O ‘trem da alegria’ que aumenta em 46% os coronéis da PM e mantém igual o n.º de soldados nas ruas
O Comando da PM de São Paulo quer aumentar o número de coronéis dos atuais 64 para 94. O plano foi elaborado durante a gestão de Guilherme Derrite na Secretaria da Segurança Pública e é criticado internamente por oficiais da corporação.
Além de considerar a medida um “trem da alegria”, eles afirmam que ela tem só um objetivo: garantir ao ex-secretário o poder de nomear uma enxurrada de coronéis por meio do atual secretário-adjunto, o tenente-coronel Paulo Maculevicius, o que lhe garantiria o domínio da PM pelos próximos cinco anos.

Maculevicius foi chefe do gabinete durante a gestão de Derrite na Pasta e é o responsável por despachar os temas ligados à PM com o Palácio dos Bandeirantes – os da Polícia Civil ficam sob responsabilidade do secretário, o delegado Osvaldo Nico Gonçalves. Contam coronéis – a coluna ouviu cinco deles, da ativa e da reserva –, que Derrite queria ainda mais: pressionou a PM para que o número de coronéis chegasse a 150, mas teve de recuar temendo o escândalo que a medida causaria.
Em 2024, Derrite defendeu que o governador, Tarcísio de Freitas, mudasse a regra de permanência na ativa dos coronéis para mandar para reserva quase a metade deles, o que lhe permitiria nomear 30 para o cargo. É o mesmo número que Maculevicius poderia, agora, nomear. Em vez de obrigar a aposentadoria mais cedo dos atuais coronéis, a solução encontrada foi aumentar o tamanho do quadro, uma manobra que nenhum governo ousou fazer antes para controlar a PM, o que deixaria o futuro governador refém dos oficiais nomeados por Derrite.
No começo de sua gestão, o deputado vivia às turras com uma parte dos coronéis, que se sentiam desprestigiados, pois Derrite, um capitão da PM, receberia subalternos, passando por cima de comandantes de área e de batalhões, abalando a disciplina e a hierarquia da tropa. Depois, o então secretário apostou no discurso de defesa da instituição para angariar apoio e votos. Pouco antes de deixar o cargo, a minuta do plano de reestruturação da PM estava pronta.

Os custos da criação de novos cargos só em relação aos coronéis podem chegar próximos de R$ 1 milhão para os cofres públicos. Mas o principal problema, afirmam os atuais coronéis, não é o financeiro, mas o político e os reflexos na tropa e para a população. É que apesar de aumentar o total de coronéis, o projeto de lei complementar não cria um cargo de soldado, cabo, sargento ou subtenente, mantendo os mesmos números para a parte de baixo da corporação.
Também nenhum soldado, cabo ou sargento será promovido. Todos permanecerão como estão. Atualmente, a PM tem efetivo previsto de 73.895 cabos e soldados e 13.604 sargentos e subtenentes. Esse número quase nunca está completo, o que cria os chamados “claros”, as vagas não preenchidas – recentemente, a corporação contratou 2,5 mil novos PMs para diminuir esse problema. São justamente os praças que são os responsáveis pela quase totalidade do patrulhamento das ruas, mas cujo efetivo fixado não terá o acréscimo de um único policial.
Esse plano foi apresentado pelo Comando da Polícia Militar na semana passada no auditório do Centro de Operações da PM (Copom) para representantes de associações de classe da corporação. O documento tem 43 páginas (leia abaixo) e prevê: “a fixação do efetivo, a definição da estrutura e dos quadros da Polícia Militar do Estado de São Paulo e as regras gerais de promoção e inatividade obedecerão ao fixado nesta lei complementar”.
No artigo 3.º do projeto de lei complementar estão os números da discórdia. O total de coronéis da corporação passará da noite para o dia de 64 para 94. O projeto também prevê aumento do número dos demais oficiais dos atuais de 5.483 para 6.209. Ou seja, além dos coronéis o inchaço de chefes seria acompanhado por um aumento dos demais oficiais, o que multiplicaria o “trem da alegria” para escalões intermediários, com promoções em cascata.
De acordo com um coronel ouvido pela coluna, o comando da PM encaminhou uma proposta mais ampla, “com importantes iniciativas de valorização”, mas o governo sinalizou que encaminharia somente a parte informada às associações no Copom, pois considera que o impacto orçamentário dos novos coronéis e oficiais seria “desprezível”.
Sobre o aumento dos coronéis, a Polícia Militar alega que a corporação paulista é entre as polícias militares estaduais a que tem o menor número de coronéis em relação ao total de sua tropa. Estados como Ceará e Rio de Janeiro aumentaram recentemente o número de coronéis, mas não na proporção que São Paulo pretende. A coluna perguntou à Secretaria qual a razão de a gestão Derrite pretender aumentar o número de coronéis e de oficiais. O espaço segue aberto.

Os coronéis ouvidos disseram ainda que o aumento seria desnecessário, pois atualmente já existem distorções, como o fato de uma mesma diretoria da PM ter dois coronéis. Ou seja, não haveria nem mesmo cargos suficientes para abrigar tamanha multiplicação desses oficiais. Eles afirmam que “o que, no atual momento atual, a população e a PM menos precisam é do “aumento do número de coronéis, principalmente na quantidade proposta”. E afirmam que o número atual é “plenamente suficiente”.
Para outro coronel ouvido, “aos olhos do cidadão que lê esse projeto, há coisas a estranhar”. E citou: “quadro de músicos para o trabalho de policiamento? O praça (soldado, sargento) ao fim de carreira pode ir, como oficial (tenente, capitão) para um quadro de especialista/administrativo mas não pode chefiar policiamento, sua especialidade?”. Ele continuou apontando outros pontos: “Continua a maldita brecha para o policial se afastar do trabalho de policiamento, ficando ‘agregado’ num posto longe do policiamento”.
Ou seja, pontos importantes para a modernizar a tropa e servir de forma mais efetiva à população foram deixados de lado. O coronel concluiu: “A PMESP deu um grande salto em tecnologia nos anos 2000, mas a organização não evoluiu.” Para ele e para seus colegas, as promoções deveriam priorizar, nesse projeto, os policiais em atividade operacional, mas “o que se vê nas últimas promoções, principalmente por merecimento, é a priorização de pessoal administrativo ou de serviços especializados”.

Por fim, ele apontou outro problema no plano: “Curioso que separa coronéis de oficiais. Coronéis não são oficiais? Deveriam aproveitar e criar o quadro de bombeiros, de soldado a coronel, já que suas atividades são absolutamente distintas do trabalho policial”. Para o coronel, está na hora de o governo “filtrar isso, pensando na polícia do futuro, porque o parâmetro (do projeto) é o passado”. Aí está o desafio de Tarcísio de Freitas: reestruturar a PM para modernizá-la e atender à população ou agradar uns poucos coronéis e os amigos de Derrite.
