30 de dezembro de 2025
Politica

Não existe a figura do juiz investigador, nem em primeiro grau nem nos tribunais superiores

É possível ao magistrado de qualquer instância determinar de ofício, sem requerimento do Ministério Público ou representação da autoridade policial, na fase de investigação, diligência(s) com a finalidade de esclarecer fatos, isto é, investigar?

Não, não é possível.

E falo de qualquer tipo de diligência, seja uma perícia, oitiva de testemunhas, acareação, interrogatório etc.

Nosso direito processual penal adotou o sistema acusatório de processo em que existe nítida divisão entre o órgão acusador e o julgador.

Enquanto a acusação é, em regra, formulada por um órgão estatal (Ministério Público), o poder Judiciário é o responsável pela aplicação da lei e a solução dos conflitos entre o Estado e o particular.

As partes estão em igualdade de condições, sobrepondo-se a elas, como órgão imparcial de aplicação da lei, o Juiz.

Como corolário lógico desse sistema, vigoram os princípios do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal ( CF, art. 5º, LIV e LV), além das garantias da tutela jurisdicional (art. 5º, XXXV), do acesso à Justiça (art. 5º, LXXIV), do Juiz natural (art. 5º, XXXVII e LIII) e do tratamento paritário das partes (art. 5º, caput, e I), estando vedado ao Juízo instaurar ação penal de ofício (“ne procedat judex ex officio”) e investigar na fase pré-processual, usurpando a função da polícia judiciária (art. 144 da CF) e do Ministério Público, titular exclusivo da ação penal pública (art. 129, I, da CF), que também possui o poder investigatório criminal, reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal.

Fica evidente, portanto, que não existe em nosso sistema processual a figura do juiz investigador, como em outros países. Mas, mesmo nesses locais, como na França, o magistrado que atua na fase investigativa não poderá participar da fase instrutória do processo e muito menos prolatar a sentença, que será de competência de outro magistrado, a fim de ser preservada a imparcialidade.

O sistema acusatório atualmente está previsto no artigo 3º-A, do Código de Processo Penal, que diz: “O processo penal terá estrutura acusatória, vedadas a iniciativa do juiz na fase de investigação e a substituição da atuação probatória do órgão de acusação”.

Referido dispositivo teve sua abrangência reduzida pela Excelsa Corte para permitir, na fase judicial, a atual probatória do magistrado, mas de forma supletiva às partes, a fim de formar sua convicção para que possa julgar de forma correta, observado o artigo 156, inciso II, do Código de Processo Penal (ADI 6299).

Juiz que investigou não pode julgar por estar sua convicção íntima contaminada pela produção probatória. Está, portanto, impedido de atuar no processo e as provas por ele produzidas são absolutamente nulas e contaminarão todas as delas derivadas.

E o motivo é bem simples. Antes mesmo de decidir já terá uma antevisão dos fatos e fará de tudo para construir um acervo probatório que confirme o que investigou. Partirá da conclusão para os fatos e não o contrário, o que é o correto. Terá, portanto, interesse no desfecho processual, o que é causa de impedimento (art. 252, IV, do CPP).

Um dos piores vícios processuais é a parcialidade do magistrado, cuja decisão de tão nula é como se não houvesse existido.

A imparcialidade, junto com a competência, é um pressuposto processual subjetivo de validade do processo. Sem ele, o processo é inválido, ou seja, nulo de forma absoluta, anotando que a nulidade absoluta jamais convalida e pode ser alegada em qualquer fase processual, inclusive após o trânsito em julgado, podendo ser reconhecida de ofício (sem pedido das partes) pelo magistrado.

A isenção do magistrado é uma das maiores garantias do jurisdicionado de que terá um julgamento justo.

Por isso, existem os institutos do impedimento e da suspeição, cuja finalidade é afastar do processo o juiz que não julgará com a isenção necessária.

A situação é tão grave que Ministro do Supremo Tribunal Federal que oficia em processo em que é suspeito cometerá crime de responsabilidade e poderá ser alvo de processo de impeachment (art. 39, 2, da Lei nº 1.079/1950).

Com efeito, as diligências determinadas por magistrado na fase investigatória são absolutamente nulas por violarem o sistema acusatório de processo, não podendo ser empregadas para fundamentar qualquer decisão na fase processual.

E, mesmo que se entendesse não ter havido prejuízo ou inexistir nulidade, esse magistrado não poderá atuar na fase judicial por estar impedido, nos termos do artigo art. 252, IV, do Código de Processo Penal.

A situação se agrava ainda mais se essas diligências são determinadas contrariamente ao posicionamento do órgão do Ministério Público oficiante, titular exclusivo da ação penal pública (art. 129, I, da CF), a quem as provas são endereçadas ao término das investigações para que decida se oferecerá denúncia ou promoverá o arquivamento do procedimento investigatório (inquérito policial ou procedimento de investigação criminal).

Não pode o magistrado, de qualquer instância, determinar que o Ministério Público promova a ação penal. Essa decisão fica na esfera de atribuição dos membros da Instituição. O máximo que pode ocorrer é o magistrado não concordar com a promoção de arquivamento e, nos termos do artigo 28 do Código de Processo Penal, remeter os autos ao órgão revisor da Instituição, que poderá oferecer denúncia, delegar essa função a outro membro ou, ainda, requisitar novas diligências para dirimir eventuais dúvidas.

Saliento, ainda, que nos Tribunas Superiores não existe órgão revisor da promoção de arquivamento do inquérito policial ou do procedimento de investigação criminal (PIC). Isso ocorre porque nesses Tribunais (STF e STJ) o Ministério Público Federal atua por meio do Procurador Geral da República e Subprocuradores-Gerais da República, por delegação do primeiro, mas em nome da Instituição.

Nesses casos, não se aplica o artigo 28 do Código de Processo Penal (sistema de revisão interna), pois inexiste órgão ministerial hierarquicamente superior ao que atua perante esses Tribunais.

Ora, se o membro do Ministério Público oficiante, destinatário natural de toda a prova produzida na fase inquisitiva, entende não ser o caso de realização de determinada diligência, seja por desnecessidade, nulidade ou ilicitude, não pode o magistrado determiná-la de ofício, sob pena de violação à sua imparcialidade e de afronta à determinação legal expressa contida no art. 3º-A do Código de Processo Penal, o qual veda a iniciativa probatória do juízo durante a fase investigatória, em estrita observância ao sistema acusatório, já consagrado implicitamente no ordenamento constitucional brasileiro, mesmo antes da entrada em vigor do referido dispositivo..

Cada ator processual tem a sua função e em nada contribui para o Estado Democrático de Direito que um órgão se imiscua em outro, haja vista o princípio fundamental da separação dos poderes da República (art. 2º, CF), de modo a haver a perfeita harmonia entre eles e a fiscalização de um ao outro dentro dos limites traçados pela Constituição Federal.

 

 

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