26 de dezembro de 2025
Politica

Gilberto de Mello Kujawski (14.12.1929/22.12.2025)

Quando ingressei no Ministério Público de São Paulo em 1972, a Instituição possuía algumas lendas. Uma delas era o Procurador de Justiça Gilberto de Mello Kujawski, um filósofo erudito, o melhor intérprete de Ortega Y Gasset no Brasil.

Respeitado por outros filósofos pátrios, como Miguel Reale, Vicente Ferreira da Silva, Heraldo Barbuy, era cultor de múltiplos interesses. Um verdadeiro polímata. Os interessados sabem que Antonio Paim o considerava o principal autor do liberalismo brasileiro, graças ao contexto integral de sua obra, notadamente o livro “A Pátria Descoberta”.

Prolífico, são inúmeras as suas publicações, dentre as quais se destacam “Fernando Pessoa, o Outro”, “Descartes existencial”, “Introdução à metafísica do perigo”, “Liberdade e participação”, “Perspectivas filosóficas”, “A crise do século XX”, “O signo de sagitário: ensaios”, o já mencionado “A Pátria descoberta”, “Ortega y Gasset: Aventura da razão”, “O sabor da vida”, “O elmo de Mambrino”, “Idéia do Brasil – A arquitetura imperfeita”, “O Ocidente e sua sombra”, “Império e Terror”, “A identidade Nacional e outros ensaios. Somos muitos, somos um?”, “O Sentido da Vida: Transforma-te em quem és”, “Machado de Assis por dentro” e muitos outros.

Não sabia nem imaginava eu, em 1972, que viria a me tornar amigo e comensal de Gilberto. Graças à velha afeição que ele nutria por Paulo Bomfim, coube-me o privilégio de frequentar a casa de Gilberto, para saborosos almoços em que a culinária competia com o sabor das reflexões filosóficas e literárias. Verdadeira pós-graduação em alta cultura, de que pude usufruir durante várias décadas.

Tentei convencer Gilberto Kujawski a aceitar que lançássemos sua candidatura a uma das Cadeiras da Academia Paulista de Letras, onde teria sido um dos mais festejados “imortais”. Pois ele sabia conciliar fabulosa sabedoria, acumulada em perene aprendizado de leitura e meditação na companhia dos clássicos, e a generosa partilha de seu acervo de conhecimentos. Sem pedantismo, sem ironias, sem aquele ar que irradia de pseudogenialidades, ávidas por aplausos e sequiosas de encômios.

Gilberto era um homem simples. Um homem bom. Um homem generoso. Por isso, um homem sábio. Nessa jornada de quase um século, mudou o seu entorno e o expandiu. Era impossível deixar de refletir sobre as lições emanadas de seus artigos em “O Estado de São Paulo” e no “Jornal da Tarde”. Foi um amante da verdade, da Justiça, do belo, da ética e da natureza. Dele extraí observações preciosas sobre a mudança climática, assim como a expressão “vassouras hidráulicas”: o uso inadequado das mangueiras jorrando água – em era de grave escassez hídrica – em lugar do uso da singela vassoura.

Seu livro “O sentido da vida”, que foi colocado sobre sua urna funerária, é uma síntese de seu legado. Viver intensamente, fazer valer a efêmera e frágil existência de cada humano, que se olvida de modo tão fácil, da finitude do ciclo vital. Gilberto era movido pela certeza de que se espera de uma criatura racional, cuja vocação é a perfectibilidade, uma efetiva participação na sociedade, para que o mundo – só por esse motivo – seja um pouco melhor do que era antes de sua chegada.

Em “O sabor da vida”, ao escrever sobre Miguel de Unamuno, ele preleciona: “O homem de carne e osso não é nem o “animal racional” da filosofia clássica, nem o organismo biológico inventado pela ciência moderna. É ohomem vivente, amante e padecente, com sua personalidade única e insubstituível, “que nasce, sofre e morre – sobretudo o que morre”. Este homem, que transita do nascimento à morte, constitui-se, essencialmente, de uma história, de uma biografia, é um drama ambulante”.

Como comentou Pedro Franco de Campos, seu colega e amigo na despedida, enterramos, com Gilberto de Mello Kujawski, um dos gigantes não só do Ministério Público, mas da filosofia, da literatura, da história e de uma postura ética irrepreensível, aquela de que o Brasil de hoje mais necessita. Resta o seu legado: as obras que têm de ser lidas, relidas e discutidas. Gilberto Kujawski é insubstituível, mas ganhou a imortalidade possível, que é a atemporalidade sempre atual e a permanência de seu elevado e consistente pensamento.

 

 

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