Governo Lula atende Motta com R$ 17 mi para prefeitura do pai do deputado e arena de forró vira lama
BRASÍLIA – O presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), foi responsável pela destinação de R$ 17 milhões em emendas parlamentares para ampliar o “Terreiro do Forró” de Patos (PB), cidade governada pelo seu pai, Nabor Wanderley. O espaço, que recebe anualmente as atrações das festas de São João do município, está no centro de uma disputa judicial milionária e virou um lamaçal no segundo dia de evento deste ano depois de chuvas fortes terem atingido a região.
As emendas que patrocinaram as obras no terreiro vieram da Comissão do Turismo da Câmara e têm as digitais de Motta. O uso dos recursos foi autorizado pelo Ministério do Turismo por meio de contrato firmado com a Prefeitura de Patos no dia 30 de dezembro de 2024, a menos de dois meses das eleições que sagraram Motta presidente da Câmara.
O governo Lula poderia ter optado por não empenhar os recursos, pois as emendas de comissão não são impositivas – ou seja, a União é desobrigada a reservar e repassar o valor estipulado.
Nessa quarta-feira, 25, a Câmara aprovou projeto que revoga decreto do governo Lula para aumentar o IOF. A proposta também foi aprovada pelo Senado.
Procurados, a prefeitura de Patos e Motta não responderam às perguntas da reportagem. Em nota, o Ministério do Turismo disse que a obra cumpre os requisitos técnicos exigidos, mas que os valores ainda não foram repassados à prefeitura pois a Caixa Econômica Federal aguarda o envio de documentos.
A Caixa informou que na gestão dos contratos de repasse que utilizam recursos do Orçamento da União. Cabe à instituição financeira “analisar a documentação técnica apresentada, acompanhar o processo licitatório, monitorar a execução das obras, autorizar os desbloqueios de recursos, avaliar a prestação de contas e conduzir o encerramento da operação”.
“Atualmente, a Caixa aguarda o envio da documentação técnica por parte do município, necessária para análise e posterior autorização do início da licitação. Até o momento, nenhum recurso foi creditado para a operação”, diz a Caixa, em nota.
O cronograma de desembolso dos recursos pelo Ministério do Turismo previa que R$ 11 milhões dos R$ 17 milhões já deveriam ter sido repassados à prefeitura comandada pelo pai de Motta, mas até o momento os repasses não foram efetivados. A despeito disso, as obras foram iniciadas e amplamente divulgadas por Nabor nas redes sociais.
“Patos vive um momento maravilhoso”, disse Nabor durante a abertura do São João de Patos, no último dia 19. “Através do trabalho do deputado Hugo Motta em Brasília, que ajudou muito a gente a realizar esse evento, nós estamos transformando a nossa cidade.”
Nabor atribuiu em mais de uma oportunidade ao filho o sucesso do projeto de ampliação do terreiro. “O deputado Hugo Motta já conseguiu empenhar os recursos para gente fazer essa obra, quando terminar o São João nós estaremos encaminhando o projeto para Caixa Econômica para assim que for aprovado e licitado, vai mudar tudo”, disse o prefeito em entrevista a um veículo local no encerramento do São João de 2024.
Nas redes sociais, Hugo Motta atuou com um grande promotor da festa em Patos, a qual ele chamou de “melhor São João do Nordeste”. Ele também fez convites a seus seguidores e deputados para irem à cidade em junho. “O convite tá feito. Vem pro São João de Patos!”, escreveu.
“A festa deste ano vem completamente remodelada, porque o terreiro foi praticamente dobrado o seu tamanho, ampliado. É o dobro da metragem anterior. Isso proporcionou que a população pudesse brincar com mais conforto e segurança”, disse o presidente da Câmara em entrevista a um televisão local.
O prefeito afirma que a obra ampliou o espaço do Terreiro de 12 mil m² para 25 mil m². O terreno foi comprado e parte dessa região, segundo a própria prefeitura, está localizada em área propensa a alagamentos. Um dos donos dos imóveis desapropriados para realização das obras foi à Justiça cobrar que a prefeitura pague quase seis vezes mais do que o município desejava pagar (veja mais abaixo).
