‘Precisamos de um órgão nacional contra o crime organizado’, diz Secretário de Segurança do RS
Sandro Caron de Moraes, secretário da Segurança Pública do Rio Grande do Sul, quer a criação de um órgão federal que centralize o combate às organizações criminosos de tipo mafiosa que praticam crimes transacionais e interestaduais. Ele defende ainda alterações legais que permitam a criação do sistema de cárcere duro no País para presos faccionados e que a lei reconheça a “habitualidade criminosa” como forma de impedir a soltura de bandidos que, apesar de serem presos diversas vezes, ainda não têm condenação em definitivo.
Caron, de 50 anos, trabalhou com um governador do PT – Camilo Santana, do Ceará – e depois com um tucano, agora no PSD, Eduardo Leite. Era diretor de inteligência da Polícia Federal (PF) quando a Operação Lava Jato foi deflagrada. Os antigos colegas de PF dizem que ele é o “anti-Derrite”, em uma referência ao fato de ele afirmar não ter nenhuma pretensão política, a exemplo do secretário da área de São Paulo, Guilherme Derrite (PP), que é deputado federal e pretende disputar uma vaga ao senador, em 2026. “Quando acabar o governo, volto para a PF”, afirmou.
Nascido em Porto Alegre, ele entrou para a PF em 1999. Ali foi ainda superintendente do Rio Grande do Sul e no Ceará, além de adido policial em Lisboa. Na PF, participou da primeira investigação que se deparou com o Primeiro Comando da Capital, em 2001, quando um bando de ladrões ligados à facção pretendia roubar Setor de Retaguarda e Tesouraria (Seret) do Banco do Brasil em Porto Alegre. Era a Operação Metralhas. “Começou a investigação no ano de 2000 e, no início de 2001, nós prendemos 14 integrantes do PCC que estavam em Porto Alegre.”
Abaixo, os principais trechos de sua entrevista.

Qual a posição do senhor a respeito da PEC da Segurança Pública apresentada pelo governo Lula ao Congresso?
Particularmente, tenho dúvida se essa PEC vai ter algum efeito concreto, aprovada como está. Efeito concreto, de redução de criminalidade no Brasil. Então, o que que penso assim, nesse período todo na PF, e nos 5 anos que estou como como secretário, somando o período do Ceará e o do Rio Grande do Sul, vejo que tem coisas mais urgentes para fazer. Temos algumas falhas graves na legislação penal e processual penal brasileira. Precisamos rever algumas questões pontuais para endurecer partes da legislação penal e processual penal. Já quero deixar claro aqui, eu não sou a favor do encarceramento generalizado, de prender todos por qualquer coisa. Sou a favor de que a gente tenha um sistema penal e processual, uma lei penal e processual penal e de execução penal que nos permita segurar preso pessoas que praticam crimes violentos. E eu incluo aqui os homicídios, tráfico de drogas, roubos, estupros, crimes violentos e graves. Esses criminosos têm que ficar bastante tempo presos até para que eles possam ser ressocializados. Em alguns casos, um homicida hoje fica dois, três, quatro anos preso e logo volta para a rua; ele não tem tempo de ser ressocializado. E nem a gente passa um sentimento para a população de que aquela pessoa foi punida adequadamente pelo crime grave que praticou.
Secretário, muitas vezes quando se fala em endurecimento de pena no Brasil, não se esquece de se diferenciar a criminalidade comum da criminalidade organizada?
Com certeza. Nas sugestões, tu tem que diferenciar o criminoso eventual do criminoso profissional.
Mas o homicida não é muitas vezes o que se chama de criminoso ocasional, que não é ligado ao crime organizado? Não seria necessário diferenciar o homicida ocasional do homicida do crime organizado ou crime no profissional? Não falta isso na legislação?
Falta. Falta na nossa legislação e as sugestões que que eu faço nessa linha são exatamente dentro disso. Diferenciar o criminoso profissional do ocasional. E eu abordo duas questões aqui. Então, no caso do homicídio, em torno de 80% – isso é um dado extraído de investigações do Rio Grande do Sul e é o mesmo percentual do Brasil – dos casos têm como motivação o envolvimento de pessoas com tráfico de drogas e com crime organizado. Eu não estou dizendo que todas as vítimas têm ligação com crime. Não, às vezes pode acontecer de, infelizmente, estar outra pessoa na rua ali e acabar sendo atingida ou é alguém que não tem envolvimento com crime, mas é familiar de alguém envolvido. De qualquer maneira, 80% tem essa motivação. Então, o que eu defendo é um endurecimento de pena para esses homicídios praticados a mando de grupos criminosos e traficantes de drogas para que a gente diferencie o homicídio praticado a mando de uma facção de um homicídio decorrente de uma briga de trânsito. Então, o direito brasileiro não faz isso. Em relação aos roubos, crimes violentos contra o patrimônio, eu entendo que tem que haver uma figura, criar uma figura da chamada habitualidade criminosa. A habitualidade criminosa deve constar do Código de Processo Penal para que, havendo essa situação, não se permita a concessão a um bandido de uma liberdade provisória após uma audiência de custódia. Aí, tu diferencia uma pessoa que numa eventualidade, às vezes, até por um desespero pratica o roubo, de um assaltante profissional. Vou dar um caso concreto aqui, que é emblemático, na cidade de Caxias do Sul, nós tivemos um assaltante de veículos que teve que ser preso 44 vezes.
