19 de dezembro de 2025
Politica

Cultura afrouxou fiscalização e zerou reprovação de contas via leis de incentivo, diz TCU

BRASÍLIA – O Ministério da Cultura afrouxou a fiscalização sobre gastos com projetos culturais e, na prática, extinguiu a reprovação de contas irregulares. Segundo relatório técnico do Tribunal de Contas da União (TCU) obtido pelo Estadão, novas regras criadas pela pasta dispensaram a análise financeira detalhada da maioria dos projetos, fazendo o índice de reprovação por irregularidades despencar para 0% em 2024.

As mudanças incidem sobre projetos viabilizados por leis como Rouanet, Paulo Gustavo e Aldir Blanc. Em nota, o ministério afirmou que as medidas buscam “desburocratização, agilidade e valorização do resultado cultural” e estão alinhadas ao novo Marco Regulatório do Fomento à Cultura (lei mais abaixo).

A ministra da Cultura, Margareth Menezes
A ministra da Cultura, Margareth Menezes

Como mostrou o Estadão, o passivo de contas não analisadas é considerado um problema crônico, acumulando 29,7 mil projetos e R$ 22 bilhões em verbas. Diante da incapacidade de processar esse volume, a gestão atual optou por flexibilizar as normas para “desburocratizar processos”. São repasses para shows, festivais, peças de teatro, edição de livros e outras atividades culturais.

O afrouxamento via Diário Oficial

Duas instruções normativas assinadas pela ministra Margareth Menezes (em setembro de 2024 e fevereiro de 2025) alteraram consideravelmente o controle sobre projetos de pequeno e médio porte.

Para as ações financiadas com até R$ 750 mil, a avaliação passou a ser feita exclusivamente em relação à execução física do projeto. Ou seja, se o show ou o festival aconteceram, sem necessidade de análise financeira ou mesmo exigência de apresentação de documentos fiscais.

Já para os projetos de até R$ 5 milhões, a avaliação financeira se dá apenas pela análise do relatório de relatórios financeiros, sem verificação minuciosa dos documentos fiscais das despesas.

“Torna-se evidente que as regras atualmente vigentes foram ajustadas ao longo dos últimos anos com o propósito de afastar ao máximo o controle financeiro dos projetos culturais, reservando tal análise apenas a casos muito específicos e, ainda assim, limitando-a à mera avaliação de relatórios de execução financeira, sem a necessária verificação dos documentos fiscais das despesas realizadas”, diz o TCU.

95% sem fiscalização detalhada

O impacto da medida é elevado. O tribunal analisou 26.250 projetos aprovados e constatou que 24.994 deles (95,2%) se enquadram nas faixas de valor beneficiadas pelo afrouxamento.

“O que se verifica é uma potencial fragilização nas exigências de avaliação financeira de 24.994 prestações de contas, que correspondem a 95,21% do total dos processos aprovados. Tais processos representam um montante aprovado de R$ 21,26 bilhões, cujas prestações de contas que ainda estiverem no passivo das quase 30.000 prestações de contas, prescindirão de qualquer análise mais aprofundada em suas execuções financeiras”, alerta o relatório.

A ‘prova impossível’ e a queda a zero

Outra mudança crítica foi a exigência de comprovação de dolo ou má-fé para reprovar contas, contrariando a jurisprudência do TCU. Até então, bastava comprovar a “culpa” (negligência ou erro grave) para punir o gestor. Ao exigir prova de intenção deliberada de fraudar, o ministério tornou a punição quase impossível.

O reflexo nos números foi imediato. A análise de amostras da Secretaria de Gestão de Prestação e Tomada de Contas (SGPTC) mostra o sumiço das reprovações:

  • 2019: 14,4% reprovados
  • 2020: 7,2%
  • 2021: 13,1%
  • 2022: 11,7%
  • 2023: 1,2% (início da gestão)
  • 2024: 0,0%
  • 2025: 3,0% (dado parcial)

Para os auditores, os dados indicam um “claro enfraquecimento” do controle, seja pela eliminação de exigências documentais ou pela redução do rigor dos exames.

A reprovação das contas ativa mecanismos para ressarcimento dos recursos e evita que o Estado continue liberando recursos públicos para quem não deveria recebê-los.

Apesar de as instruções normativas terem “simplificado” os controles, esse afrouxamento não tem sido suficiente para redução do passivo histórico. O motivo apontado pelo órgão de controle são problemas de gestão e ineficiência operacional ao longo dos últimos anos.

O que diz o ministério

Em nota, o Ministério da Cultura disse que as duas instruções normativas criticadas pela área técnica do TCU “estão alinhadas com o novo Marco Regulatório do Fomento à Cultura”. Para a pasta, as medidas trazem para a sociedade ganhos com “desburocratização”, “agilidade” e “valorização do resultado cultural”.

A nota destacou também que a simplificação das prestações de contas permite que os produtores culturais “dediquem mais tempo à criação e execução dos projetos, e que a administração pública analise as prestações de contas de forma mais célere e eficiente”.

“Isso não significa ausência de controle, mas sim um controle de resultados, mais alinhado às melhores práticas de gestão pública”, alegou.

 

 

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