17 de dezembro de 2025
Politica

Uma crítica & um lamento

Viriato Correia era um acadêmico polêmico (a rima é involuntária). Muitos o criticavam pela falta de profundidade em pesquisas que precisariam ser feitas para justificar obras mais densas.

Em conversa com o diretor da Biblioteca Nacional, Mário Behring, Humberto de Campos ouve dele que Viriato Correia “quer conhecer a História do Brasil mas não quer ler, estudar, pesquisar. Quer apanhar o assunto no ar, para desenvolvê-lo a seu modo”.

E conta que uma vez, aflitíssimo, pediu a Mário lhe fornecesse, de memória, alguns episódios históricos que lhe servissem para produzir contos. O amigo lembrou que, na coleção da “Kosmos”, havia numerosas crônicas que ele escrevera, sobre acontecimentos dramáticos da História do Brasil. E comenta que o Viriato, com a maior sem-cerimônia, reproduziu todos os textos de Mário e, sem se dar ao trabalho de ir às fontes citadas por ele, omitiu qualquer referência ao seu nome.

Humberto de Campos faz a observação sarcástica: “Mário Behring ri, modesto, como quem, possuindo um celeiro cheio, não se incomoda que um pinto lhe devore um punhado de milho…”.

Mas no mesmo diálogo, ambos lamentam o infausto de Oliveira Lima a ofertar seus quarenta mil escolhidíssimos volumes à Biblioteca da Universidade Católica de Nova Iorque.

No dia seguinte, 23.3.1928, fica-se sabendo que o Oliveira Lima falecera em Washington. Humberto de Campos o admirava e a notícia o encheu de tristeza, pôs-lhe “um crepe no coração”. Oliveira Lima vivia longe do Brasil e mais longe ainda da Academia Brasileira de Letras, com a qual não mantinha boa amizade. Humberto se recorda da atuação dele quando de suas duas candidaturas à Academia.

Em 1919, Humberto se lançou à vaga de Emílio de Meneses e encontrou feroz resistência de Osório Duque Estrada, com quem não se dava, e por Luís Guimarães Filho, que se suscetibilizara com alusões bem-humoradas feitas no semanário “Dom Quixote”. Procuraram um candidato para concorrer e derrotar Humberto. Escolheram Eduardo Ramos, a quem a Academia devia a lei que a considerara de utilidade pública e lhe concedera uma subvenção.

Humberto soube que Oliveira Lima chegara ao Rio e foi visitá-lo no Hotel Central, no Flamengo. Ele o recebeu não como postulante, mas como amigo velho. Tratou-o com franqueza e jovialidade que ele estava longe de esperar.

Humberto tece considerações sobre o contraste entre a obra de Oliveira Lima e sua pessoa. Impetuoso nas investidas, inclemente nos ataques, quase monstruoso no físico, era de trato delicado e singelo. Oliveira Lima fez com que Humberto subisse a seus aposentos e lhe entregou o voto, para os quatro escrutínios. Com uma generosa menção: – “A Academia precisa de lutadores da sua têmpera, e, se não entrar agora, escreva-me para o Recife, ou para onde eu estiver, toda a vez que for candidato, porque o meu voto será seu!”.

Meses depois, foi anulado o pleito acadêmico. Humberto escreveu-lhe pedindo o seu voto. E este veio prontamente, acompanhado de uma carta afetuosa em que fornecia o seu endereço em Washington, para onde seguiria em breve. Uma observação interessante: “Desnecessário é dizer que a leitura da carta me tomou quase uma hora, pois a caligrafia de Oliveira Lima era quase indecifrável. Quem olhasse às pressas uma folha de papel escrita do seu punho, supo-la-ia escrita por um árabe”.

Detalhista em suas descrições, Humberto se detém a lembrar a figura singular do confrade: “De altura acima do comum, era Oliveira Lima verdadeiramente monstruoso pela gordura. O rosto, enorme e oval, era continuado embaixo por uma papada, um verdadeiro lençol de gordura, que lhe cobria em parte a abertura da camisa. Ornando esse rosto, uns olhos grandes e a boca polpuda, de sobre a qual desciam as duas guias do bigode chinês, as quais, arqueadas sobre a boca, pareciam mais as duas asas de um pássaro pequeno, que lhe quisesse entrar pelo nariz”.

Pesando 120 quilos, para abraçar-lhe seriam necessários dois homens, de braços abertos. “Toda essa gordura, porém, parecia desaparecer, evaporar-se, quando ele se movia ou falava. O espírito, nele, era uma espécie de energia elétrica mobilizando um encouraçado”.

Humberto de Campos arremata: “E esse encouraçado acaba de afundar-se na terra, que é, infelizmente, onde se dão os maiores naufrágios”.

 

 

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