30 de junho de 2025
Politica

Como a ofensiva dos EUA contra o Irã pode envolver o Brasil e outros países da América do Sul

A guerra entre Irã, EUA e Israel pode chegar até o Brasil? A resposta a essa pergunta envolve um dos cenários com os quais militares brasileiros envolvidos com a segurança na Tríplice Fronteira trabalham: a análise de possíveis nexos entre a criminalidade organizada e o grupo xiita libanês Hezbollah. O que era um problema de segurança pode se agravar ainda mais, na medida em que o grupo apoiado pelo Irã se torne alvo de ações militares americanas em razão do caráter do conflito no Oriente Médio.

Barco Kiel durante abordagem, da Marinha e da PF, que encontrou 2 toneladas de haxixe e prendeu 4 na embarcação que vinha para o Brasil; Hezbollah lavaria dinheiro do tráfico de drogas
Barco Kiel durante abordagem, da Marinha e da PF, que encontrou 2 toneladas de haxixe e prendeu 4 na embarcação que vinha para o Brasil; Hezbollah lavaria dinheiro do tráfico de drogas

A preocupação com o risco de um ataque contra alvos no Brasil ou na América do Sul nasceu em razão do movimento da administração Donald Trump de buscar caracterizar como terroristas as organizações ligadas à criminalidade organizada, o que poderia autorizar ações armadas dos EUA contra alvos desses grupos. Até então, os americanos apostavam na cooperação militar e policial com os países da região, por exemplo, por meio de sua agência antidrogas, a DEA.

No mês passado, oito grupos – Tren de Aragua (Venezuela), Mara Salvatrucha (MS-13, de El Salvador) e os mexicanos Cartel de Sinaloa, Cartel de Jalisco Nueva Generación (CJNG), Cartel del Noreste (CDN), La Nueva Família Michoacán, Cartel do Golfo e Carteles Unidos – foram listados pelos EUA ao lado de grupos terroristas, como a Al-Qaeda, o Boko Haram, o Estado Islâmico e o Ansarallah (Houthis).

Enquanto isso, no Congresso brasileiro, deputados ligados ao bolsonarismo procuram aprovar uma modificação legal para tornar o desejo da administração Trump realidade em vez de unificar o combate ao crime organizado e criar uma agência nacional que o combata. Ao mesmo tempo, a Embaixada dos Estados Unidos, em Brasília, tornou público em 19 de maio a oferta de US$ 10 milhões de recompensa para quem fornecesse informações sobre “mecanismos financeiros do Hezbollah na área da Tríplice Fronteira”.

Embaixada americana de Assunção ofereceu US$ 2 milhões por informações sobre Sebastian Marset
Embaixada americana de Assunção ofereceu US$ 2 milhões por informações sobre Sebastian Marset

O texto pedia que o informante em busca do dinheiro entrasse em contato com o serviço de segurança do Departamento de Estado americano e afirmava: ”você pode se qualificar para uma recompensa e relocação” Não só. As embaixadas americanas de Assunção e de Buenos Aires fizeram o mesmo.

Os militares brasileiros detectaram um aumento da presença militar americana e apoio no Paraguai. Isso se materializou por meio de cursos de guerra cibernética, programas de intercâmbio em operações especiais, ações táticas de combate, etc. O mesmo processo estaria começando agora na Argentina.

Dias antes do anúncio da recompensa, uma nota do secretário de Estado, Marco Rubio, agradeceu a decisão do governo paraguaio de designar como terroristas o Hezbollah, a Guarda Revolucionária Islâmica do Irã e o Hamas. Rubio via no gesto do governo de Assunção a adesão à política de negar ao Irã presença na América do Sul.

Em maio ainda, os americanos divulgaram na conta de sua embaixada no Paraguai a oferta pública de US$ 2 milhões por informações que levem à captura de Sebastián Marset, um uruguaio que, nas palavras do Departamento de Estado, está “abusando do sistema financeiro americano para lavar lucros de suas atividades criminosas”. Segundo a embaixada, Marset “enfrenta processos por suas atividades no Paraguai e na Bolívia”.

No mês seguinte, os americanos anunciaram, em Buenos Aires, que estão construindo uma aliança contra o terrorismo com o governo de Javier Milei, o que aumentaria a segurança e a proteção “doméstica e regional”. Ou seja, depois do Paraguai, o governo argentino seria outro aliado na área da Tríplice Fronteira, onde, segundo os americanos, o Hezbollah atuaria.

Entre as atividades do Hezbollah listadas pelos americanos na região estariam a lavagem de dinheiro do tráfico de drogas, falsificação de dólares, o contrabando de diamantes, carvão vegetal, cigarros e combustível. O grupo libanês também manteria atividades comerciais legítimas na construção civil e no comércio exterior e imobiliário.

