‘OAB que se dane’, diz juíza que expulsou advogados de sessão do Tribunal do Júri
A juíza Mônica Cataria Perri Siqueira, da 1ª Vara Criminal de Cuiabá, afirmou “que se dane a OAB” durante um julgamento no Tribunal do Júri, após uma reclamação da defesa, e determinou que a Polícia Militar retirasse do plenário advogados da Comissão de Prerrogativas da OAB de Mato Grosso. O episódio ocorreu na última segunda-feira, 15, durante o julgamento de um policial civil acusado de matar um policial militar. Imagens do entrevero circulam nas redes sociais.
Em nota, o Tribunal de Justiça de Mato Grosso informou que os advogados estavam gravando os jurados, prática vedada por resolução do Conselho Nacional de Justiça.
No vídeo que viralizou nas redes sociais, a magistrada desafia os advogados. “Pode até chamar o presidente da OAB”, disse após o advogado pedir que ela reconsiderasse a retirada dos representantes da entidade.
Na sequência, a magistrada afirma: “Que se dane, vocês estão aí só levantando a OAB. Mantenha o respeito. Isso é um absurdo que está acontecendo aqui. Pode retirar os três”, ela ordenou.
“Manda prender então, Excelência. Manda prender os advogados. Manda prender! Eu entrego a minha liberdade a Vossa Excelência. Manda me prender! Eu entrego a minha liberdade pela defesa do acusado. Vossa Excelência está passando de todos os limites”, reagiu um dos advogados.
A discussão ocorreu no julgamento pelo Tribunal do Júri de Mário Wilson Vieira da Silva Gonçalves, investigador da Polícia Civil acusado de matar a tiros o policial militar Thiago de Souza Ruiz em abril de 2023.
No dia seguinte ao tumulto no Tribunal do Júri, advogados de Mato Grosso, acompanhados da presidente da seccional, Gisela Cardoso, compareceram ao Fórum de Cuiabá para acompanhar o julgamento. Segundo relatos, o grupo foi impedido de entrar no prédio pela equipe de segurança, que teria barrado o acesso por ordem da juíza.
A entrada dos advogados só foi liberada após Gisela acionar a presidência do Tribunal de Justiça do Estado. A presidente afirmou que, diante dos fatos, a OAB de Mato Grosso “dialogou com a magistrada, requerendo sobretudo respeito e cordialidade”.
O advogado Cláudio Dalledone, que atuava no júri e afirmou ter sido um dos ofendidos, declarou que houve violação de prerrogativas e “demonstração célere de força, do velho ditado ‘mexeu com um, mexeu com todos’”.
Na terça-feira, 16, o julgamento foi retomado, mas a juíza dissolveu o Conselho de Sentença sob a suspeita de que os jurados podem ter sido influenciados pela discussão no dia anterior. Com isso, o julgamento foi anulado e deverá ser realizado novamente, com a formação de um novo conselho, em 12 de maio de 2026.
“A magistrada exortou aos advogados que não gravem a audiência, em especial os jurados. Ela pediu ainda que os advogados mantenham a urbanidade e o respeito para boa condução dos trabalhos”, destacou o Tribunal de Justiça de Mato Grosso, em nota.
‘Dignidade da Justiça’
A Associação Mato-grossense de Magistrados (Amam) saiu em defesa da juíza, afirmando que “as declarações feitas pela magistrada foram descontextualizadas”.
“Isso porque a magistrada teria advertido os advogados de defesa de que deveriam manter o respeito ao decoro processual e à solenidade do júri, antes de acionar a OAB”, anotou a associação.
“A magistrada agiu no exercício regular de suas atribuições e deveres legais, em consonância com o princípio da preservação da dignidade da Justiça, não cabendo à opinião pública ou à esfera associativista dirimir sobre eventuais descumprimentos de suas funções jurisdicionais”, concluiu a entidade.
O procurador nacional de Defesa das Prerrogativas da OAB, Alex Sarkis, publicou um vídeo afirmando que o episódio é “grave, inaceitável e afronta diretamente a Constituição, o devido processo legal e a advocacia brasileira”.
“Prerrogativas da advocacia não são privilégios — são garantias do cidadão”, disse ele. Sarkis afirmou que a juíza “passou a conduzir o julgamento de forma hostil à defesa, violando as prerrogativas da advocacia”.
Ele disse ainda que o “Conselho Federal da OAB, sob a liderança do presidente Beto Simonetti, sua diretoria e todo o Sistema Nacional de Defesa das Prerrogativas, adotarão todas as providências cabíveis para que condutas como essa não se repitam”.
