17 de dezembro de 2025
Politica

O compromisso do papa Leão XIV e o livro que denunciou os crimes da ditadura militar brasileira

De volta da viagem à Turquia, Leão XIV foi questionado por que não rezara na Mesquita Azul, em Istambul, como fizeram Bento XVI e Francisco. Ele respondeu: “Quem disse que não rezei? Pode ser que eu esteja rezando agora”. E completou: “Prefiro rezar em uma igreja católica, na presença do Santíssimo Sacramento”.

O papa Leão XIV visita a mesquita azul, em Istambul, na Turquia:
O papa Leão XIV visita a mesquita azul, em Istambul, na Turquia: “Quem disse que não rezei?”

O papa, que parece reconciliar os pontificados de Ratzinger e Bergoglio, aproveitou, dias depois, a audiência com novos embaixadores para dizer que a Igreja “não ficará em silêncio diante das graves desigualdades, injustiças e violações dos direitos humanos fundamentais”.

Legitimava, assim, o trabalho de Baltazar Porras, o cardeal de Caracas, que teve o passaporte apreendido e foi impedido de deixar o país por ter denunciado as violações de direitos do ditador Maduro. No Brasil, como fazia o antigo SNI, um deputado denunciou ao Vaticano o padre Julio Lancellotti por sua “pregação política”, o que está além do uso de redes sociais. Surge a questão se a Igreja de Prevost é a mesma vivida por d. Paulo Evaristo Arns, na luta contra os delitos da ditadura militar. O arcebispo de São Paulo acolheu perseguidos fossem quem fossem; o que lhe importava era a humanidade e a sua memória.

Capa do livro 'Nunca Mais, os bastidores da maior denúncia contra a tortura já feita no Brasil, do jornalista Camilo Vannuchi (ed. Discurso Direto, 236 páginas)
Capa do livro ‘Nunca Mais, os bastidores da maior denúncia contra a tortura já feita no Brasil, do jornalista Camilo Vannuchi (ed. Discurso Direto, 236 páginas)

Foi por essa razão que d. Paulo se envolveu no Projeto Brasil Nunca Mais. A história da ação do prelado e de personagens, como os advogados Luiz Eduardo Greenhalgh e Eny Raimundo Moreira, está contada no livro Nunca Mais, os bastidores da maior denúncia contra a tortura já feita no Brasil, do jornalista Camilo Vannuchi. Com recursos do Conselho Mundial das Igrejas (CMI), copiaram em segredo um milhão de páginas de casos do Superior Tribunal Militar, identificaram 494 responsáveis por prisões e torturas e mapearam uma rede 242 centros onde esses crimes aconteceram.

Foi d. Paulo quem sugeriu ao advogado que procurasse o pastor Jaime Wright, que abriu as portas do CMI – ele enviava secretamente ao Brasil, todo mês, emissários com dinheiro para o projeto. Em São Paulo, as cópias eram guardadas na sede do Instituto Sedes Sapientiae e, depois, na paróquia Nossa Senhora Mãe da Igreja. Usaram um microcomputador CP500 – novidade na época – para preencher planilhas e concluir o trabalho.

O cardeal-arcebispo de São Paulo, d. Paulo Evaristo Arns, e o advogado Luiz Eduardo Greenhalgh, que atuou na defesa de presos políticos
O cardeal-arcebispo de São Paulo, d. Paulo Evaristo Arns, e o advogado Luiz Eduardo Greenhalgh, que atuou na defesa de presos políticos

Quando ficou pronto, o relatório que os organizadores queriam divulgar tinha 5,2 mil páginas. Foi aí que d. Paulo se mostrou decisivo: “Quem vai ler 5,2 mil páginas? Vocês precisam fazer uma síntese da síntese. Essa pesquisa precisa virar um livro de 300 páginas”.

O livro pretendido por d. Paulo – o Brasil Nunca Mais – foi publicado em 1985 e se tornou um dos mais importante relatos sobre violações de direitos humanos na América Latina. Ao completar 40 anos, Vannuchi o resgata ao mesmo tempo que a manifestação de Leão XIV demonstra que essa missão não acabou.

 

 

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