17 de dezembro de 2025
Politica

Diretor da JBS recebeu R$ 400 mil de lobista investigado por venda de sentenças no Piauí

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BRASÍLIA — O diretor jurídico da JBS, Francisco de Assis e Silva, aparece em investigação que apura a venda de sentenças no Tribunal de Justiça do Piauí (TJ-PI). De acordo com o inquérito, ele recebeu R$ 400 mil do lobista Juarez Chaves de Azevedo Júnior, apontado como um dos operadores do esquema.

Francisco foi escolhido, segundo a defesa do lobista, porque era um dos advogados “com melhor trânsito” entre ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Superior Tribunal de Justiça (STJ). O serviço incluía a visita de “um por um” dos ministros.


Francisco de Assis e Silva. FOTO: DIVULGAÇÃO
Francisco de Assis e Silva. FOTO: DIVULGAÇÃO

As informações sobre os valores do pagamento constam em relatórios de inteligência financeira elaborados pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) que estão incluídos no inquérito do STJ que investiga a venda de sentenças.

O órgão de combate à lavagem de dinheiro analisou transações do investigado entre junho de 2022 e maio de 2023 e, depois, entre setembro de 2023 e agosto de 2024. O executivo foi o beneficiário de três repasses nesses períodos, um de R$ 100 mil e dois de R$ 150 mil.

Procurado, Francisco afirmou ter recebido os valores por serviço prestado a colegas e disse que a atividade não tem relação com suas funções na JBS. “É um grupo de advogados que eu assessorei num parecer jurídico. Eles me remuneraram, eu paguei meus impostos e eles me pagaram na conta corrente. Tudo certo”, disse.

O executivo, no entanto, não quis informar a que se destinava o parecer. “Está protegido pelo sigilo advogado-cliente”. Ele foi confrontado sobre o escritório dele ter sido escolhido pelo lobista pelo “melhor trânsito” com ministros do STF e do STJ, mas não quis comentar. No período em que houve os pagamentos, Juarez atuava em 18 processos nos dois tribunais.

Braço direito dos irmãos Joesley e Wesley Batista, Francisco de Assis e Silva é um sobrevivente da Lava Jato. Artífice da explosiva delação premiada do grupo em 2017, o advogado atravessou o “inferno” jurídico e reputacional ao lado dos controladores, com pedidos de prisão e a ameaça de anulação de seu acordo, mas ressurgiu como figura central na negociação e repactuação do bilionário acordo de leniência da J&F.

Em dezembro de 2023, o ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal, suspendeu o pagamento da multa de R$ 10 bilhões que era cobrado do grupo em razão das irregularidades apuradas pela Lava Jato. Àquela altura, haviam sido pagos R$ 2,9 bilhões.

A justificativa para decisão se baseou em suspeitas de interações irregulares entre procuradores da força-tarefa e juízes. No último mês de novembro, a Justiça Federal de Brasília deu mais uma vitória ao conglomerado dos irmãos Batista ao determinar a anulação daquele acordo, sob alegação de que os termos foram firmados mediante coação.

Por meio de nota, a J&F, controladora da JBS, declarou que “o advogado Juarez Chaves de Azevedo Júnior nunca prestou serviço ao grupo J&F, que não pode comentar eventuais pagamentos por atividades advocatícias que não envolvem o grupo.” Sobre a atuação paralela de Francisco no escritório particular, a empresa não se manifestou.

Suposto acesso a ministros do STF e STJ

A reportagem procurou o advogado de Juarez, Djalma da Costa e Silva Filho. Segundo ele, seu cliente tinha por hábito contratar outros escritórios sempre que um processo tramitava nos tribunais superiores, em Brasília.

O escritório de Francisco seria um dos que participava desses acordos, mas não o único. “Contrata-se os escritórios para preparar os memoriais, despachar com os ministros, visitar um por um”, disse.

Uma das movimentações ocorreu da conta pessoal de Juarez para a advocacia de Francisco. As outras se deram entre os escritórios deles. No inquérito, conduzido pelo STJ, a firma do diretor da JBS aparece em uma lista junto de pessoas e empresas que receberam quantias “relevantes” do lobista.

Trata-se do escritório particular do executivo, que é representante legal da JBS e conselheiro de administração da Eldorado Celulose, empresa do mesmo grupo.

Apesar da menção ao nome de seu escritório, a investigação destaca que a “natureza ou relação negocial não foi, até o momento, devidamente justificada nos autos”. Juarez é apontado como um intermediário que recebia a propina de empresários e advogados interessados em obter decisões favoráveis do desembargador José James Gomes Pereira, do TJ-PI.

Ele atuava como receptor do dinheiro e repassava parte dos valores para a filha do magistrado, a advogada Lia Rachel. O objetivo, segundo a apuração, era dissimular a prática criminosa, para que os pagamentos não fossem feitos diretamente a um familiar.

Líder da equipe de advogados que representa José James e a filha, Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, negou a participação dos clientes em ilegalidades (mais informações abaixo).

