PF confunde investigado em rede de tráfico de cocaína com secretário municipal; Justiça admite erro
Um erro em uma investigação da Polícia Federal (PF) colocou o secretário da Fazenda de Maringá (PR), Carlos Augusto Ferreira, como suspeito de lavar R$ 1 milhão para um operador financeiro do Primeiro Comando da Capital (PCC). Em outubro, Ferreira foi alvo da Operação Mafiusi, que investiga um esquema de tráfico internacional de cocaína do PCC e da máfia italiana pelo Porto de Paranaguá (PR). A reportagem entrou em contato com a Polícia Federal e aguarda retorno.
“Todavia, diante do que se apurou posteriormente na análise do celular de Carlos Augusto Ferreira, é possível concluir que não se trata do interlocutor das conversas suspeitas e de relevância para a presente investigação”, diz trecho da manifestação da PF ao juiz federal Nivaldo Brunoni, da 23ª Vara da Justiça Federal de Curitiba.
O Estadão teve acesso à decisão do magistrado que retirou o secretário da investigação, que tramita em segredo de Justiça. Após reconhecer o equívoco no caso, o juiz determinou a devolução dos bens apreendidos em dois endereços de Ferreira que foram alvos da operação. Entre os bens estão celular, computador e quatro carros de luxo — das marcas Ferrari, Porsche, Audi e Mercedes-Benz.
O secretário concedeu uma entrevista coletiva em Maringá última na segunda-feira, 8. Na ocasião, ele afirmou que não faria ataques às instituições, reconhecendo que “todos estão sujeitos a erros” e que situações como esta devem servir como aprendizado. Ferreira contou que precisou gastar com equipe jurídica especializada, além de perícias particulares.
No dia 16 de outubro, quando ocorreu a operação, Ferreira pediu licença do cargo na prefeitura, retornando quase um mês depois, em 14 de novembro. À época, ele disse ter prestado esclarecimentos à polícia e entregue documentos que comprovariam sua inocência.
O que diz a investigação da PF
Na investigação da PF, Carlos Augusto Ferreira foi apontado como dono do Pinbank, uma fintech que teria sido usada para lavar dinheiro do crime organizado. No dia da operação, em nota, o Pinbank informou que o secretário atuou como consultor na instituição por apenas 18 dias em 2024, e que não há qualquer vínculo atual com ele.
Conversas encontradas no celular de Klaus Cristhian Volker, apontado como operador do PCC, preso na operação, colocaram a PF, equivocadamente, no rastro do secretário. O contato estava salvo como “Carlão Pim”.
Em um diálogo, em abril de 2024, o homem apontado como o secretário explica como seria a operação do Pinbank. “A gente praticamente é um banco múltiplo sem ser um banco múltiplo. Estamos ainda na categoria de instituição de pagamento. Somos Pix direto. A gente trabalha com as três maiores apostas esportivas hoje, que é a Betano, a Bet365 e a Sporting Bet”.
Em outra conversa, em dezembro de 2022, Klaus pede ajuda para movimentar recursos sem ser identificado. “Preciso mandar 40 mil para duas contas, mas não gostaria que saísse da minha”. O homem que foi tido como o secretário pela PF se dispõe a ajudar: “Se tiver outro colega me avise que eu agilizo aqui”.
Em abril de 2023, Klaus recorre novamente ao contato até então entendido como Carlos Augusto. Ele pede ajuda para conseguir uma “autorização” para justificar a entrada de R$ 1 milhão em sua conta bancária pessoal. Também tenta um desconto na comissão que aparentemente seria cobrada pela operação. “Carlão, me ajuda com estes 10 mil de taxa, irmão. Tô super apertado. Na real esse dinheiro está contado para a estrela (distribuidora de combustíveis)”, diz.
As conversas levaram a Polícia Federal a desconfiar que o secretário tinha conhecimento de que os recursos movimentados pelo Pinbank eram de origem ilícita.
Como o erro foi descoberto?
Diante da situação, a defesa do secretário informou à Justiça que ele havia sido incluído na investigação de forma equivocada. O juiz, então, pediu para que a PF e o Ministério Público Federal (MPF) se manifestassem sobre a situação alegada pelos advogados.
“(…) a partir da análise do celular apreendido com Carlos Augusto Ferreira em decorrência do mandado de busca e apreensão expedido nos presentes autos, foi possível confirmar que assiste razão a sua alegação de não ser o interlocutor das conversas com Klaus Cristhian Volker, pois o mesmo terminal telefônico aparece na análise do celular apreendido como sendo de Carlos De La Cruz Hyppolito”, afirma o relatório da PF enviado ao magistrado.
Em sua manifestação, o MPF informou que “o investigado foi inicialmente incluído no inquérito por uma associação equivocada de mensagens de WhatsApp que mencionavam ‘carlão pim’ ou ‘carlos pim banc’, situação que decorreu exclusivamente de homonímia (mesmo nome) e de sua breve passagem pela Pinbank”.
O relatório da PF também explicou ao magistrado que, após identificar o equívoco, os agentes intimaram Carlos Hyppolito, verdadeiro investigado no lugar do secretário, para prestar esclarecimentos, mas ele não compareceu à oitiva. Em relação ao secretário, a investigação foi arquivada e os documentos da investigação deverão ser retificados.
