18 de dezembro de 2025
Politica

As motivações do legislador

Sempre que ocorre um crime de repercussão, imediatamente, passa a se discutir a necessidade de uma legislação mais dura e repressiva.

Muitos sustentam que a suposta benevolência da nossa legislação é a causa principal da violência. Alegam que os malfeitores não se importam em delinquir porque sabem que serão punidos com penas leves e em breve estarão em liberdade. Para os que pensam assim, o delinquente, se soubesse que seria punido com rigor e que cumpriria integralmente a pena, pensaria duas vezes antes de delinquir.

Não cabe aqui discussão mais elaborada a respeito. O argumento, a toda evidência, não procede.

É mais que óbvio que a mudança de legislação, ainda que necessária, não traz diminuição significativa nos índices de crimes praticados.

Apenas para ficar em um exemplo.

Quem não se lembra do lançamento do pacote anticrime protagonizado pelo então todo poderoso Ministro Sérgio Mouro nos primeiros anos do governo Bolsonaro? Seria a panaceia. A realidade, no entanto, se impôs e, apesar do mérito de algumas mudanças, a violência não diminuiu sequer em proporções mínimas.

Seja como for, o legislador é sensível aos apelos e, de quando em quando, introduz modificações para dar satisfação à opinião pública.

Foi assim, por exemplo, com a introdução da Lei dos Crimes Hediondos.

Conhecido empresário, Roberto Medina, idealizador do Rocky in Rio, cinco anos após o estrondoso sucesso da primeira edição, foi sequestrado. Permaneceu em cativeiro por semanas e somente foi liberado com o pagamento de resgate milionário.

Identificados os sequestradores, membros da quadrilha de Maurinho Branco, logo se disse que a pena para a extorsão mediante sequestro era branda demais.

Coincidência ou não a partir de julho de 1990, a extorsão mediante sequestro teve acréscimo em sua pena além de passar a ser considerado crime hediondo com todas as suas consequências, em especial o cumprimento da pena em regime fechado.

Deixo claro que, a meu ver, o legislador agiu bem ao se sensibilizar com os reclamos da sociedade e endurecer o tratamento penal para o sequestro.

Tempos depois outro crime abalou a opinião pública.

Em 1992, atriz da Rede Globo, Daniela Perez, foi brutalmente assassinada por ator com quem contracenava em novela de grande audiência.

O réu foi processado e condenado pelo Tribunal do Júri como autor de homicídio qualificado.

Para decepção de muitos, no entanto, a época o homicídio qualificado não figurava no rol dos crimes hediondos, pelo que o autor do homicídio, cumprindo em sexto de sua pena, poderia progredir de regime.

Há uma reação popular com a liderança da mãe da atriz e em 1994- Lei 8.930/9, a chamada “Lei Gloria Perez”- o homicídio qualificado passa a ser rotulado como crime hediondo.

Mais uma vez deixo claro que não tenho a intenção de criticar a mudança legislativa.

Pelo contrário.

A mudança se justifica plenamente dada a gravidade do crime.

Aliás, a pressão popular não parou nos casos de violência de gênero o que motivou a tipificação do crime de feminicídio.

Aqui temos três exemplos- Lei dos Crimes Hediondos, Lei Gloria Perez e tipificação do feminicídio- de pressões da sociedade que motivaram o legislador a penalizar com mais rigor determinadas condutas.

Claro que durante os debates para as edições das leis houve vozes oportunistas que pregam a punição indiscriminada e sem critério.

Ainda assim, não há como negar que, pelo menos nestes casos, o rigor da lei acompanha o sentimento da maioria da sociedade civil.

Mas há casos curiosos.

No auge da ditadura militar em que se pregava a necessidade de punição rigorosa e indiscriminada sem garantia mínima de defesa, houve a primeira modificação importante, de caráter liberalizante, em nosso sistema processual penal.

Neste triste período, além da brutal repressão política, havia também a repressão ilegal e arbitrária contra o criminoso comum.

Neste contexto, surgiram os famigerados Esquadrões da Morte.

Em São Paulo, o Ministério Público, sob o comando do Procurador Hélio Bicudo com o apoio do Juiz Corregedor da Polícia Judiciária Nelson Fonseca, realiza investigações e identifica o Delegado Sérgio Paranhos Fleury como um de seus principais membros, responsável pela prática de vários homicídios.

Como é sabido, o Delegado Sérgio Paranhos Fleury fazia parte também da repressão política e, como tal, tinha contatos importantes.

Pois bem.

Com a sequência das investigações, Fleury seria inevitavelmente pronunciado e submetido a julgamento pelo Tribunal do Júri. Nesta época contra réu pronunciado por crime inafiançável, tal como o homicídio, expedia-se mandado de prisão.

Assim, aproximava-se o momento em que Fleury, homem ligadíssimo à repressão política, seria preso.

Bem por isso, o legislador, em 22 de novembro de 1973, edita a Lei n° 5.941 que modifica a redação do artigo 408 do Código de Processo Penal e passa a permitir que réus primários e de bons antecedentes (exatamente como o Delegado Fleury) possam aguardar julgamento pelo Júri em liberdade.

Neste caso, o legislador se rendeu a pressões de repressores, mas editou lei que modificou para melhor a legislação processual penal.

A partir da chamada Lei Fleury, que, claramente visava beneficiar alguém que jamais se preocupou com o direito de defesa, foram surgindo vários dispositivos legais que dão vida a presunção de inocência.

Passa o tempo e novamente agentes políticos que jamais se preocuparam com os direitos dos acusados se mobilizam para produzir modificação legislativa para beneficiar especificamente uma pessoa.

As mesmas pessoas que durante anos se manifestaram contra, para citar apenas um exemplo, as audiências de custódia modificam a definição de concurso material e concurso formal feita há anos pelo Código Penal para beneficiar exclusivamente Bolsonaro e seus cumplices de golpe contra a democracia.

O genial Tom Jobim disse que o Brasil não é para amadores.

Tem razão.

Como explicar que jovens frequentadores de festivais de música e feministas se mobilizam e conseguem o endurecimento de leis, enquanto admiradores de Fleury e Bolsonaro patrocinam leis para mitigar penas?

 

 

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