O que o senhor está falando não é acabar com a audiência de custódia?
Não. Não é acabar com a audiência de custódia. Na verdade, é o seguinte: ter limitações de concessões de liberdade provisória em audiência de custódia para aquele criminoso que pratica um crime grave ou é um criminoso habitual. Não é acabar com a audiência de custódia, mas ter travas, porque hoje a lei dificulta a liberdade provisória no caso de reincidente. Só que, como a reincidência exige condenação transitada em julgado, o que leva em torno de 20 anos, praticamente não há reincidência. E, na minha avaliação, o tráfico de drogas é o crime que movimento homicídio e alguns crimes contra o patrimônio. Ele gera grande parte dos crimes violentos. Por isso temos de investir muito em ajustes na lei penal e processual penal, casos pontuais, não é encarceramento generalizado, e melhorar esse controle de fronteiras.

Quando a gente aumenta penas e pensa que só isso resolve, a gente não corre o risco de botar um humorista na cadeia por causa de uma piada? Não se criam distorções? Nós não estamos fazendo isso há 40 anos e o crime só cresceu desde então? Quem garante que isso vai resolver?
É porque, na minha avaliação, só não resolveu mais porque a gente precisa acertar no que aumentar e no que não aumentar. Então, tu não pode ter questões desproporcionais. O aumento que eu defendo e o ajuste é muito pontual. É para homicida decorrente de de disputas de tráfico e de e a que atua a mando de facção, que são 80% dos casos do Brasil e é para todo tipo de criminoso habitual que pratique crimes violentos, como no caso que eu te falei, dos roubos, que é um um crime que grande parte da população brasileira sente. E para a gente criar a figura da habitualidade criminosa para que ali o juiz, num caso concreto, se deparando com uma prisão de alguém que já está comprovado que é um criminoso profissional, tenha argumentos para manter uma prisão em flagrante.
Um que foi importante para o combate ao crime organizado na Itália foi a criação de uma diferenciação da forma de cumprimento de pena do criminoso de tipo mafioso e o criminoso comum. No Brasil isso não existe: o juiz tem de renovar a cada ano o cárcere duro no sistema federal. O senhor acha que é necessário mudar e lei que o modo de cumprimento de pena de mafiosos seja o cárcere duro no Brasil?
Com certeza. Eu acho que sim. Hoje, na prática, pela nossa lei, por exemplo, depende de decisão do juiz. Defendo que isso seja automático: criminoso profissional, quem pratica habitualmente crime violento, quem integra grupo criminoso, organização criminosa, ele não pode ser tratado como bandido comum. Hoje temos, por exemplo, no Rio Grande do Sul, assim como em outros Estados, módulos de segurança máxima, assim como nos presídios federais. Mas você depende de tempos em tempos de decisões judiciais que renovem a permanência do preso ali. Então, eu acho que a lei instituindo isso como automático facilita, até porque quem está envolvido com o crime organizado tem que ter um controle muito mais rígido dentro do presídio e não estar junto com criminosos comuns, até para que ele não vá regimentando mais pessoas para o crime organizado.
Não seria ainda mais importante mudar a legislação de combate à lavagem de dinheiro, pois o bandido, às vezes tem dez, 15 anos de atuação no crime e o juiz só quer ver os cinco últimos, quando o patrimônio dele já tá consolidado. Como é que faz?
O que que é necessário pra gente mudar na nossa legislação de lavagem de dinheiro para que a gente possa de fato alcançar o patrimônio das pessoas, porque todo mundo está careca de saber que tem que seguir o dinheiro, é atacar a parte financeira do crime. Eu chegaria a dizer que a segurança pública de um Estado, dependendo da tamanho dele, poderia ser financiada só com o que se apreende do crime. Porque, em certas situações, é tanto dinheiro que dava para pagar salário para todo mundo. Tranquilamente. A gente teria que criar novos sistemas de integração de dados e fazer uma maior aproximação desses trabalhos, porque quanto pega órgãos federais como Coaf, a Receita Federal, a capacidade que eles têm de produzir dados para que a gente investigue lavagem de dinheiro, ela é impressionante. Mas a gente precisaria integrar isso desses órgãos com a Polícia Federal e buscar uma forma também das polícias civis poderem trabalhar com esses dados.
