19 de dezembro de 2025
Politica

Advogados da AGU ganharam R$ 4,55 bilhões acima do teto constitucional em cinco anos, diz estudo

BRASÍLIA – Advogados federais ganharam R$ 4,55 bilhões acima do teto constitucional em cinco anos com o dinheiro dos honorários de sucumbência, aponta estudo do Movimento Pessoas à Frente e da Transparência Brasil divulgado nesta segunda-feira, 15.

Sede da Advocacia-Geral da União (AGU), em Brasília.
Sede da Advocacia-Geral da União (AGU), em Brasília.

Os pagamentos foram feitos de janeiro de 2020 a agosto de 2025 para servidores da ativa e aposentados das carreiras da Advocacia-Geral da União (AGU), incluindo advogados da União, procuradores da Fazenda Nacional, procuradores federais e procuradores do Banco Central.

O Conselho Curador de Honorários Advocatícios, responsável pelos repasses, afirmou ao Estadão que “cumpre rigorosamente o teto constitucional nos termos da metodologia adequada”.

Nenhum servidor público pode receber mais que um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF). Hoje, o limite é de R$ 46,4 mil por mês. Uma elite do funcionalismo, porém, ganha mais por meio de auxílios, gratificações e bônus pagos pelo poder público.

O procurador federal Danilo Moreira Nascimento, por exemplo, recebeu R$ 1,4 milhão de dinheiro dos honorários entre 2020 e 2025, chegando a faturar R$ 307,9 mil só em julho de 2025, conforme informações disponíveis no Portal da Transparência.

Os honorários de sucumbência são valores arrecadados em causas que o governo federal ganha na Justiça. Os honorários precisam ser pagos dentro do teto. O estudo identificou, porém, que o mesmo dinheiro foi usado para pagar benefícios que não respeitam o limite e turbinar o contracheque dos advogados públicos.

Entre os “penduricalhos”, estão auxílio-saúde e auxílio-alimentação complementares (além dos auxílios normais) e complementação de férias (também além do pagamento de férias convencional), incluindo pagamentos extras de férias em julho de 2025 retroativas a 2017.

No total, 7.649 receberam pagamentos superiores a R$ 1 milhão durante o período analisado. Considerando cada contracheque, 9.801 servidores receberam acima de R$ 100 mil em apenas um mês, e 106 superaram esse montantes em três meses distintos.

O Conselho Curador de Honorários Advocatícios, que realiza os pagamentos, é privado e gerido por representantes dos próprios beneficiados. Os recursos são abastecidos com o dinheiro dos honorários e da dívida ativa da União e não ficam com o poder público, mas são pagos a cerca de 12 mil servidores que trabalham como advogados federais.

Os autores do estudo apontam que os pagamentos cumprem tecnicamente o arcabouço legal atual, apesar das distorções, mas driblam o teto da Constituição com uma manobra, pois os penduricalhos são aprovados por meio de resoluções próprias do conselho.

Verbas remuneratórias, como salários, precisam respeitar o teto. Verbas indenizatórias, como auxílio-moradia e vale-transporte, podem ser pagas fora do limite, mas deveriam ser excepcionais.

Para turbinar as remunerações, o órgão criou benefícios que são classificados como indenizatórios, adotando a mesma estratégia usada pelo Conselho Nacional da Justiça (CNJ) e pelo Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) para pagar supersalários a juízes e procuradores.

“Essas verbas deveriam ser remuneratórias, respeitar o teto constitucional e incidir Imposto de Renda. Não estão seguindo boas práticas de transparência nem de governança. É preciso resgatar a autoridade do teto constitucional”, disse a diretora executiva do Movimento Pessoas à Frente, Jessika Moreira. “Há uma corrida e outras carreiras podem querer também adotar essas manobras além do teto constitucional.”

Como o Estadão mostrou, membros da Advocacia-Geral da União faturaram mais de R$ 2,3 bilhões em honorários de sucumbência somente em julho. O ministro da AGU, Jorge Messias, indicado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva para uma vaga no STF, recebeu R$ 660 mil a mais do seu salário entre janeiro e outubro deste ano. O bônus pode continuar sendo pago a ele mesmo se ocupar uma cadeira na Corte.

Os servidores só podem receber os honorários após um ano de carreira, mas o estudo identificou que os recursos foram pagos para novos integrantes por meio de “penduricalhos” como auxílio-saúde e alimentação complementares fora do teto. O levantamento identificou 435 advogados diplomados desde janeiro de 2024 que receberam R$ 15 milhões somados antes de completarem 12 meses no cargo.

O governo Lula ensaiou o envio de um projeto ao Congresso para limitar o pagamento dos supersalários, mas a proposta não saiu do papel. A reforma administrativa protocolada por deputados na Câmara extingue as remunerações acima do teto constitucional e determina que as verbas indenizatórias devem ser aprovadas por lei no Congresso.

Na Câmara, 217 deputados se dizem a favor de acabar com os supersalários, com o mostrou o Placar do Estadão. A reforma, no entanto, não tem apoio do Executivo nem maioria para avançar na Casa.

“Isso tem um efeito desmoralizante para a administração pública. As pessoas não olham e dizem: isso é do Executivo, isso é do Legislativo ou isso é do Judiciário. Elas olham e dizem: é o pessoal de Brasília que não está entregando a qualidade dos serviços que a população precisa”, diz Moreira.

Conselho diz que cumpre teto constitucional ‘rigorosamente’

O Conselho Curador dos Honorários Advocatícios afirmou ao Estadão que “cumpre rigorosamente o teto constitucional nos termos da metodologia adequada”.

“Verbas de natureza indenizatória não se submetem ao teto, entendimento aplicado de forma uniforme em todos os Poderes”, disse o órgão.

O conselho declarou ainda que advogados públicos em início de carreira recebem exclusivamente “verbas indenizatórias legais, como auxílio-saúde e auxílio-alimentação”.

O órgão questionou a metodologia do estudo, dizendo que a verificação do cumprimento do teto deveria ser realizada de forma individualizada e mês a mês. Os autores do levantamento, por sua vez, afirmam no estudo que os valores foram contabilizados de acordo com cada pagamento mensal individual.

Sobre o procurador que recebeu R$ 1,4 milhão em “penduricalhos”, o conselho alegou que o teto foi cumprido e que houve pagamentos de valores retroativos que não haviam sido feitos no mês correto.

“A apresentação do valor no montante total para todo o período, como foi feita, não se mostra tecnicamente correta, pois a aferição do cumprimento do teto constitucional tem de ser feita mês a mês em relação ao advogado público em específico”, disse a instituição.

 

 

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