A ampliação do terreiro foi propagandeada por Nabor nas redes sociais como uma forma de “dar mais conforto” para a população. Na última sexta-feira, 20, porém, uma chuva fez com que o piso do Terreiro desmanchasse, transformando a área num lamaçal. O espaço precisou passar por manutenção no dia seguinte para a continuidade das festas.
No dia seguinte, a prefeitura mobilizou uma operação de urgência, cobrindo o chão de terra da área recém expandida com pó de brita para conter os danos causados pela chuva.
O São João de Patos foi celebrado entre os dias 19 e 23 de junho e teve a participação de grandes artistas nacionais, como Nattan, Jorge e Mateus, Luan Estilizado (que tocou na festa que celebrou a vitória de Hugo Motta na presidência da Câmara), Bruno e Marrone e Wesley Safadão.
O evento foi organizado pela prefeitura de Patos em parceria com a Coollab Creative e contou com patrocínio de estatais – como o Banco do Nordeste, a Caixa e o próprio governo federal – e de grandes empresas privadas como PicPay, Brahma, Vaidebet, Azul, Megapharma, Coca-Cola e Mioche, Sttrans, Claro, Ballantines.
Foi em um dos camarotes do Terreiro do Forró que Motta apareceu participando de uma espécie de competição de goles de uísque com um influenciador.
Oposicionistas dizem que não são contrários às festas juninas em Patos, mas pedem responsabilidade no uso do recurso público. O vereador Josmá Oliveira (MDB) afirma que vai acionar o Ministério Público Federal (MPF) para que investigue a aplicação dos recursos federais pela prefeitura.

“Me causa estranheza esse montante”, afirma Josmá. “Já estive no local, foi uma reforma totalmente improvisada, não tem piso, não tem drenagem. Até o presente momento, nada que justifique os 17 milhões. Esperávamos algo com estrutura.”
A pressão sobre Nabor aumentou após o secretário de Infraestrutura de Patos, José do Bomfim Araújo Júnior, ser denunciado nesta terça-feira, 24, pelo MPF como membro de um esquema de desvios de recursos públicos para restauração de avenidas em Patos. A denúncia estima que a infração penal causou prejuízo de R$ 949 mil aos cofres da cidade.
O MPF acusa Bomfim de fraudar contrato “por meio do superfaturamento por jogo de planilha”. Também foram denunciados André Luiz de Souza Cesarino, Alaor Fiúza Filho, Josivan Gomes Marques e Yago Dias de Souza.
Disputa judicial aponta que prefeitura de Patos construiu em área ‘sujeita a alagamento’
Para poder ampliar o espaço do Terreiro do Forró, a prefeitura de Patos desapropriou uma área de 17 lotes que totalizam 5,3 mil m² pertencentes a dois grupos alegando “utilidade pública” do terreno e estipulou indenização de R$ 1,3 milhões.
O valor, segundo a instituição, foi estipulado considerando que há áreas “sujeitas a alagamento” e que, por isso, seria “necessária a implantação de uma macrodrenagem pluvial e elevação do nível do solo para adequação das edificações futuras”.
Os proprietários não consideraram o valor apropriado e foram à Justiça pedindo uma indenização mais alta. Uma perícia judicial estimou o valor total do terreno em R$ 8,3 milhões.
O caso segue em curso. Os autos do processo chegaram ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) após o recurso especial da Prefeitura de Patos sair derrotado.
Lei a íntegra da nota do Ministério do Turismo
O Ministério do Turismo esclarece que não houve qualquer transferência de recurso relativa ao contrato de repasse, que se encontra em cláusula suspensiva, aguardando a apresentação de documentos pelo ente conveniado. O contrato, cujos recursos previstos decorrem de emenda da Comissão de Turismo da Câmara dos Deputados, cumpre requisitos da Portaria MTur nº 40/2023, que define a construção ou a reforma de centros de eventos como ações elegíveis. Cabe informar, ainda, que o acompanhamento das obras compete à Caixa Econômica Federal, mandatária da União e responsável pela operacionalização do instrumento.