Desembargador nega liminar a fiscais da Fazenda e mantém ‘Radar Anticorrupção’ de Tarcísio
O desembargador José Carlos Ferreira Alves, do Tribunal de Justiça de São Paulo, indeferiu pedido liminar dos agentes fiscais de Rendas do Estado e manteve sob competência da Controladoria-Geral do Estado (CGE) atribuição para a análise da evolução patrimonial de servidores públicos. A decisão frustra o sindicato dos fiscais e valida decreto do governador Tarcísio de Freitas – publicado no dia 12 de novembro -, que passou à CGE competência para administrar e ter acesso inclusive ao Sistema de Análise e Evolução Patrimonial (SAEP) dos fiscais de ICMS.

A decisão de Ferreira Alves, que integra o Órgão Especial do TJ, foi tomada no dia 12. O desembargador mandou encaminhar o caso agora para apreciação e manifestação do Ministério Público, por meio da Procuradoria-Geral de Justiça.
O decreto de Tarcísio, questionado pelos fiscais da Fazenda, faz parte do Plano Anticorrupção do Governo do Estado, também conhecido por ‘Radar Anticorrupção’. Trata sobre a apresentação das declarações de imposto sobre a renda de agentes públicos, a publicidade das declarações das autoridades da Administração Direta e Indireta e os procedimentos de apuração preliminar de evolução patrimonial.





SP Patri
O texto abarca os agentes políticos, os servidores públicos e ‘todos aqueles que exercem, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de vínculo, mandato, cargo, função ou emprego nos órgãos e entidades integrantes da Administração Pública estadual’.
Todos deverão inserir, a partir de 2026, suas Declarações Anuais de Imposto de Renda no SP Patri, sistema eletrônico desenvolvido e administrado pela Controladoria e que fará a análise automatizada dos casos que indiquem possível evolução patrimonial atípica.
As declarações serão apresentadas no ato da posse ou da contratação em cargo, emprego ou função, na data do desligamento e anualmente. O descumprimento dos prazos poderá acarretar sanções, incluindo a suspensão dos vencimentos até que haja o cumprimento da obrigação.
“A recusa em apresentar a declaração poderá sujeitar ao agente público a extinção do vínculo com a administração. Serão publicadas, no Portal da Transparência estadual, as declarações de bens apresentadas na posse e término do mandato e anualmente pelas autoridades da Alta Administração”, prevê o decreto do ‘Radar Anticorrupção’.
A ofensiva dos fiscais, via mandado de segurança com pedido de tutela antecipada de urgência, sustenta que o ato administrativo de Tarcísio esvazia as atribuições da Corregedoria da Fiscalização Tributária (Corfisp), braço da Secretaria de Estado da Fazenda e Planejamento que já detém a missão de espreitar fiscais à margem da legalidade.
R$ 1 bilhão
A queda de braço se dá em meio a um período sensível que agita o Palácio Clóvis Ribeiro, sede do Fisco estadual, após o escândalo que levou à prisão, em agosto, do auditor de Rendas Artur Gomes da Silva Neto, por propinas estimadas em R$ 1 bilhão no esquema de ICMS-ST.
Artur teria usado a própria mãe, uma professora de 74 anos, como sua ‘laranja’ para lavar dinheiro de propinas. Ele está negociando acordo de delação premiada.
Para o Sindicato dos Auditores Fiscais de Rendas do Estado, a medida do governador ‘ofende a legalidade, a segurança jurídica e o sigilo fiscal dos ocupantes do cargo de auditor fiscal da Receita do Estado, uma vez que violou a Lei Complementar 1.281, de 14 de janeiro de 2016’.
Por meio do mandado eles querem a suspensão imediata dos efeitos do decreto do chefe do Executivo. ” É imperioso que se frise, desde já, que a evolução patrimonial não é questionada, mas sim o Decreto 70.091/25, que atribuiu a administração e acesso do Sistema de Acompanhamento de Evolução Patrimonial (SAEP) à Controladoria Geral do Estado, o que viola a Lei Complementar 1281/16″, pontua o Sindicato.
Os fiscais questionam o fato de o decreto ter submetido ao crivo da Controladoria Geral do Estado o ‘acompanhamento da evolução patrimonial dos auditores fiscais da Receita Estadual, em clara violação da LC 1281/16, que determina expressamente que a evolução dos Auditores Fiscais da Receita Estadual também é realizada pela Corregedoria da Fiscalização Tributária’.
Ressalvas
Em sua decisão, o desembargador Ferreira Alves, relator do mandado no Órgão Especial do TJ, destaca que ‘a questão central está relacionada à retirada da competência normativa da Corregedoria Tributária, órgão institucional que detém competência concorrente no acompanhamento da evolução patrimonial dos auditores, bem como a administração e acesso ao sistema que operacionaliza essa função’.
Ao indeferir a liminar, Ferreira Alves anotou que ‘não vislumbra, em princípio, a alegada violação à competência da Corregedoria Tributária na apreciação da evolução patrimonial dos auditores fiscais estaduais, tendo em vista as ressalvas contidas no próprio Decreto’.
Nesse ponto, o desembargador cita expressamente o trecho que prevê que ‘os processos disciplinares ou sancionatórios decorrentes de apuração da evolução patrimonial incompatível serão de responsabilidade da Controladoria Geral do Estado, ressalvadas as carreiras sujeitas a procedimentos administrativos disciplinares regulados por lei especial’.
