Clima é assunto religioso
Por ocasião do 10º aniversário da Encíclica Laudato Si, do saudoso Papa Ecológico Francisco, seu sucessor, Leão XIV, dirigiu-se à comunidade cristã, pedindo responsabilidade acrescida para cuidar do planeta.
Não é de se estranhar. Já em 1970, Paulo VI anteviu o apocalipse ambiental quando discursou na sede da FAO, órgão da ONU que trata da segurança alimentar e sediado em Roma. Proclamou que o planeta “corre o fisco de acabar numa verdadeira catástrofe ecológica”. Não faltavam sinais. “Já vemos que o ar que respiramos se torna viciado, a água que bebemos poluída, as praias contaminadas, os lagos e até os oceanos, ao ponto de nos fazer temer uma verdadeira morte biológica, num futuro não distante”.
Era a pioneira preocupação ambiental no Vaticano, que persistiu com João Paulo II, para quem a crise ecológica era uma questão moral e Bento XVI chegou a ser chamado de “Papa Verde”. Só que Francisco foi inexcedível em tema de ecoteologia. Exortou, na “Laudato Si”, a Igreja Católica a “proteger o homem da destruição de si mesmo”.
Leão XIV não poderia deixar de seguir idêntica diretiva. Com as lideranças mundiais enfatizou: cuidar da casa comum é obrigação individual e coletiva. Todos na sociedade, por meio de ONGs e grupos ativistas, devem atuar individual e coletivamente. E pressionar governos para que editem e cumpram políticas públicas que mitiguem danos causados ao meio ambiente.
A questão ecológica não é tema de direito ambiental. É uma questão humanitária. Depois da celebração dos dez anos da “Laudato Si”, o Papa recebeu outro grande grupo de jornalistas e formadores de opinião e iniciou lembrando a passagem bíblica de Caim e Abel, no livro do Gênesis. Deus então perguntou ao primeiro: “onde está o teu irmão”. E lembrou que todos se devem sentir responsáveis pelo próximo, seja ele um desvalido, seja uma vítima de guerra, seja um refugiado climático, seja um migrante que se vê forçado a abandonar sua terra natal para encontrar abrigo em espaços ainda não proibitivos de acolher seres vivos.
O Papa foi muito eloquente e até contundente: “Irmão, irmã, onde estás entre os migrantes desprezados, presos e rejeitados, entre aqueles que buscam salvação e esperança, mas encontram apenas muros e indiferença? Onde estás quando os pobres são acusados pela própria pobreza, esquecidos e descartados, num mundo que valoriza mais o lucro que as pessoas? Onde estás numa vida hiperconectada, em que a solidão corrói os laços sociais e nos torna estranhos até a nós mesmos?”.
A interlocução do Papa é com os cidadãos, que precisam assumir papel ativo na tomada de decisões políticas nos níveis nacional, regional e local. Só então será possível mitigar os danos ao ambiente.
Mandou recado para os negacionistas e para aqueles que vinculam a pauta ambiental a ideologias de esquerda: “O que deve ser feito agora para garantir que o cuidado com nossa casa comum e a escuta do clamor da terra e dos pobres não apareçam como meras tendências passageiras ou, pior, que sejam vistos e sentidos como questões divisivas?”.
Leão XIV recordou também que em 2023, o Papa Francisco atualizou a “Laudato Si”, ao observar que “alguns escolheram ridicularizar os sinais cada vez mais evidentes das mudanças climáticas, zombar daqueles que falam do aquecimento global e até culpar os pobres pela própria coisa que mais os afeta”.
As mudanças climáticas representam, pois, uma questão espiritual e concreta para os bilhões de cristãos, principalmente para o 1,4 bilhão de seguidores da Igreja Católica e alertou que os pobres são os que mais sofrem.
Leão XIV também inovou um rito para missas, em que haverá lugar para “pedir a Deus a capacidade de cuidar da criação”. Também já falou a respeito de “injustiça, violações do direito internacional e dos direitos dos povos, graves desigualdades e a ganância que as alimenta, que estão gerando desmatamento, poluição e perda de biodiversidade”.
Para dar o exemplo, ele aprovou a construção de parque solar que tornará o Vaticano o primeiro Estado carbono-zero do planeta. E autorizou um projeto de agricultura sustentável em Castel Gandolfo, a residência de verão dos Papas.
Está valendo, portanto, a coragem franciscana, de quem cobrou na ONU que “organismos financeiros internacionais” zelem pelo desenvolvimento sustentável, evitando sujeição sufocante dos países a sistemas que empobreçam o povo.
Entendemos o recado? O que faremos de concreto?
