19 de dezembro de 2025
Politica

Pacto por PL da Dosimetria envolveu Planalto e bolsonaristas; leia bastidores

BRASÍLIA – O acordo para permitir a votação do projeto de lei (PL) da Dosimetria envolveu o Palácio do Planalto e bolsonaristas, segundo relato de senadores, e deixou o líder do governo na Casa, Jaques Wagner (PT-BA), como “fusível” da articulação para poupar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) do desgaste.

O projeto que reduz as penas dos condenados pela tentativa de golpe e beneficia o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) foi aprovado no plenário do Senado na quarta-feira, 17, após uma reviravolta mais cedo na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), uma espécie de antessala da votação definitiva.

Manifestação contra o PL da Dosimetria em Brasília, em 14 de dezembro de 2025
Manifestação contra o PL da Dosimetria em Brasília, em 14 de dezembro de 2025

O presidente da CCJ, Otto Alencar (PSD-BA), relatou ter combinado com o MDB – Renan Calheiros (AL), Eduardo Braga (AM) e Alessandro Vieira (SE) – de pedir vista da proposta, adiando a votação do projeto em cinco dias e, assim, empurrá-la para o ano que vem.

Havia baixa disposição no colegiado de enfrentar o desgaste em aprovar uma proposta repleta de brechas que poderiam beneficiar não somente os envolvidos no 8 de Janeiro, mas criminosos diversos (de condenados por corrupção a crimes sexuais).

Os bolsonaristas, na contramão, queriam ver o texto aprovado o quanto antes. O senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), pré-candidato à Presidência da República, tem dito em encontros a portas fechadas que seu desejo é conseguir libertar os bolsonaristas do 8 de Janeiro antes do Natal.

A guinada ocorreu após Wagner propor a Calheiros, após o início da sessão, que a votação do projeto fosse feita naquele dia, em vez de postergá-la para 2026. A articulação envolveu o líder da oposição no Senado, Rogério Marinho (PL-RN), aliado de Flávio, segundo Alencar e Calheiros relataram ao Estadão. A sugestão incomodou o alagoano, que a denunciou ao vivo durante a audiência.

“Há pouco veio aqui o líder do governo no Senado dizer a mim que ele concordava em deixar votar a matéria, porque queria votar o PL que iria elevar as alíquotas de bets e de fintechs”, disse Calheiros na sessão.

O senador se referia ao projeto de lei aprovado na Câmara na mesma noite que reduz benefícios fiscais em 10% e amplia a tributação de casas de apostas e fintechs para aumentar a arrecadação em 2026.

Alencar também diz ter sido chamado por Wagner ao cafezinho para avisá-lo de um acordo com a oposição bolsonarista para um pedido de vista de quatro horas, com aval do Palácio do Planalto.

“Wagner disse que o governo sabia disso, que pediu a ele, porque o governo queria esses R$ 20 bilhões para complementar o orçamento federal. Pensei: ‘Pô, o governo Lula, que é o principal opositor do Bolsonaro, me pede isso, então não vou ficar brigando sozinho, com metralhadora para cima de mim’”, declarou Alencar ao Estadão.

A negociação, no fim das contas, envolvia que nem os governistas impedissem a votação do PL da Dosimetria, tampouco os bolsonaristas atrapalhassem a aprovação do projeto econômico que alivia as contas do governo federal em 2026, de acordo com Alencar.

O presidente da CCJ afirma ter sentido um “clima estranho” ao chegar à sessão na manhã de quarta-feira, uma vez que os principais líderes do governo e do PT estavam ausentes.

“Na minha cabeça, eu teria uma tropa de choque dos governistas para me ajudar. Só quem se dispôs a caminhar comigo foram Renan (Calheiros), Alessandro (Vieira) e Eduardo Braga. Eu chamei o meu líder, Omar Aziz (PSD-AM), para vir, mas ele não veio. Você acha que eu teria força para aprovar isso sozinho?”, afirmou, criticando a ausência de Rogério Carvalho (SE), líder do PT no Senado, Wagner e Randolfe Rodrigues (PT-AP), líder do governo no Congresso.

Alessandro Vieira, por sua vez, afirmou que o suposto acordo envolveria até mesmo o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, a quem chamou de “falso herói” por, segundo ele, criticar o PL da Dosimetria e articular sua tramitação nos bastidores.

