8 de dezembro de 2025
Politica

Brasil no espelho: os reflexos de um país que muda de humor

O eleitor brasileiro não é fiel, é volúvel — e quem já atravessou algumas eleições sabe disso na pele. Não se trata de defeito; trata-se de sobrevivência. O eleitor muda de humor antes que a política consiga mudar de discurso. Quem insiste em tratá-lo como torcida organizada, de vermelho contra verde-amarelo, não entende o país e se candidata, metodicamente, a perder eleição majoritária.

Em campanhas, aprendi a desconfiar das explicações confortáveis. Uma das mais preguiçosas é a do Brasil “rachado” entre esquerda e direita. E essa não é uma exclusividade dos humores de 2025, depois da prisão de Jair Bolsonaro ou da retomada — capenga — da aprovação do governo Lula. Dados de 2024 já desmontavam isso: 40% dos brasileiros não se colocam em nenhuma dessas caixinhas, apontou o DataSenado. Quase metade olha para o cardápio ideológico e não vê ali nada que traduza suas angústias. E angústia, acredite, vota mais do que qualquer rótulo.

Quando a lente aproxima, a história fica ainda mais reveladora. O levantamento More in Common/Quaest mostra que os radicais de esquerda e de direita somam pouco mais de 10%. Barulhentos, organizados, hiperativos — e responsáveis por criar a impressão de que o país inteiro pensa como eles. Não pensa. Quem já monitorou tracking sabe: o barulho é deles; o resultado costuma vir do silêncio do meio.

Esse meio não acorda preocupado com marxismo ou liberalismo. Acorda pensando no medo, no preço do mercado, na fila da saúde, na sensação difusa de abandono. Em 2025, por exemplo, a violência saltou para 38% como maior preocupação nacional, superando economia, corrupção e áreas sociais. Antes disso, já vi a economia assumir esse papel. E, antes dela, a corrupção. O que muda não é a ideologia do eleitor — é o foco da dor.

O cientista político Felipe Nunes, em “O Brasil no Espelho”, seu mais novo livro, descreve algo que quem trabalha com opinião pública reconhece de longe: o país se move por humores coletivos, não por catecismos ideológicos. É esse humor que derruba, reabilita, reorganiza e, às vezes, surpreende. Já vi governo ser punido em meio a escândalo e, pouco depois, recuperar terreno quando o clima emocional mudou. Não foi ideologia; foi atmosfera.

Por isso é sempre um erro disputar cargos majoritários como se estivéssemos presos numa guerra cultural permanente. Em eleição para presidente ou governador, a pergunta nunca é “qual lado grita mais alto?”, mas “quem lê o humor dominante com mais precisão?”. Pode ser medo da violência, exaustão da briga interminável, desejo de estabilidade ou esperança de ascensão. O rótulo ideológico ajuda a organizar o debate — mas não organiza o voto.

E o país mostra sinais evidentes de exaustão. Não é frustração ideológica: é fadiga emocional. O eleitor olha para o teatro permanente do conflito e reage com algo próximo a um burnout cívico. Enquanto militâncias seguem em guerra santa, parte decisiva do eleitorado só quer alguém que pare de gritar e comece a entregar.

Nesse ponto, a experiência ensina outra sutileza: o mesmo eleitor que elege para o Legislativo o tribuno inflamado escolhe para o Executivo o gestor pragmático. Ele terceiriza o grito para um e entrega a chave da casa para outro. É racional. É estratégico. É humano.

A divisão esquerda versus direita é confortável, mas mentirosa. Ela simplifica o país para quem prefere análises preguiçosas. Quem observa o Brasil de perto — nas pesquisas, nas ruas, nos humores — sabe que o que decide eleição não é pureza ideológica, mas a capacidade de traduzir estados de ânimo: medo, esperança, cansaço, raiva, desejo de proteção.

No retrato contínuo do Brasil, extremos disputam narrativa; maiorias disputam futuro. E futuro — ao contrário do que pregam os catequistas da polarização — pertence a quem compreende a temperatura do país, não a quem recita o seu dogma.

 

 

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