a porta para um novo ciclo, mas o caminho dependerá menos das metas inscritas no texto e mais da qualidade das decisões que serão tomadas a partir dele. O Brasil não pode se permitir, mais uma vez, que diretrizes se transformem em intenções sem resultado. O país precisa, simultaneamente, de responsabilidade fiscal, social e administrativa. Só quando essas três dimensões se encontram é que a vida das pessoas de fato melhora, e é esse, no fim, o único objetivo que justifica a existência de qualquer lei orçamentária.
