Exército de réus e tipificação defasada ajudaram a enterrar maior processo contra Marcola e o PCC
A combinação de um grande volume de réus e de uma denúncia oferecida com base em uma legislação defasada para os métodos do Primeiro Comando da Capital (PCC) contribuiu para livrar Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola, e outros chefões da facção do maior processo já movido contra a organização.
Após 12 anos de uma tramitação arrastada, a ação penal prescreveu sem que o caso tenha sido sentenciado sequer na primeira instância.
Ao todo, 175 pessoas foram denunciadas pelo Ministério Público de São Paulo. Era setembro de 2013. A investigação que deu origem ao processo levou três anos e meio e foi o primeiro grande mapeamento da estrutura do PCC.
No mesmo mês, a Justiça recebeu a denúncia contra 161 acusados. Desde então, a burocracia para localizar e intimar os réus dificultou o andamento do processo. Catorze denunciados sequer foram citados para enviar as defesas preliminares. Seis réus morreram antes do desfecho da ação.
Os promotores reuniram escutas, documentos, depoimentos de testemunhas e informações sobre apreensões de cinco toneladas drogas e 82 armas, inclusive de grosso calibre, como fuzis e metralhadoras. Ao todo, 144 pessoas foram presas em flagrante durante as investigações.
As defesas apresentaram uma série de recursos – todos rejeitados – sobre a legalidade dos grampos, o que também tumultuou a ação.

Ao receber a denúncia, o juiz Thomaz Corrêa Farqui, na época titular da 1.ª Vara de Presidente Venceslau, no interior do Estado, negou o pedido do Ministério Público para prender preventivamente os 175 denunciados. Em processos penais com réus presos, os prazos processuais são mais curtos e urgentes.
A ação também passou cinco anos suspensa aguardando uma decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo sobre um recurso do Ministério Público, apresentado em setembro de 2016, para tentar reincluir no processo os 14 denunciados que foram poupados na fase de recebimento da denúncia. A 2.ª Câmara de Direito Criminal rejeitou o pedido em dezembro de 2019 e o acórdão foi publicado em janeiro de 2021.
Os promotores chegaram a pedir o desmembramento da ação penal. O Ministério Público tentou separar o processo em relação a 15 réus que não haviam nomeado advogados e precisaram ser citados por edital, o que toma mais tempo, e em relação aos 14 acusados que poderiam ser afetados pelo recurso ao Tribunal de Justiça.
O objetivo era evitar que os atrasos comprometessem todo o processo e levassem a impunidade de todos os réus. O pedido para dividir a ação, no entanto, foi negado pela Justiça.
Em novembro de 2023, o processo foi suspenso novamente para a digitalização dos autos. O calhamaço, com milhares de páginas, só terminou de ser escaneado em março de 2024.
No último dia 2, o juiz Gabriel Medeiros, da 1.ª Vara de Presidente Venceslau, declarou a prescrição das acusações, ou seja, reconheceu que o Estado perdeu o prazo de punição dos réus.
“Reconheço a prescrição da pretensão punitiva estatal in abstrato e em consequência, julgo extintas as punibilidades dos denunciados em relação aos quais a denúncia foi recebida”, escreveu Gabriel Medeiros, em seis páginas.
A prescrição é calculada com base no tamanho da pena do crime. Nos cálculos do juiz, o prazo terminou em 28 de setembro de 2025.
Outro fator que contribuiu para a prescrição foi a tipificação do crime atribuído ao exército de acusados. A denúncia atribuiu ao grupo o crime de quadrilha ou bando – denominação da época, prevista no artigo 288 do Código Penal, alterada para associação criminosa quando entrou em vigor a Lei 12.850/13. A pena máxima, em caso de condenação, é de três a seis anos de reclusão, por se tratar de conluio para o tráfico de drogas.
Na época, a Lei das Organizações Criminosas não estava em vigor. A legislação criou os crimes de associação criminosa e organização criminosa. A mudança foi concebida para dar conta da complexidade dos métodos do crime organizado. Os novos tipos penais são punidos com penas mais duras e, por isso, têm maior intervalo até a prescrição.
O promotor Lincoln Gakiya, um dos principais nomes no combate ao PCC no País, ainda analisa se vai recorrer da prescrição da ação. Para Gakiya, a denúncia foi um “divisor de águas” no entendimento sobre como opera a organização criminosa no tráfico de drogas.
A investigação que embasou a ação contra Marcola e seus aliados deu origem a outros processos que, segundo o promotor, resultaram em centenas de condenações por tráfico de drogas, associação para o tráfico e porte ilegal de armas.