Como funcionava o esquema de venda de sentenças no TJ-PI

O inquérito identificou pelo menos R$ 21 milhões que Juarez teria recebido a título de propina. De acordo com o depoimento de João Gabriel Costa Cardoso, ex-assessor do desembargador, à Polícia Federal, Lia comandava os trabalhos do gabinete do pai, determinava quais processos deveriam ser pautados com prioridade, produzia minutas de decisões e as assinava.

Ela dispunha até do token com o qual incluía digitalmente a assinatura do pai nas decisões por meio do sistema PJe, utilizado por juízes para processar despachos. Ainda segundo o relato, o esquema teria operado com a anuência de José James. O desembargador realizou uma reunião na sua casa em que determinou ao servidor que fizesse tudo o que Lia ordenasse.

Esse funcionário produziu um dossiê, em que apresenta anotações em papel atribuídas à advogada. Os manuscritos contêm orientações e indicações de decisões atreladas a números de processos. Em um deles, ela o orientava a “aplicar multa de 5% em embargos protelatórios”. Outras transmitiam instruções como “deixar parado”, “ser favorável ao agravante”, “falar c/ o Des (falar com o desembargador)” e “pautar”.

Lia deixou ainda anotação em que pedia “concessão de liminar retirando o povo do terreno e dar cumprimento pelo 2º grau”. Como consequência, uma decisão de lavra de José James determinou a desocupação de imóveis em até 48 horas. A empresa beneficiada pagou R$ 500 mil a Juarez.

Em outro caso, a filha do desembargador chegou a orientar o assessor a usar um argumento específico, de que uma investigação havia se valido de prova emprestada, para dar provimento a uma apelação feita por advogados que pagaram propina a Juarez. O lobista foi pessoalmente ao gabinete tratar do processo. Na ocasião, teria dito que o assunto “já estava alinhado com eles (Lia e José James)”.

José James foi afastado do cargo por um ano e manteve o direito ao salário. Em outubro, ele foi alvo de mandados de busca e apreensão na sua casa e em seu gabinete. Também foi impedido de frequentar as dependências do TJ-PI e de manter contato com todos os outros investigados, com exceção da filha.

Lia também foi impedida de acessar o tribunal e de manter contato com investigados. A Polícia Federal cumpriu mandados no escritório e na casa dela. O mesmo ocorreu com Juarez.

Até o momento, o único preso foi o assessor que apresentou informações sobre o esquema. O juiz Valdemir Ferreira Santos, da Central de Inquéritos da Comarca de Teresina, entendeu que ele representa periculosidade devido às evidências de fraude no sistema PJe para obter vantagens ilícitas.

Os autos foram remetidos ao STJ após indícios de envolvimento de autoridade com foro. O ministro relator, Sebastião Reis Júnior, manteve a prisão do assessor e indeferiu a dos demais. Segundo ele, as medidas cautelares adotadas eram suficientes.

Processo do Banco Original e relação com a J&F

O Estadão identificou apenas um processo relatado pelo magistrado em que o grupo econômico de que a JBS faz parte figura como parte interessada. Na ação, iniciada em 2007 e encerrada em agosto de 2021, o antigo Banco Matone — rebatizado de Banco Original após ser adquirido pelos Batista —, cobrava dívida de R$ 280 mil do município de Nossa Senhora de Nazaré, no interior do Piauí. O valor dizia respeito a um convênio firmado para cobrança de crédito consignado.

A instituição financeira alegava que a então prefeita deixou de efetuar os pagamentos referentes a empréstimos. Na primeira instância, a Justiça extinguiu o processo por entender que o banco abandonou a causa ao não promover atos necessários para a continuidade da tramitação.

O recurso ficou sob a relatoria de José James, que orientou pela anulação da sentença de primeira instância. Seu voto foi acompanhado pelos demais desembargadores. Eles entenderam que houve “ausência de prévia intimação pessoal do autor para dar prosseguimento ao feito”. Assim, a ação retornou à primeira instância. Em janeiro de 2022, no entanto, foi arquivada.

O que dizem os investigados

O advogado Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, negou a participação dos clientes em ilegalidades. “O desembargador nunca solicitou, autorizou ou compactuou com qualquer prática que violasse os princípios da legalidade, moralidade e ética que sempre nortearam sua trajetória na magistratura. A defesa técnica do desembargador e de sua filha, a advogada Lia Raquel, refuta qualquer juízo precipitado sobre os fatos. Como o processo está em segredo de justiça, neste momento, a defesa não poderá aprofundar qualquer análise técnica”, disse.

O advogado Djalma da Costa e Silva Filho, que representa Juarez, também disse que não fará comentários enquanto o caso estiver sob sigilo. Ele confirmou que os valores pagos a Francisco dizem respeito a serviços jurídicos.

“Adianta, entretanto, que os escritórios de advocacia mantêm contatos e contratos regulares, estabelecidos como vínculos ocasionais e por questões específicas, em que a contribuição do advogado do Piauí sempre foi e será dentro dos limites profissionais, o que a investigação logrará comprovar, adiante — se necessário, na fase de contraditório ou defesa, ocorrendo esse momento processual.”

A Defensoria Pública da União (DPU), que representa o ex-assessor do magistrado, não se manifestou.

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