O crime de advocacia administrativa; entenda
A Administração Pública, para cumprir adequadamente suas finalidades constitucionais, deve pautar sua atuação pelos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, previstos no art. 37 da Constituição Federal. Qualquer desvio desses parâmetros compromete a legitimidade da atuação estatal e enfraquece a confiança da sociedade nas instituições públicas.
É comum o funcionário público exercer algum tipo de influência em repartição ou órgão público para favorecer um conhecido, amigo ou parente, agindo como se fosse verdadeiro advogado dele.
Evidente que a conduta é ilegal e imoral, violando diversos princípios da administração pública.
Nesse contexto, o legislador penal tipificou o crime de advocacia administrativa, previsto no art. 321 do Código Penal, com o objetivo de reprimir condutas praticadas por agentes públicos que, abusando da função que exercem, passam a atuar como verdadeiros defensores de interesses privados perante a própria Administração. Busca-se, assim, impedir que o exercício da função pública seja instrumentalizado para favorecer particulares, em detrimento da neutralidade e da isonomia que devem reger a atuação administrativa.
O crime de advocacia administrativa encontra-se definido no art. 321, “caput”, do Código Penal, nos seguintes termos:
“Patrocinar, direta ou indiretamente, interesse privado perante a administração pública, valendo-se da qualidade de funcionário. Pena: detenção, de um a três meses, ou multa”.
A norma penal tutela o regular funcionamento da Administração Pública, bem como os princípios que a orientam, notadamente o da impessoalidade, buscando evitar que agentes públicos utilizem sua posição funcional para interferir indevidamente na tomada de decisões administrativas.
Trata-se de crime próprio, pois somente pode ser praticado por funcionário público, conforme o conceito amplo previsto no art. 327 do Código Penal, que inclui quem exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, cargo, emprego ou função pública.
O sujeito passivo do delito é o Estado, uma vez que a conduta compromete a lisura, a imparcialidade e a credibilidade da Administração Pública.
A conduta típica consiste em patrocinar interesse privado perante a Administração Pública, valendo-se da condição funcional. O termo “advocacia” não deve ser interpretado em sentido técnico-profissional, pois o crime não exige que o agente seja advogado regularmente inscrito na OAB.
O tipo penal alcança qualquer funcionário público que atue como se advogado fosse, defendendo, requerendo, intercedendo ou favorecendo interesses particulares junto à Administração, mediante abuso das prerrogativas inerentes ao cargo.
O patrocínio pode ocorrer:
- de forma direta, quando o próprio agente pratica os atos;
- de forma indireta, por intermédio de terceiro (interposta pessoa);
- de maneira formal ou explícita, como na apresentação de petições, requerimentos ou manifestações administrativas;
- ou de forma dissimulada, mediante acompanhamento privilegiado de processos, pedidos informais a outros servidores ou intervenções veladas.
Para a caracterização do delito, é indispensável que o agente se valha das facilidades proporcionadas pela função pública, não sendo suficiente a mera condição de funcionário.
Para a caracterização do delito o interesse privado patrocinado pode ser legítimo ou ilegítimo.
Se legítimo, aplica-se o caput do art. 321, com a pena menor.
Se ilegítimo, incide o parágrafo único, com pena mais gravosa: detenção de três meses a um ano, e multa.
Interesse privado é aquele voltado ao benefício de um particular, ainda que juridicamente lícito. A ilicitude penal decorre não do conteúdo do interesse, mas da indevida interferência do agente público na atuação administrativa, violando o princípio da impessoalidade.
Importante ressaltar que o interesse patrocinado deve ser alheio, isto é, de terceiro. Caso o agente atue em defesa de interesse próprio, não se configura o crime de advocacia administrativa, embora a conduta possa caracterizar infração administrativa ou outro ilícito penal, conforme o caso concreto.
Não há crime quando o funcionário público apenas orienta ou esclarece o particular acerca de procedimentos administrativos ou sobre a forma regular de exercício de um direito. A atividade informativa, quando exercida nos limites da legalidade, não configura patrocínio de interesse privado.
O ilícito penal surge quando o agente assume a defesa do interesse particular, substituindo-se indevidamente aos canais institucionais da Administração e atuando como verdadeiro procurador do administrado.
O crime de advocacia administrativa é formal e de mera conduta, consumando-se com a prática do primeiro ato de patrocínio, independentemente da obtenção de qualquer resultado favorável ao particular.
Admite-se a tentativa, quando, por circunstâncias alheias à vontade do agente, a conduta não chega a se consumar.
Nos termos do art. 327, § 2º, do Código Penal, a pena será aumentada de um terço se o agente ocupar cargo em comissão ou função de direção, chefia ou assessoramento em órgão da administração direta, sociedade de economia mista, empresa pública ou fundação instituída pelo Poder Público.
O crime de advocacia administrativa constitui relevante instrumento de proteção da Administração Pública contra abusos funcionais, reafirmando a necessidade de atuação impessoal, neutra e isonômica por parte dos agentes públicos. Ao criminalizar o patrocínio de interesses privados por funcionários, o legislador busca preservar a confiança da sociedade na integridade das decisões administrativas.
