‘Congresso inimigo do povo’ é bolsonarismo com sinal invertido à esquerda
Um dos motes dos protestos, no dia de hoje, contra a decisão da Câmara dos Deputados em reduzir as penas do ex-presidente Jair Bolsonaro, por tentativa de golpe de Estado, é, sem sutilezas: “Congresso inimigo do povo”. É uma coincidência de propósitos com tantos bolsonaristas que sonhavam com a tal “intervenção militar com Bolsonaro no poder”, bradada por tantos anos, até em espaços públicos. Unem-se, então, esquerda e direita na mesma aspiração, desmoralizar e, no limite, fechar o poder Legislativo.
Algumas decisões do Congresso têm sido para lá de questionáveis, para ser brando. Os deputados, por exemplo, enfiaram os pés pelas mãos no caso da chamada PEC da Blindagem, que os protegeria de serem investigados pelo Supremo. Também têm aumentado os custos do Estado sem indicar receitas. Contra uma decisão do STF, não cassaram a deputada Carla Zambelli, condenada por invadir e adulterar documentos do Conselho Nacional de Justiça. Paira ainda no ar a questão do orçamento secreto.
Semana passada, os deputados aprovaram a chamada dosimetria. Era um tema que tinha a oposição tanto à esquerda, que queria manutenção de penas, quanto à direita mais radical, que insistia na anistia irrestrita a Bolsonaro. Ocorreu um meio termo que já era defendido, inclusive, pelo ex-ministro do STF, José Roberto Barroso.
Ao contrário da PEC da Blindagem, que gerou ira na população em quase absoluta, penas menos duras para Bolsonaro dividem a sociedade. Por exemplo, o último Datafolha divulgou que 54% da população concorda com a condenação do ex-presidente, mas 51% preferem que o castigo ocorra em prisão domiciliar.
Mas a campanha “Congresso inimigo do povo” não é contra os parlamentares que votam algo que se pode questionar. Na prática, é contra a instituição na totalidade. E, ao que consta, o Congresso, goste-se ou não, é um dos pilares que sustentam a democracia brasileira.
Há também certo detrito para debaixo do tapete nas movimentações de hoje. Nos últimos dias, o Judiciário também aprontou as suas. Lembremos que fizeram sua própria tentativa de blindagem, para evitar um eventual impeachment de integrantes do STF pelo Legislativo.
A seguir, descobre-se que um dos ministros, Dias Toffoli, viajou de jatinho com um advogado do Banco Master, envolvido em fraudes, ato contínuo avocou o caso para si e decretou sigilo. Finalmente soubemos que o mesmo Master pagava R$ 3 milhões por mês à esposa do ministro Alexandre de Moraes, que segue em silêncio sobre o caso. Alguém está na rua a pedir um código de ética para os integrantes das altas cortes?
Por pior que seja o Congresso na visão de quem o critica, a casa de alguma maneira reflete opiniões, valores, conflitos e interesses da própria sociedade brasileira. Como nossos tempos estão convulsionados, a balbúrdia se reflete lá dentro. Há também, evidentemente, casos e escândalos que partem dos próprios parlamentares.
O governo federal, hoje com pouco poder de barganha devido às emendas impositivas, interessa-se em ver deputados e senadores na berlinda. Mas, podemos dizer, ruim com o Congresso, mas sem ele é a volta da ditadura. É o que essas pessoas que carregam os cartazes “Congresso inimigo do povo” querem?
