A pequenez dos grandes
Crescer intelectualmente não significa ser moralmente grande. Muito gigante das letras é pequeno como ser humano, muito deslumbrado com o próprio brilho, incapaz de se emocionar com a miséria alheia. Quem analisa a obra, nem sempre deve se dar ao trabalho de analisar a pessoa. Pode se decepcionar.
As Academias constituem um laboratório antropológico. O “Silogeu” que congrega quarenta luminares pode não representar uma coleção dos melhores caracteres de uma raça. E isso sempre foi assim.
Quem se propõe a ler o que escreveram os primeiros acadêmicos da “Casa de Machado” encontrará muito daquilo que pode parecer menor, em se cuidando de singulares representantes do que de melhor já produziu a literatura tupiniquim.
O “Diário Secreto” de Humberto de Campos está prenhe de episódios que mostram como os “imortais” são em tudo iguais aos “pobres mortais”. Atormentados pelas mesmas mesquinharias que atormentam os desesperados por fama, reconhecimento, carentes de carinho, agrado e cuidados.
Antes de ele ingressar na ABL, era incentivado por amigos que diziam que aquele era seu lugar por mérito. Um deles, Alcides Maya, que o incentivava a se candidatar. Modesto, Humberto de Campos retrucava: “Acho isso tão possível como a minha escolha para sultão da Turquia, e falo-lhe de Oscar Lopes, que me deve preceder na conquista da imortalidade acadêmica. Justifico minha recusa com o fato de só possuir um volume publicado, quando Oscar possui quatro ou cinco”. Mas Alcides objeta: – “Tu tens um livro; Oscar tem quatro ou cinco volumes, mas não tem um livro…”..
Há todo um ritual para se ingressar na Academia. José Eduardo Macedo Soares aconselhava Humberto de Campos a aplainar esse caminho:
– “Vou dar-te um conselho. E é que ponhas de lado, nas tuas crônicas, os assuntos que dizem respeito aos teus colegas de letras. Falando bem ou mal, tu fazes a propaganda deles, serviço que eles te não pagam. Eu noto mesmo, da parte deles, um grande silêncio em torno do teu nome…É a consequência dos teus processos de crítica. Tu dizes que eles são uns rapazes muito bonitos, muito interessantes, mas lhes mostras sempre um calo no pé. Essa gente é muito vaidosa e não admite a menor restrição”.
E ainda acrescenta:
– “O segredo da vitória do Olavo Bilac consistiu, em grande parte, em não falar dos outros, nem bem, nem mal, e em fazer com que todos falassem dele…Como ele não pusesse pedra no pedestal dos outros, e os outros pusessem no seu, ficou o seu mais alto do que o de todos os companheiros!”.
É muito importante, para quem quer ingressar no “Olimpo” acadêmico, dispor de amigos que patrocinem sua candidatura. Afrânio Peixoto atribui o seu ingresso na APL a Mário de Alencar, filho de José de Alencar. “O culpado é o Mário de Alencar. Eu sou, literariamente, o fruto de um abuso de confiança. Foi o Mário que me fez candidato, mandando imprimir cartões com o meu nome, pedindo votos, e que me elegeu. Eu me achava em Nápoles quando o Aluísio Azevedo, que lá estava como cônsul, me perguntou em quem devia votar… E me encontrava tão alheio a tudo que lhe recomendei o nome do meu concorrente, que era um moço da Bahia, meu patrício. Dias depois vem o Aluísio a mim, e me diz: – “Como, então, você é candidato e não me diz nada?”. Eu protesto e chamo a atenção para o cartão que ele acabava de receber, mostrando-lhe que nem a letra era minha, nem o carimbo do correio era da Itália, mas do Brasil. Eu só vim a saber que era candidato por um telegrama de Estocolmo, do Oliveira Lima, garantindo-me o seu voto”.
Não é muito diferente hoje. E há o papel decisivo do Presidente. Em regime presidencialista, ele tem a chave da porta de entrada. Agora: não acredite inteiramente nas promessas dos eleitores. Ninguém gosta de falar: “não vou votar em você!”. Então procuram sugerir que veem a candidatura com muita simpatia. Isso não quer dizer que você venha a ser o candidato dos seus sonhos (dela ou dele…). A vida das Academias pode lembrar as Mil e uma Noites, assim como A Divina Comédia. Há de tudo e mais um pouco.
