19 de dezembro de 2025
Politica

O teatro das sabatinas do TCU: como o Senado influencia as nomeações e molda o comando da Corte

As sabatinas dos indicados a ministro do Tribunal de Contas da União (TCU) costumam ser tratadas como um rito protocolar, um passo quase automático no processo de nomeação. Mas essa percepção é enganosa. Ao analisar as sabatinas realizadas entre 1988 e 2023, nosso estudo demonstra que essas sessões públicas são um espaço privilegiado para observar preferências políticas, conflitos institucionais e visões concorrentes sobre o papel do TCU na democracia brasileira.

A pesquisa partiu de uma pergunta simples, mas pouco explorada: o que as sabatinas efetivamente revelam sobre o processo de nomeação e sobre a accountability horizontal no Brasil? Para respondê-la, analisamos as transcrições de 11 sessões de arguição no Senado, utilizando método de análise de conteúdo. O foco recaiu sobre as perguntas feitas pelos senadores, entendidas como o principal elemento revelador das expectativas, valores e tensões que atravessam a relação entre Congresso e TCU.

O primeiro resultado é claro: as sabatinas não funcionam como um exame técnico rigoroso dos indicados. Raramente os senadores questionam o cumprimento dos requisitos constitucionais para o cargo. Ao contrário, a maioria das falas dos senadores é laudatória, marcada por elogios pessoais e sobre a atuação política. Contestação aberta é exceção. Esse padrão sugere que os nomes chegam à sabatina após negociações políticas prévias, reforçando a teoria da antecipação presidencial: o Presidente da República indica apenas candidatos que já passaram, prévia e informalmente, pelo crivo do Senado.

Mas reduzir as sabatinas a um simples teatro seria igualmente equivocado. Ainda que a aprovação seja praticamente certa, o conteúdo das perguntas revela preferências claras dos senadores sobre quem deve ocupar o cargo e como o TCU deve atuar. Um achado central do artigo é que o perfil do indicado pesa mais do que a origem da indicação. Políticos experientes — senadores, deputados ou ex-parlamentares — são recebidos com sessões festivas, cheias de elogios à trajetória política. Servidores de carreira, por sua vez, enfrentam sabatinas mais sóbrias, com maior ênfase em questões técnicas e institucionais.

Desse contraste emerge um critério recorrente, explicitado pelos próprios senadores: a chamada “sensibilidade política”. Para o Senado, um bom ministro do TCU não é apenas alguém com domínio técnico, mas alguém capaz de compreender a lógica da política, negociar, dialogar e representar, dentro da Corte de Contas, a visão do Parlamento. A sabatina, assim, funciona como um ritual de consagração de políticos que deixam a arena eleitoral para ocupar um cargo vitalício em uma das instituições centrais do controle estatal.

Além de revelar preferências sobre perfis, as sabatinas também expõem o que os senadores pensam sobre o TCU e sua atuação. Identificamos quatro grandes temas recorrentes: fiscalização de programas e entidades públicas, eficiência institucional do Tribunal, fiscalização de obras e, mais recentemente, a relação entre TCU e Congresso. É nesse último ponto que surgem as maiores tensões.

Até o início dos anos 2000, predominam elogios à atuação do TCU. A partir de 2008, o tom muda. Aparecem críticas frequentes ao que os senadores percebem como excesso de autonomia e baixa responsividade do Tribunal. O TCU é acusado de ser rígido demais com prefeitos e gestores locais, de paralisar obras públicas e de criar normas infralegais que, na visão dos parlamentares, extrapolariam sua função de órgão auxiliar do Legislativo. Em algumas falas mais contundentes, o Tribunal chega a ser descrito como um “poder paralelo”.

Essas críticas revelam uma tensão estrutural: de um lado, uma burocracia altamente especializada, estabelecida desde a criação do TCU em 1890 e fortalecida ainda mais pela Constituição de 1988; de outro, representantes eleitos que veem sua margem de ação limitada pela fiscalização.

As sabatinas dos ministros do TCU são, simultaneamente, rituais de legitimação e arenas de disputa política. Elas não barram indicações, mas moldam expectativas, afirmam preferências e expõem conflitos sobre a accountability horizontal. Ao fazê-lo, revelam um Senado longe de ser mero “carimbador” das escolhas presidenciais e um TCU cuja autonomia, embora amplamente reconhecida, é constantemente tensionada na arena política.

 

 

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