“Nos bastidores está acontecendo um grande acordo que envolve diretamente o ministro Alexandre de Moraes, que se entende no direito de interagir com senadores e deputados, sugerindo inclusive texto, enquanto na tribuna da Suprema Corte verbaliza o contrário, que o Congresso vai muito mal quando sinaliza para a sociedade. Este texto que estamos votando é fruto de um acordo entre o governo Lula, parte da oposição e o ministro Alexandre de Moraes”, disse Vieira. Alencar nega ter sido contatado por Moraes.

Os vícios foram sanados por meio de uma manobra do relator Esperidião Amin (PP-SC), que acolheu uma emenda de redação do senador Sérgio Moro (União-PR) delimitando a redução de penas ao contexto do 8 de Janeiro. Por ter havido uma alteração de conteúdo, o PL deveria ter voltado à Câmara, mas os bolsonaristas conseguiram enviar a proposta reformada ao plenário.

O PL da Dosimetria passou. O placar foi de 17 votos a favor e sete contrários ao texto na CCJ, e depois de 48 contra 25 em plenário. A esquerda e a sociedade civil inundaram as redes sociais de críticas à articulação, mas Wagner chamou a responsabilidade para si com uma declaração pública.

Após ter retornado da reunião ministerial direto para a CCJ, Wagner afirmou que ele fez o acordo sem consultar a ministra da articulação política do Palácio do Planalto, Gleisi Hoffmann, e o presidente. Ele diz que o combinado envolvia meramente uma questão “de procedimento”, para que a anistia fosse votada ainda neste ano, e não sobre o conteúdo do texto.

“Assumo aquilo que fiz, de acordo de procedimento, porque acho que não tinha sentido nenhum empurrar (a votação para 2026). Eu não troquei nada, porque no mérito está mantida a minha posição. Fiz (o acordo), e faria de novo. Não negociei mérito, e sim procedimento. A responsabilidade é minha. Se tiverem que bater, que batam em mim”, declarou após o projeto ter sido aprovado.

Nas redes sociais, usuários como Vinicios Betiol (210 mil seguidores no X; “eu não passo pano para isso”) e Thiago Reis (1,8 milhão de inscritos no YouTube; “Wagner traiu o governo”), além de parlamentares como o vereador de Belo Horizonte Pedro Rousseff (“Lula desmentiu a fake news de que o governo Lula tinha feito acordo para aprovar o PL”) dirigiram suas críticas a Wagner, e pouparam Lula.

“A aprovação do PL da Dosimetria (anistia disfarçada) ontem no Senado é indignante. O povo foi às ruas no último fim de semana para rechaçar qualquer perdão aos golpistas. Qualquer acordo, como anunciou o líder do governo Jaques Wagner, que tenha acelerado ou possibilitado a aprovação do projeto é um erro inadmissível. O presidente Lula tem que vetar na íntegra esse projeto”, escreveu a deputada federal Sâmia Bomfim (PSOL-SP).

Ausentes da sessão na CCJ por terem comparecido a uma reunião ministerial com Lula, os principais líderes do governo passaram a negar qualquer acordo pela votação do PL da Dosimetria, diante da repercussão negativa que tomava forma.

“Quero deixar bem claro. De nossa parte, não tem nenhuma possibilidade de acordo, seja com anistia raiz, seja com anistia nutella. Não há tolerância para quem comete crime contra a democracia. Vamos para o debate na CCJ pela rejeição do projeto. Se for aprovado na CCJ, nós iremos para o plenário do Senado para derrotar o projeto. Se for aprovado no plenário (…) o presidente Lula vetará esse projeto”, afirmou Randolfe, num vídeo gravado de dentro do carro.

Lindbergh Farias (RJ), líder do PT na Câmara, publicou um vídeo dizendo que “não tem acordo em relação a essa questão da dosimetria, acordo zero”. Gleisi jogou o problema para o colo de Wagner ao dizer que “a condução desse tema pela liderança do governo no Senado na CCJ foi um erro lamentável, contrariando a orientação do governo que desde o início foi contrária à proposta”, e que Lula vetará o projeto.

Numa coletiva de imprensa na tarde desta quinta-feira, 18, Lula se esquivou da negociação do dia anterior, mas não respondeu por que teria o líder do governo no Senado feito um acordo sem a anuência do Palácio do Planalto.

“Se houve acordo com governo, eu não fui informado. Então, se o presidente não foi informado, não houve acordo. Tenho dito que as pessoas que cometeram crime contra a democracia brasileira terão que pagar contra os atos cometidos contra esse país. Nem terminou o julgamento ainda e já resolvem diminuir a pena. Com todo respeito que tenho ao Congresso, na hora que chegar na minha mesa, eu vetarei”, afirmou o petista.

 

 

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