Poucos ministros do STF, numa República, passariam por isentos para julgar sobre o Banco Master
Serão minoria os togados de nossa corte constitucional que – submetidos a critérios republicanos – passariam por isentos para julgar matérias sobre o Banco Master e seus sócios, sem dúvidas de ordem ética acerca de seus interesses-relações.
Temos um surto de suspeição no STF, tribunal cujos integrantes são ao mesmo tempo palestrantes-viajantes em eventos do empresariado com causas na corte e – alastrada a cultura xandônica da onipresença – protagonistas em investigações; protagonistas, detalhe-se, em investigações sobre as empresas patrocinadores das palestras-viagens.

Dias Toffoli, anulador-geral da República, liquidou a sua condição de fiscal das garantias para se constituir delegado. Liquidou a separação entre as funções de investigar-acusar, defender e julgar. Liquidou a própria limitação do poder – a limitação ao abuso de poder. Liquidando, criou as circunstâncias para anular a liquidação do Master. Anulará?
Deveria ser agente perturbador nacional a percepção de que poucos ministros do Supremo estão hoje aptos – como juízes, sob a República, se houvesse uma – a tratar de qualquer questão relativa ao Master. Não me refiro à aptidão formal, decidida por eles mesmos. Podem tudo, como se mede pelas licenças que se dão, dublê de juízes e empreendedores, cujos parentes advogam livremente no tribunal em que tomam decisões monocráticas.
Falo do que lhes dá credibilidade. Distanciamento, entre outros elementos. Distanciamento – credibilidade – impossível, se um, futuro relator, voa em jatinho com advogado de sujeito implicado na fraude; se o outro, salvador da pátria, frequenta a mansão do banqueiro fraudador; e se a esposa do salvador da pátria tem contrato milionário – a mais de R$ 3,5 milhões por mês – com o banco do banqueiro fraudador.
Esse contrato existiria, nos termos em que firmado, não fosse a senhora – por competente que lhe seja a banca – esposa do talvez segundo ministro mais influente-poderoso? Existiria, não fosse fluente no STF a advocacia de relacionamentos?
O contrato existe. Moraes o confirma quando, em uma das notas-versões sobre as conversas com o presidente do BC, satisfações meia-boca, que reformou quase como Mauro Cid remendara sua delação, “esclarece que o escritório de advocacia de sua esposa jamais atuou na operação de aquisição BRB-Master perante o Banco Central”. A ver em que terá atuado, ou se seria necessário atuar. O contrato, de R$ 129 milhões, tinha como um dos objetos a defesa dos interesses do Master no BC.
Não faltou, de todos os lados, quem defendesse os interesses do Master no BC. Faltaram registros. Nem Moraes – herói não presta contas – nem Gabriel Galípolo inscreveram em suas agendas oficiais as reuniões que tiveram. Tudo na informalidade, à base dos acessos facilitados que só a força da caneta assegura.
Ainda que o tema das conversas tivesse sido apenas a aplicação da Lei Magnitsky, espanta que não cause espanto a normalização de que ministro do Supremo possa falar com o presidente da autoridade monetária, pedir-lhe assessoramento jurídico, à margem da mais mínima institucionalidade, como se fossem compadres; como se tal contato consultivo não coubesse, vá lá, à Presidência do STF.
Se coubesse, porque essa modalidade de consultoria não está entre as competências do BC. Entre as várias lições da ora tão lembrada Lava-Jato, um aprendizado parece seletivamente esquecido: o perigo da constituição de juiz-herói.
Valia tudo pelo combate à corrupção. Deu no que deu. Deu na reabilitação dos corruptos. A causa atual – a defesa da democracia – tem autorizado-justificado as vistas grossas em curso. Xandão só está em todo lugar – gênio que não voltará à lâmpada – porque opera o 8 de Janeiro permanente; porque conseguiu fazer prosperar a crença de que o golpe está à espreita, de que toda a crítica-investigação contra si terá por intenção beneficiar o capeta.
Coexistiram o movimento golpista liderado por Jair Bolsonaro e a forma autoritária-obscura como o juiz geriu o processo sobre a tentativa de golpe. A existência da segunda não apaga a do primeiro. A existência do primeiro não obriga a segunda. Criticar a segunda não significará negar o primeiro. Criticar a segunda será sobretudo – lembrada a volta dos corruptos – ato de prevenção contra a reabilitação dos golpistas.
Estamos aqui também, sob esse ambiente de intimidação escancarada, donde de medo explícito, porque o PGR Alexandre de Moraes não quis investigar a denúncia de Eduardo Tagliaferro, alguém que Alexandre de Moraes, delegado-geral da República, escolhera para trabalhar no TSE. Denúncia de que o ministro teria encampado o poder de polícia do tribunal eleitoral, que presidia, e o instrumentalizado para, desde seu gabinete no STF, encomendar acusações e esquentar decisões já tomadas nos inquéritos xandônicos. Imputação gravíssima.
Investigado, afinal, somente o denunciante, como se os grandes escândalos de Brasília não fossem disparados por tipos delatores como Pedro Collor, Roberto Jefferson etc.