Na imensa maioria dos casos, as redes de lavagem envolvem mais de um Estado, às vezes mais de um país. Não é algo que uma polícia estadual consiga fazer sozinha. Ela tem que atuar dentro de uma coordenação, atuando com os órgãos federais. Nós deveríamos pensar sim na criação de um órgão nacional, numa autoridade e uma estrutura com esse foco de trabalhar e fazer acontecer essa integração porque hoje a mesma organização que lava dinheiro para um grupo criminoso do Rio Grande do Sul, lava dinheiro para vários outros grupos criminosos do Brasil, extrapola o limite do estado. E uma Polícia Civil não consegue fazer sozinha. Ela pode até atuar, mas sob uma coordenação de um órgão nacional e, aí sim, vão fazer efetivamente investigações em conjunto. As Forças Integradas de Combate ao crime Organizado (FICCO, da PF) têm um resultado, mas, teriam que ter, na verdade, um tamanho muito maior do que têm.
Em 2024, em relação a 2023, o Rio Grande do Sul conheceu uma redução 40%,de roubos, roubos de pedestres e algo em torno de 30% de roubo de veículos. O número também de pessoas mortas pela polícia no Rio Grande do Sul caiu, mas caiu numa proporção menor. Se a letalidade policial seria ligada à criminalidade violenta, por que aquela caiu menos? Há algum problema de controle de letalidade policial no Rio Grande do Sul?
Não, nós não temos problema nenhum de controle quando quando tu pega os dados de letalidade policial do Rio Grande do Sul e compara com Estados com população semelhante, vai ver que a gente chega até, às vezes, só um terço do número de mortes por oposição à intervenção desses outros Estados. Estamos mantendo sempre um número baixo de letalidade policial e o ponto é o que, aqui, o próprio Rio Grande do Sul em 2022 tomou a decisão de implantar as câmeras corporais como mais um elemento de forma de mostrar a vontade de ter essa transparência nas ações da polícia. Nós temos números baixos, só que a questão da letalidade policial envolve muito a reação do criminoso no momento da abordagem. Trabalhamos com o uso progressivo da força. Além da implantação de câmeras, nós fizemos um investimento pesado em tasers. Nossa intenção é que o integrante da brigada militar, que é a nossa polícia militar, tenha sempre um taser à disposição, porque a dentro da ideia que eu te falei do uso progressivo da força.
O senhor vem de três realidades distintas: Polícia Federal, depois o senhor teve no Ceará, que não tem fronteiras mas tem um mar ali por onde o pessoal escoava a droga, e o Rio Grande do Sul, que tem a realidade da fronteira. O que difere a criminalidade num Estado e no outro?
Nós temos ali pontos de fronteira e isso faz com que a gente esteja mais propenso à entrada de drogas, à entrada, por exemplo, de fuzis. Então, tu fazer segurança pública no estado de fronteira sempre tem esse componente a mais. A experiência do Nordeste, aí é completamente diferente. No Rio Grande do Sul não há atuação direta dos dos dois grandes grupos nacionais. A gente tem alguns grupos locais, mas as duas grandes facções nacionais não atuam no Estado. Já no Nordeste elas atuam. E lá foi uma experiência muito desafiadora, porque no Ceará, onde trabalhei, ele tem uma localização geográfica muito boa para o trânsito de mercadorias lícitas, com uma posição estratégica dos seus portos para remessa de cocaína para a Europa. Então, os portos do Nordeste acabam sendo muito atrativos para os dois grandes grupos nacionais. E, com isso, esses dois grupos acabam entrando em conflito entre si e também com grupos locais, provocando números elevados de crimes violentos. Na verdade, o grande objetivo desses dois grandes grupos é o tráfico internacional de cocaína.
O senhor é candidato a deputado, candidato a senador ou a alguma coisa em 2026? O senhor tem alguma pretensão na política?
Não, não tenho nenhuma pretensão política. Eu acho que o meu perfil vai vai bem para cargos na Polícia Federal, vai bem para secretária área de segurança… Mas eu não tenho pretensão política. A minha ideia é cumprir minha missão como secretário e aí, depois, retomar a minha carreira na PF ou buscar alguma coisa na área privada, mas não tenho pretensão não de ir para política. Isso isso nunca passou pela minha cabeça e não, não é um não; é um plano que não vai acontecer.