Trump ao lado do secretário de Estado, Marco Rubio, e do secretário de defesa, Pete Hegseth, na Casa Branca, anunciando o ataque ao Irã
Trump ao lado do secretário de Estado, Marco Rubio, e do secretário de defesa, Pete Hegseth, na Casa Branca, anunciando o ataque ao Irã

O problema é que, ao transformar as organizações criminosas em terroristas, os EUA podem adotar, na América do Sul, o mesmo modus operandi de neutralização de terroristas que utilizam no norte da África e no Oriente Médio. Ou como resumiu um dos oficiais brasileiros que conhece a área em conversa com a coluna: “Enviam um drone, lançam um ataque furtivo e ponto final”. Para em seguida questionar: “Permitiríamos isso em nosso território?”

Esse é o problema. E se houver danos colaterais? Se uma criança brasileira ou civis inocentes morrerem num ataque americano? O mesmo questionamento foi feito quando os americanos anunciaram o pagamento a brasileiros de recompensa por informações sobre criminosos. Como isso se daria? Um crime ocorrido no Brasil não seria informado às autoridades de segurança do Brasil? Com qual legitimidade e legalidade os EUA investigariam crimes no Brasil ao arrepio das leis brasileiras e de nosso governo?

Militares brasileiros reafirmam que em termos de compreensão do problema e de investigação, nossas forças de segurança e de defesa são mais eficazes do que essas medidas propostas pelos EUA. O que já era delicado antes, agora, com a guerra contra o Irã, pode se tornar dramático em razão do próprio caráter que o conflito pode assumir.

PF mira financiamento de terrorismo e fecha tabacaria que bancou viagens para recrutados do Hezbollah
PF mira financiamento de terrorismo e fecha tabacaria que bancou viagens para recrutados do Hezbollah

Os EUA acusam Teerã de armar mercados ilícitos para financiar e executar operações que oferecem a possibilidade de sua autoria ser negada de forma plausível. Uma delas é justamente a administração de redes de lavagem e logística que se estendem da África à América Latina, incluindo a Tríplice Fronteira. Não só. Também afirmam que forças apoiadas pelo Irã controlam rotas de tráfico de combustível e de metanfetamina no Oriente Médio, gerando recurso para contornar sanções econômicas.

Segundo o major Frederico Salóes, mestre em ciências militares e especialista em Guerra Irregular, esse “ecossistema permite que o Irã ataque onde for mais barato e inesperado: atentados a navios, cyber extorsão de companhias energéticas, ou ações clandestinas em solo sul-americano, tudo financiado por narcóticos, comércio ilícito de diamantes e câmbio paralelo”. Ao Brasil restaria aumentar a atenção sobre a movimentação de células vinculadas ao Hezbollah na Tríplice Fronteira, que podem ter como objetivo alvos judaicos, instalações diplomáticas e interesses norte-americanos.

Em 2024, a Justiça de Minas Gerais condenou o brasileiro Lucas Passos Lima, um dos acusados de envolvimento com o Hezbollah, a mais de 16 anos de prisão por terrorismo. Segundo o Ministério Público Federal, Lima foi recrutado para realizar atentados terroristas contra a comunidade judaica do Distrito Federal.

O químico turco Eray Uç, preso com o nome do irmão Garip Uç e condenado pela Justiça por tráfico de drogas: ele seria o químico do PCC, responsável por produzir o Dry Marroquino
O químico turco Eray Uç, preso com o nome do irmão Garip Uç e condenado pela Justiça por tráfico de drogas: ele seria o químico do PCC, responsável por produzir o Dry Marroquino

Um ano antes, a polícia de São Paulo prendeu o turco Eray Uç, o Químico do Primeiro Comando da Capital (PCC), acusado de participar de uma rede internacional de traficantes de drogas que entregava ao Hezbollah parte de seus lucros em troca de proteção para atuar no Oriente Médio. Na Baixada santista, Eray Uç confeccionava para o PCC uma variante de haxixe, o Dry Marroquino, droga popular na Turquia, cuja grama chega a custar R$ 60.

Quando se trata de combater o terrorismo e o crime organizado, seria interessante prestar atenção para o caso italiano e à experiência e destino de Gian Carlo Caselli, o procurador italiano que ajudou a desmantelar as Brigadas Vermelhas (BR, na sigla em italiano), e de seu parceiro nessa tarefa, o general Carlos Alberto dalla Chiesa, do Nucleo Speciale Antiterrorismo. Lá se usou mecanismos semelhantes para tratar tanto das BRs quanto da máfia. Mas, enquanto o terrorismo foi derrotado, a máfia ainda existe e prospera. Foi ela que assassinou Dalla Chiesa e não as BRs.

Por que certos mecanismos legais foram importantes para desmantelar a subversão, mas foram incapazes de lidar com as máfias? Os procuradores italianos compreenderam que para combater as máfias não bastava os instrumentos da legislação penal, pois a criminalidade organizada era um fenômeno cultural e social, ao contrário do terrorismo de esquerda ou de direita. Ou seja, o Estado tem de levar ordem aonde o crime atua. Em vez disso, não raramente, tem levado apenas mais violência e desordem, esquecendo-se de que a anomia só favorece os criminosos.

 

 

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