Princípios
O mandado de segurança do Sindicato dos Agentes Fiscais de Rendas do Estado é subscrito por quatro advogados -Thiago Carneiro Alves, Thiago Durante da Costa, Frederico dos Santos França e Cassiano Torres Gerosa Gomes.
Em documento de 18 páginas, a entidade afirma que o decreto de Tarcísio ‘ofende os princípios da segurança jurídica e da confiança’.
“A violação ao princípio da legalidade é flagrante e, assim, um órgão externo à categoria dos auditores fiscais passará a ter o controle total e exclusivo das informações financeiras e fiscais, o que tem gerado absoluta insegurança aos auditores da Receita Estadual com relação ao vazamento dos dados”, expõe o sindicato.
Segundo os fiscais, ‘a transparência/publicidade, princípio indispensável à consecução do ato administrativo e de obediência obrigatória aos administradores públicos, também está sendo afrontada, uma vez que o impetrado deixou de esclarecer por qual motivo está excluindo o órgão correicional de realizar, em concomitância com a Controladoria Geral do Estado, o procedimento de apuração da evolução patrimonial, o que acarreta dúvida se haverá o acesso e manuseio das informações financeiras e fiscais inseridas no SAEP com critérios subjetivos, o que desqualifica a higidez do sistema’.
“Não podem restar dúvidas quanto à ofensa aos princípios da moralidade e da impessoalidade, porquanto é manifesto o desvio de finalidade do ato praticado, que permite, ainda que em tese, que ocorra algum tipo de acesso às informações sensíveis para perseguir algum auditor fiscal, ou um grupo específico de auditores fiscais, uma vez que a Corregedoria Tributária não terá mais acesso ao SAEP”, pontuam.
Ainda de acordo com os fiscais, ‘existe uma clara violação’ à intimidade, à privacidade e à proteção de dados pessoais, resguardadas pela Constituição Federal e pela Lei 13.709/2018 (Lei Geral de Proteção de Dados).
Eles assinalam que o acompanhamento da evolução patrimonial envolve o tratamento de dados pessoais sensíveis (renda, patrimônio, dívidas, cônjuge, dependentes, declarações fiscais etc.). “Ao se afastar a competência da Corregedoria de Fiscalização Tributária de acesso ao SAEP, bem como, do acompanhamento sistemático da evolução patrimonial dos auditores fiscais, o Decreto 70.091/25 promove o tratamento massivo e desnecessário de informações pessoais, em violação aos princípios da finalidade, necessidade e minimização”, afirmam.
O Sindicato argumenta que ‘o Estado não pode se eximir da obrigação de demonstrar finalidade específica e base legal idônea para a coleta e análise de tais dados’.
“Diante dessas considerações, onde se constata os inúmeros princípios constitucionais ignorados pelo impetrado e as incontáveis ilegalidades do Decreto 70.091/2025, é que se faz necessária a intervenção do Poder Judiciário, a fim de que seja reconhecida a ilegalidade do ato e declarada a nulidade do decreto aqui combatido.”
Ainda segundo a ação, o decreto ‘ofende a isonomia entre os servidores e coloca sob risco de sofrerem investigações de evolução patrimonial indevida diversos auditores fiscais’.
Os auditores indicam a possibilidade de ‘gravíssimos transtornos decorrentes de uma apuração de evolução patrimonial baseada em decreto ilegal e que usurpou prerrogativa da Corregedoria da Fiscalização Tributária, com fixação de competência exclusiva a outro órgão’.
“Se a medida não for deferida imediatamente, os auditores fiscais da Receita do Estado de São Paulo estarão suscetíveis de terem suas informações fiscais acessadas sem que haja a devida transparência na operação do SAEP, o que causa insegurança e transtorno de ordem pessoal, sendo expostos a possíveis retaliações injustas ou utilização ilegal e subjetiva por parte da Administração Pública”, ponderam.
Em outra via, eles buscam a adesão de outros profissionais do Estado. “Não suspender os efeitos do ato é abrir um mote para que essa ilegal coação praticada em face dos auditores fiscais da Receita do Estado de São Paulo possa ser estendida pela Administração Pública estadual, num segundo momento, a todos os servidores públicos, a exemplo dos próprios magistrados, procuradores e promotores de Justiça, deixando exposta sua esfera de privacidade sem qualquer fundamento ou autorização judicial, acarretando também quebra da autonomia funcional desses servidores.”
Por fim, anotam que a suspensão dos efeitos do decreto ‘não trará qualquer prejuízo à Administração, uma vez que os auditores fiscais da Receita do Estado já entregam as declarações de bens e direitos via Sistema de Análise e Evolução Patrimonial’.
Segundo a ação, a pretexto de regulamentar a apresentação das declarações de imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza pelos agentes públicos, a publicidade das declarações de bens e direitos das autoridades da Administração Direta e Indireta e sobre o procedimento de apuração preliminar de evolução patrimonial de agentes públicos, o decreto extrapola ‘a competência exclusiva para acompanhar a evolução patrimonial dos auditores fiscais da Receita Estadual, bem como, para administrar e ter acesso ao Sistema de Análise e Evolução Patrimonial’.
Os fiscais pedem, com a análise do mérito, que seja declarado absolutamente ilegal o ato de Tarcísio com a anulação do Decreto 70.091 que, ‘ilegalmente, excluiu competência da Corregedoria da Fiscalização Tributária para apreciação da evolução patrimonial dos auditores fiscais estaduais’.
